terça-feira, 31 de julho de 2012

O sítio de Ana Primavesi, legado do cultivo limpo, está à venda


Ana Primavesi não quer, porém, destinar a qualquer pessoa uma área onde provou, na prática, suas teorias
 
Um laboratório vivo de agroecologia e manejo ecológico dos solos. Ou, simplesmente, um sítio. O sítio de Ana Primavesi, situado em Itaí, região de Avaré (SP), a 300 km da capital.

Quando Ana Primavesi o comprou, há 32 anos, o solo estava degradado, infértil, cheio de voçorocas – a erosão em seu mais alto grau. E sem nenhuma nascente. Reportagem de 28 de outubro de 1980, no Jornal da Tarde, do jornalista Randau Marques, noticia quando Ana adquiriu o sítio de 96 hectares: “A doutora Ana Primavesi está deixando São Paulo por um pedaço de terra árida e marcada pela erosão. É a terra que ela transformará numa fazenda rica e produtiva, gastando pouco e sem usar agrotóxicos”.
Dito e feito. Ao longo de três décadas, vivificou o solo, eliminou voçorocas e recuperou mata nativa e nascentes. “Hoje temos cinco nascentes ali”, orgulha-se. Numa região cercada por cana e pasto, o solo vivo do sítio se destaca. “O café produzido ali, organicamente, atrai vários compradores, que dizem que os grãos dão uma bebida especial”, comenta a filha de Ana, a psicopedagoga Carin Primavesi Silveira.
Ali a agrônoma produziu, com fartura, milho e café, além de criar gado. Tudo organicamente. Em 25 de janeiro deste ano, porém, mais por questão de idade do que de saúde, Ana teve de deixar o sítio onde provou na prática todos os seus ensinamentos. “Hoje o solo do sítio está vivo”, garante ela, que voltou para São Paulo, ao bairro do Campo Belo, na casa que construiu e mora com Carin e família.
Futuro. Agora, sem condições de seguir o cuidado desenvolvido no local, a família optou por colocar o sítio à venda. E, sendo a propriedade um legado da agroecologia, há várias pessoas em busca de uma solução que permita a preservação e a continuidade do trabalho. Em especial, um grupo de 20 pessoas ligadas ao movimento orgânico no Brasil, que tem se reunido para encontrar uma solução. A ideia que mais tomou corpo foi a da criação da Fundação Dra. Ana Maria Primavesi, que daria conta de gerir o sítio e torná-lo um polo difusor de agroecologia.
“Para tanto, precisamos de investidores, sejam pessoas físicas ou jurídicas, a fim de adquirir a propriedade”, diz o professor Manoel Baltasar, da Agroecologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e um dos membros do grupo de discussão.
Também foi criado um blog (anaprimavesiana.blogspot. com.br) para difundir tudo o que se relacione ao trabalho de dona Ana. Espera-se, em breve, que ele possa divulgar a atuação da fundação no sítio. O e-mail de Carin (carin.bp@gmail.com) está aberto a contatos e mais informações. Sobre o sítio, Ana repete a todos que só quer uma coisa: manter o seu solo vivo. / T.R.

Um prêmio à pioneira da agroecologia

A agrônoma Ana Primavesi luta há 65 anos pela vida dos solos; em setembro, receberá o principal prêmio mundial da agricultura orgânica
 
Tânia Rabello
ESPECIAL PARA O ESTADO de Sao Paulo


A modéstia permeia as declarações da engenheira agrônoma Ana Primavesi quando ela se refere ao One World Award – o principal prêmio da agricultura orgânica mundial, conferido pela International Federation of Organic Agriculture Movements (Ifoam). Neste ano, foi ela a escolhida para receber a homenagem, na Alemanha.
“Eles distribuem o prêmio entre os vários continentes. Agora, foi a vez da América do Sul”, comenta uma das precursoras do movimento orgânico no Brasil. “Estão me premiando por toda parte... Não sei para que isso”, acrescenta, quase encabulada.
E ouve, em seguida, que a homenagem que receberá no dia 14 de setembro, com a participação de mais de mil pessoas, entre elas a vencedora do prêmio Nobel Alternativo da Paz, a indiana Vandana Shiva, é mais do que merecida, pelo trabalho que vem fazendo, há 65 anos, pela agricultura ecológica, auxiliando lavradores a tornarem suas terras produtivas e limpas, em harmonia com o ambiente, eliminando o uso de agrotóxicos e adubos químicos.
“Pois é... Pelo jeito...”, sorri Ana Primavesi, que arremata: “Dizem que eu inventei a agricultura orgânica. Conscientemente, não. A gente sempre trabalhou dessa forma”.
Impactos positivos. Instituído em 2008, o One World Award é conferido a cada dois anos a ativistas da agricultura orgânica no mundo. São pessoas cujo trabalho impacte positivamente a vida dos produtores rurais.
Em 2008, quem ganhou o prêmio foi o veterinário e professor alemão Engelhard Boehncke, por suas práticas e estudos em relação à criação orgânica de animais. Há dois anos, foi a vez do indiano pioneiro em agricultura orgânica Bhaskar Salvar, que, logo no início da década de 1950, contrapôs-se à Revolução Verde – que inaugurou o uso de adubos sintéticos e agrotóxicos nas lavouras –, ensinando agroecologia aos produtores, com o uso de fertilizantes orgânicos, a manutenção da vida no solo e o fortalecimento das plantas por meio de um ambiente equilibrado.
Neste ano, Ana Primavesi será a agraciada. Aos 92 anos, austríaca naturalizada brasileira, formada pela Universidade Rural de Viena, é Ph.D. em Ciências Agronômicas e especializada em vida dos solos. Publicou vários artigos científicos e livros sobre o assunto, mas um deles, Manejo Ecológico do Solo (Editora No- bel, 552 páginas, reeditado mais de 20 vezes), é uma das bíblias da produção orgânica e leitura obrigatória nas faculdades de Agronomia do País.
A obra é citada no livro Plantas Doentes pelo Uso de Agrotóxicos, de Francis Chaboussou, no qual prova que pragas e doenças não atacam plantas cujos sistemas estejam equilibrados. E que são os adubos químicos e os agrotóxicos que atraem os parasitas, gerando um ciclo de dependência, com nefastas consequências para o planeta.
Preservação. Desde 1947, quando iniciou sua vida profissional, e por meio de aulas na Universidade Federal de Santa Maria (RS), Ana Primavesi vem batendo na tecla da preservação da vida no solo. Em aulas, palestras, conferências, debates, assistências técnicas diretas aos produtores rurais e a suas associações, a engenheira agrônoma repete frases que se tornaram mantras.
E quem as coloca em prática vê os resultados na produção, na preservação e na saúde de quem planta e de quem consome os alimentos agroecológicos: “O segredo da vida é o solo, porque do solo dependem as plantas, a água, o clima e nossa vida. Tudo está interligado. Não existe ser humano sadio se o solo não for sadio e as plantas, nutridas.”
Observação. Tanto que a primeira coisa que ensina aos agricultores que a procuram é olhar para a terra. “Se o solo tem uma boa estrutura, o agricultor tem grande chance de modificá-lo e convertê-lo para a agricultura or- gânica”, diz. “Terra com boa es- trutura forma grumos, que nada mais são que o entrelaçamento de microrganismos que confe- rem vida ao solo e saúde às plan- tas, além de permitirem a infiltra- ção da água. Em solos compacta- dos e sem vida, água vira enxurra- da e provoca erosão.”
Ana Primavesi lembra que uma planta precisa de no mínimo 45 nutrientes para se desenvolver e produzir de forma saudável. “A agricultura convencional dá, no máximo, 15 desses nutrientes para as plantas. E nem sempre esses 15 nutrientes são integralmente ministrados às lavouras convencionais”, diz.
O resultado são plantas deficientes nutricionalmente e frágeis aos ataques de pragas e doenças, dependentes, portanto, do uso de agrotóxicos.
É justamente a maneira de devolver esses nutrientes ao solo que Ana Primavesi ensina aos agricultores. Ela lembra de agricultores na cidade de Diamantina, em Minas Gerais, que há cerca de 15 anos a procuraram porque já não conseguiam produzir com o pacote convencional.
“Eles estavam a desanimados, quase falindo, porque a cada ano a terra respondia menos às adubações”, conta. “Começamos a melhorar o solo e a qualidade dos nutrientes, passando a aplicar adubações orgânicas”, continua. “Demorou uns quatro a cinco anos, mas agora eles produzem com fartura. Há uns anos voltei lá e vi como estavam felizes com a produção orgânica”, conta Ana, ressaltando que a recompensa sempre vem. “O problema é que ela não é rápida, e muitos desistem.”



*Muito-mais-que-descortês*

 Míriam Leitão, O Globo, terça 31jul12

As declarações do ministro Aldo Rebelo sobre o fato de a ex-ministra Marina Silva ter carregado a bandeira olímpica poderiam ser apenas mais uma exibição dos maus modos do ministro, ou de suas esquisitices. Mas foi pior do que isso. Sua fala pública e a de outros nos bastidores mostram que eles
confundem país com governo, o que é comum apenas em regimes autoritários.

O mal estar gerado por algo que deveria ser visto como um motivo de orgulho foi mais significativo do que pode parecer. É autoritarismo o que está implícito na ideia de que só governistas podem representar o país, suas causas, suas lutas. Era comum no regime militar essa mistura entre o
permanente e o transitório, essa apropriação do simbolismo da pátria pelos governantes. É também falta de compreensão do que é o espírito olímpico: a boa vontade que prevalece sobre as diferenças. Foi por isso que os escolhidos representavam o combate à pobreza, a luta por justiça, os pacificadores, o esforço de convivência entre povos, a preservação da Terra.

Quem o ministro gostaria que fosse o símbolo da proteção da floresta? Ele e seu projeto de Código Florestal que permitia mais desmatamento? Marina dedicou a vida a essa causa, desde o início de sua militância com Chico Mendes. Esse é um fato da vida.

"A Marina sempre teve boas relações com a aristocracia europeia. Não podemos determinar quem a Casa Real vai convidar, fazer o quê?", disse o ministro dos Esportes. Nisso revelou que desconhecia os fatos, as regras de etiqueta, a lógica da festa, o simbolismo da bandeira olímpica, o que o governo inglês pretendia com a abertura e até quem é responsável por organizar a festa. Obviamente, não é a Casa Real.

Isso é mais espantoso, porque o Brasil é o próximo país a receber uma Olimpíada e a preparação já está em andamento. Se essa pequenez exibida na declaração do ministro tiver seguidores, o Brasil fará uma festa governamental. Outro integrante do governo comparou a escolha de Marina ao
desfile de um trabalhista na frente de um governo conservador. A espantosa confusão não é exclusividade do ministro, é feita por outros graduados funcionários. Outros concordaram com essa canhestra interpretação. A demonstração de desagrado do governo brasileiro foi tão evidente que o
representante inglês se sentiu obrigado a lembrar aos jornalistas o óbvio: a escolha não foi política, porque este não é o momento.

O governo poderia interpretar os fatos como os fatos são. O Brasil é detentor da maior fatia da floresta com maior biodiversidade do planeta. É o segundo país em cobertura florestal do mundo. O primeiro é a Rússia, que não tem a mesma riqueza de espécies. Nem de longe. A escolha de uma
brasileira demonstra esse reconhecimento de que, numa causa estratégica para o século XXI, o Brasil tem destaque.

Marina mostrou que tinha entendido exatamente o que tudo aquilo representou. Fez declarações delicadas e com noção da grandeza do momento. O incidente não é apenas uma descortesia à Marina, mas uma demonstração de falta de capacidade de compreensão do espírito olímpico por parte dos
governantes do país que organizará a próxima Olimpíada.

Autoridades que falaram aos jornalistas, com o compromisso de não divulgação de seus nomes, explicaram por que estavam amuadas: não foram avisadas. Como a ex-ministra disse, os organizadores pediram que não divulgasse a informação. Ela fez isso. Até a presidente Dilma deu uma nota fora do tom ao dizer que "o Brasil fará melhor" na festa de abertura. "Vai levar uma escola de samba e abafar". A hora era de elogiar a festa de Londres e entender a complexidade da preparação da abertura de uma Olimpíada. Não basta chamar uma escola de samba.

sábado, 28 de julho de 2012

Marina Silva rouba a cena de Dilma na abertura das Olimpíadas


Marina sorri carregando a bandeira olímpica (Jonne Roriz/AE)
Marina sorri carregando a bandeira olímpica

Marina Silva rouba a cena da presidente Dilma Rousseff em Londres. Entre as surpresas guardadas a sete chaves pelos organizadores dos Jogos estava a participação de Marina entre as personalidades mundiais para carregar a bandeira olímpica no estádio em Londres.

Apresentada como” líder e referência na luta pela proteção ao meio ambiente”, Marina não disfarçava o entusiasmo ao terminar de carregar a bandeira. “Levei ao estádio a mensagem de que a paz se faz com a proteção do meio ambiente”, disse em entrevista ao Estado.

Emocionada por ter sido acompanhada por milhões de pessoas pelo mundo, a brasileira confessou que não conseguia falar. Marina estima que levou para os Jogos a mensagem de que existe hoje no mundo “a possibilidade de quebrar com paradigmas de crescimento e estabelecer novos padrões”. Marina levou a bandeira ao lado do secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, do maestro Daniel Baremboin e de premios Nobeis da Paz.

Se na ala VIP Dilma teve de ficar de pé para aplaudir os atletas entrando no estádio, ao lado da filha, e foi mostrada por apenas alguns segundos, Marina ganhou os holofotes mundiais por vários minutos, enquanto desfilava com a bandeira. Marina revelou que só recebeu a confirmação de que seria convidada na última terça-feira.

Na quarta viajou para Londres e conta que foi mantiva em um local discreto. “Ficamos concentrados. A ordem era sigilo total sobre como seria o evento”, contou. Segundo ela, nem Dilma, que representa o país anfitrião dos próximos Jogos de 2016, sabia de sua presença.

Ao passar por Mohamed Ali, Marina comoveu muitos ao lhe fazer um gesto de carinho. ‘Ele representa todo o esforço do mundo e a prova de que não há limites para a humanidade”, completou.
Para a brasileira, a relação entre a proteção ambiental e os Jogos é evidente. “As Olimpíadas se referem a uma competição que não gera uma perda traumática e é essa competição saudável que precisamos ter no mundo”, disse. “A ideia é a de que se pode conseguir harmonia e crescimento e usar o palco olímpico para passar essa mensagem é algo maravilhoso”, disse. 
(Jamil Chade, no Estadão)

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Visão, Sabedoria e Amor


 

Quando o olho não está bloqueado, o resultado é a visão.

Quando a mente não está bloqueada, o resultado é a sabedoria, 


e quando o espírito não está bloqueado, o resultado é o Amor."

Provérbio Chinês

 

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Ciência, tecnologia, inovação, vaca e leite

19/07/2012 - 03h30

IVAN OLIVEIRA

Folha de Sao Paulo, Tendências/Debates

 O físico austríaco Guido Beck (1903-1988), pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) de 1951 até a sua morte, dizia que "querer a tecnologia mas não querer a ciência é como querer o leite mas não querer a vaca".
Ao longo da história, há vários exemplos. Vejamos alguns poucos:

1) O escocês James Maxwell previu, com suas equações, em 1873, a existência e a propagação de ondas eletromagnéticas. As ondas de rádio foram produzidas pela primeira vez por Heinrich Hertz, em 1888, dando partida às comunicações por rádio;

2) Einstein, em 1905, descobriu a sua famosa fórmula: e=mc2. A energia nuclear só passou a ser explorada a partir da década de 1940. Mais uma dele: em 1916, publicou a relatividade geral, que substituiu a teoria da gravitação de Isaac Newton. Hoje, o GPS emprega a relatividade para funcionar corretamente;

3) A mecânica quântica, formulada no primeiro quarto do século 20, é a base de toda a ciência dos materiais: semicondutores (matéria-prima dos chips de computadores), metais, isolantes, materiais magnéticos e nanotecnologia. Só nos EUA, estima-se que cerca de 40% do PIB decorre de inovações diretamente ligadas às aplicações da mecânica quântica, utilizada para produzir, por exemplo, computadores, eletrodomésticos e carros;

4) O inglês Tim Berners-Lee, ao solucionar um problema de transferência de arquivos de dados científicos entre computadores no maior laboratório de física básica do mundo, o CERN, no início dos anos 1990, inventou a internet;

5) Cristais líquidos (usados em monitores de TV, computadores, tablets) foram descobertos em 1888 pelo botânico Friedrich Reinitzer, quando estudava, na Universidade de Praga, propriedades do... colesterol!

Carvall/Folhapress
A relação entre ciência, tecnologia e inovação segue uma ordem de causa e efeito que não pode ser invertida. Não se retira uma vaca de um copo de leite. É um grave equívoco pensar que se pode separar a atividade científica básica das soluções tecnológicas. A tecnologia é um "efeito colateral" da ciência.

Apenas no Instituto Tecnológico de Massachusetts, MIT, o número de patentes obtidas em 2011 foi de 160, contra 572 pedidos do Brasil inteiro no mesmo ano --em geral, nem todos os pedidos resultam em patentes concedidas. Ao leigo, pode dar a impressão de que os cientistas do MIT passam o dia pensando em novas invenções.

Essa noção desaparece quando verificamos que, entre os 27 prêmios Nobel de Física que passaram pelo MIT (em um total de 63 daquela instituição), encontram-se nomes como o de Richard Feynman (1965), Murray Gell-Mann (1969) e Steven Weinberg (1979), todos dedicados à compreensão de fenômenos físicos fundamentais, sem qualquer viés aplicativo imediato.

A fórmula para a geração de tecnologia e inovação é simples. Coloque em um mesmo lugar cientistas, engenheiros e estudantes, em bom número, pesquisando, juntos, fenômenos básicos da natureza, com laboratórios, oficinas e bibliotecas bem equipados.

Não existe outra forma. Não é rápido, não é barato. Não gera dividendos políticos imediatos, não dá resultados em um par de mandatos. Tem de haver consistência no financiamento, persistência na aplicação da fórmula e paciência. No Brasil, ciência básica é produzida nas universidades e nas unidades de pesquisa de vários ministérios.

Soluções mágicas, impostas por manobras burocráticas, podem matar a nossa vaca, que tem saúde frágil. E, como se sabe, vaca morta não dá leite.
IVAN OLIVEIRA, 50, doutor em física pela Universidade de Oxford, é pesquisador titular e coordenador da pós-graduação no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas

terça-feira, 17 de julho de 2012

Antigas cenas


Marina Silva
Folha de S. Paulo

Por esses dias, andei revisitando o passado. Primeiro, ao ver o filme "Matando por Terras", num evento em memória do saudoso e corajoso documentarista Adrian Cowell.

Revivi momentos difíceis da sofrida história dos trabalhadores rurais e povos da floresta amazônica. Depois acompanhei a cerimônia de despedida de dom Eugenio Sales, com tocantes testemunhos sobre a importância das comunidades de base e da Campanha da Fraternidade, duas contribuições originadas com ele.

Voltei ao tempo em que todo o PT e suas lideranças lutavam ao lado dos trabalhadores rurais, índios e ambientalistas, na defesa da vida e de um desenvolvimento econômico e social que respeitasse a floresta e seus habitantes.

Ontem, vi mais uma cena dessa longa história, mas de um capítulo atual e com muitas mudanças no enredo. O senador Luiz Henrique (PMDB-SC) apresentou seu relatório da MP do ex-Código Florestal, enviada ao Congresso pela presidente Dilma.

A ninguém surpreendeu a manutenção dos retrocessos e até a ampliação da anistia aos desmatadores e a nova diminuição das áreas de proteção. Os ruralistas, hoje, com o apoio do governo do PT, têm tudo o que querem.

Não faltará quem atribua o "passeio" ruralista à posição do movimento socioambiental, que continuou defendendo as florestas e recusou-se a participar da encenação de um falso consenso.

Já estava combinado. Passada a exposição da Rio+20, as últimas salvaguardas ambientais seriam retiradas pelos tratores. Interrompe-se o processo de construção da governança socioambiental democrática e baseada em princípios, que havia avançado desde a Constituição de 88.

Arquiva-se a ideia de que os líderes políticos pudessem mediar os interesses entre a mentalidade produtivista predatória e as urgências das mudanças climáticas. Acaba também uma fase em que a ciência podia influenciar o debate e as decisões políticas. Tudo agora se reduz ao pragmatismo e às conveniências eleitorais.

Revisitar o passado é algo necessário. Adrian Cowell e dom Eugenio, agora em nossa memória, assim como Chico Mendes, nos ajudam a pensar uma nova fase da luta do povo com as experiências de quem já enfrentou batalhas semelhantes. Os que aparecem nas cenas antigas com índios, seringueiros e agricultores, hoje posam ao lado de seus novos amigos.

Dizem que cada um retém do passado o que lhe serve ao presente. Que aprendamos logo, em lugar de retê-lo, a ressignificá-lo. Jean-Paul Sartre disse que "não somos o resultado e o produto do que o passado fez conosco, mas o resultado e o produto daquilo que fazemos com o nosso passado".
Pelo andar da carruagem dos retrocessos, esse passado de tantas injustiças e dores ainda está nos dirigindo.

MARINA SILVA escreve às sextas-feiras nesta coluna.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Todos somos céticos


ter, 03/07/12
por andre trigueiro |

Jornalista não é cientista, mas quando cobre os assuntos da ciência precisa entender minimamente os procedimentos e valores que regem esta comunidade. O que segue abaixo – em tópicos – é um resumo daquilo que me parece importante destacar sobre a cobertura dos assuntos ligados às mudanças climáticas.

Quem são os “céticos”?

A boa ciência, por princípio, tem o ceticismo como precioso aliado. São céticos todos os cientistas que norteiam seus trabalhos sem visões preconcebidas, dogmas ou interpretações pessoais da realidade desprovidas da correta investigação científica. É equivocado, portanto, chamar de “céticos” apenas aqueles que hoje se manifestam contra a hipótese do aquecimento global, ou da interferência da humanidade nos fenômenos climáticos.

A diferença entre opiniões pessoais e trabalhos publicados 

Todo cientista tem o direito de compartilhar opiniões, impressões ou análises superficiais sobre o assunto que bem entender. Para a ciência, isso é tão importante quanto a opinião manifestada por qualquer leigo. Neste meio, vale o que foi publicado em revistas especializadas, de preferência as que adotam o modelo de revisão pelos seus pares, ou “peer review” em inglês (como a Science ou Nature, para citar apenas as mais famosas), onde o conselho editorial é composto por cientistas que indicarão outros cientistas. Estes terão o cuidado de aferir se a nova hipótese para a explicação de um determinado fenômeno seguiu rigorosamente os protocolos de investigação que regem o método científico. Sem isso, o conteúdo em questão – ainda que emitido por um cientista – se resume à categoria de mera opinião.

Na cobertura jornalística, em havendo controvérsia sobre um determinado assunto, convém verificar a quantidade e a qualidade dos trabalhos publicados. Até o momento, os estudos sobre mudanças climáticas se concentram majoritariamente em favor da hipótese do aquecimento global. As duas correntes científicas, neste caso, não são equivalentes nem proporcionais. Embora ambas mereçam respeito.

A ciência do clima

Essa é uma área nova de investigação científica extremamente complexa e imprecisa. Não há certezas absolutas (em ciência, pode-se dizer, nunca haverá 100% de certeza já que a hipótese prevalente pode um dia ser invalidada diante do surgimento de novas evidências) e a controvérsia alimenta o debate na busca daquilo que venha a ser a melhor explicação para o fenômeno observado. O próprio IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas)  reconhece em seus relatórios as várias incertezas ainda existentes. As modelagens do clima não explicam totalmente as variações de temperatura em função das emissões de gases estufa. Ainda assim, há hoje mais certezas do que dúvidas de que o planeta está aquecendo e que os gases estufa emitidos pela Humanidade contribuem para esse fenômeno.

As oscilações naturais de temperatura do planeta em eras geológicas, a interferência do Sol nos fenômenos climáticos e todas as outras possibilidades que explicariam o que está acontecendo hoje são objeto de inúmeros estudos e pesquisas. Mesmo assim, segundo a corrente majoritária de cientistas, não há, até o momento, outra explicação mais convincente e embasada para explicar as mudanças climáticas, do que a interferência humana.

Foi por isso que a maioria dos países assinou em 1992 o Acordo do Clima (que reconhece essa interferência no fenômeno climático), consolidou em 1997 o Tratado de Kioto (que estabeleceu prazos e metas para a redução das emissões até 2012), e definiu em 2011 o Mapa do Caminho de Durban (que estabelece o prazo limite de 2015 para que todas as nações apresentem seus compromissos formais de redução dos gases estufa para implementação a partir de 2020).

Teoria da conspiração

Soa leviano – quase irresponsável – resumir o endosso à tese do aquecimento global de numerosos contingentes de cientistas e pesquisadores de algumas das mais importantes e prestigiadas instituições do mundo a uma conspiração que teria por fim “impedir o crescimento econômico dos países pobres ou emergentes no momento em que eles poderiam queimar muito mais combustíveis fósseis” ou “privilegiar setores da indústria, especialmente européias, que desenvolveram patentes de novas tecnologias para a produção de energia mais limpa e renovável”. É incrível ver como declarações nesse sentido são repetidas à exaustão por pessoas que, em alguns casos, se dizem cientistas.
 Com toda franqueza: como imaginar que a maioria absoluta dos países (ricos, emergentes e pobres) com suas muitas diferenças políticas, ideológicas, econômicas e sociais, sejam manipulados de forma tão grosseira em favor de uma gigantesca farsa que teria o poder de burlar a vigilância de suas respectivas comunidades científicas? Essa absurda teoria conspiratória relega a segundo plano a idoneidade, a honestidade intelectual e a autonomia de pessoas físicas e jurídicas do mais alto gabarito, em quase 200 países, que avalizam publicamente a hipótese do aquecimento global, e com influência humana. Em se tratando apenas de personalidades brasileiras, deve-se mais respeito a figuras como José Goldemberg, Paulo Artaxo, Carlos Nobre, Luis Pinguelli Rosa, Roberto Schaeffer, Suzana Kahn, Gylvan Meira, entre tantos outros que são reconhecidos dentro e fora do país, inclusive pela produção acadêmica que lhes afere enorme credibilidade.

Como imaginar que esse suposto “movimento orquestrado em favor do aquecimento global” seja ainda mais poderoso do que o lobby dos combustíveis fósseis (ou mesmo das empresas do setor automobilístico), a quem a hipótese da elevação da temperatura do planeta pela queima de óleo, carvão e gás tanto incomoda por razões óbvias? É inegável o poder que as companhias de petróleo ainda possuem para financiar campanhas, definir políticas públicas e os resultados de Conferências da ONU, como foi o caso recentemente da Rio+20, onde não se conseguiu reduzir em um único centavo aproximadamente 1 trilhão de dólares anuais em subsídios governamentais para os combustíveis fósseis no mundo inteiro.

A Justiça é cega? 

Merecem registro decisões históricas da Justiça americana – baseadas única e exclusivamente no conhecimento científico já construído sobre o aquecimento global – de que o dióxido de carbono (CO2) é um “gás poluente” (Suprema Corte/abril de 2007) e que o Governo Federal tem competência para regular as emissões de gases estufa (Tribunal de Apelações, semana passada, por unanimidade). Como os juízes não são especialistas no assunto, foram buscar a informação mais confiável e balizada possível na literatura, junto a peritos e instituições renomadas acima de quaisquer suspeitas. Neste caso, o trabalho dos juízes se confunde com o dos jornalistas na busca pela informação mais confiável.

O risco

Se não há 100% de certeza se os gases estufa emitidos pela Humanidade – especialmente pela queima progressiva de óleo, carvão e gás – contribuem efetivamente para o aquecimento global, por que se deveria apressar investimentos em mitigação (redução das emissões) e adaptação (prevenir risco de mortes e importantes perdas materiais em função dos eventos extremos, elevação do nível do mar etc)? A resposta é simples e leva em conta a mesma lógica que determina a opção por um seguro de vida, da casa ou do carro. Em todas essas modalidades de seguro, a probabilidade de acontecer algo indesejado é muito menor do que aquela que os cientistas apontam em relação ao clima. Ainda assim, muitos de nós consideram sensato recorrer a companhias de seguro para se precaver de eventuais riscos, por mais remotos que sejam.

Há outra questão importante: todas as recomendações do IPCC para que evitemos os piores cenários contribuiriam para um modelo de desenvolvimento mais inteligente e saudável. Reduzir as emissões de gases poluentes, combater os desmatamentos, tratar o lixo e o esgoto, promover a eficiência energética, priorizar investimentos em transportes públicos de massa, entre outras medidas, geram mais qualidade de vida, saúde e bem estar. São as chamadas “políticas de não arrependimento”. Se em algum momento for proposta outra hipótese robusta para as variações do clima, o que se preconiza agora como “o certo a fazer” não deixará de ser “o certo a fazer”. Mudaria apenas o senso de urgência para que os mesmos objetivos sejam alcançados.

Qual é a prioridade? 

Num mundo onde ainda há tanta pobreza, fome e miséria, pode-se defender como prioridade a canalização de recursos para a solução imediata destes problemas. É um pensamento legítimo. Mas o caminho do desenvolvimento pode ser sustentável e inclusivo. Uma agenda não exclui a outra. Uma questão dada como certa por boa parte dos cientistas é que o não enfrentamento das mudanças climáticas tornará a situação dos pobres e miseráveis ainda mais angustiante e aflitiva. Melhor agir, e logo.