ter, 03/07/12
por andre trigueiro |
Jornalista não é cientista, mas quando cobre os assuntos da ciência
precisa entender minimamente os procedimentos e valores que regem esta
comunidade. O que segue abaixo – em tópicos – é um resumo daquilo que me
parece importante destacar sobre a cobertura dos assuntos ligados às
mudanças climáticas.
Quem são os “céticos”?
A boa ciência, por princípio, tem o ceticismo como precioso aliado.
São céticos todos os cientistas que norteiam seus trabalhos sem visões
preconcebidas, dogmas ou interpretações pessoais da realidade
desprovidas da correta investigação científica. É equivocado, portanto,
chamar de “céticos” apenas aqueles que hoje se manifestam contra a
hipótese do aquecimento global, ou da interferência da humanidade nos
fenômenos climáticos.
A diferença entre opiniões pessoais e trabalhos publicados
Todo cientista tem o direito de compartilhar opiniões, impressões ou
análises superficiais sobre o assunto que bem entender. Para a ciência,
isso é tão importante quanto a opinião manifestada por qualquer leigo.
Neste meio, vale o que foi publicado em revistas especializadas, de
preferência as que adotam o modelo de revisão pelos seus pares, ou “peer
review” em inglês (como a Science ou Nature, para citar apenas as mais
famosas), onde o conselho editorial é composto por cientistas que
indicarão outros cientistas. Estes terão o cuidado de aferir se a nova
hipótese para a explicação de um determinado fenômeno seguiu
rigorosamente os protocolos de investigação que regem o método
científico. Sem isso, o conteúdo em questão – ainda que emitido por um
cientista – se resume à categoria de mera opinião.
Na cobertura jornalística, em havendo controvérsia sobre um
determinado assunto, convém verificar a quantidade e a qualidade dos
trabalhos publicados. Até o momento, os estudos sobre mudanças
climáticas se concentram majoritariamente em favor da hipótese do
aquecimento global. As duas correntes científicas, neste caso, não são
equivalentes nem proporcionais. Embora ambas mereçam respeito.
A ciência do clima
Essa é uma área nova de investigação científica extremamente complexa
e imprecisa. Não há certezas absolutas (em ciência, pode-se dizer,
nunca haverá 100% de certeza já que a hipótese prevalente pode um dia
ser invalidada diante do surgimento de novas evidências) e a
controvérsia alimenta o debate na busca daquilo que venha a ser a melhor
explicação para o fenômeno observado. O próprio IPCC (Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas) reconhece em seus relatórios
as várias incertezas ainda existentes. As modelagens do clima não
explicam totalmente as variações de temperatura em função das emissões
de gases estufa. Ainda assim, há hoje mais certezas do que dúvidas de
que o planeta está aquecendo e que os gases estufa emitidos pela
Humanidade contribuem para esse fenômeno.
As oscilações naturais de temperatura do planeta em eras geológicas, a
interferência do Sol nos fenômenos climáticos e todas as outras
possibilidades que explicariam o que está acontecendo hoje são objeto de
inúmeros estudos e pesquisas. Mesmo assim, segundo a corrente
majoritária de cientistas, não há, até o momento, outra explicação mais
convincente e embasada para explicar as mudanças climáticas, do que a
interferência humana.
Foi por isso que a maioria dos países assinou em 1992 o Acordo do
Clima (que reconhece essa interferência no fenômeno climático),
consolidou em 1997 o Tratado de Kioto (que estabeleceu prazos e metas
para a redução das emissões até 2012), e definiu em 2011 o Mapa do
Caminho de Durban (que estabelece o prazo limite de 2015 para que todas
as nações apresentem seus compromissos formais de redução dos gases
estufa para implementação a partir de 2020).
Teoria da conspiração
Soa leviano – quase irresponsável – resumir o endosso à tese do
aquecimento global de numerosos contingentes de cientistas e
pesquisadores de algumas das mais importantes e prestigiadas
instituições do mundo a uma conspiração que teria por fim “impedir o
crescimento econômico dos países pobres ou emergentes no momento em que
eles poderiam queimar muito mais combustíveis fósseis” ou “privilegiar
setores da indústria, especialmente européias, que desenvolveram
patentes de novas tecnologias para a produção de energia mais limpa e
renovável”. É incrível ver como declarações nesse sentido são repetidas à
exaustão por pessoas que, em alguns casos, se dizem cientistas.
Com toda franqueza: como imaginar que a maioria absoluta dos países
(ricos, emergentes e pobres) com suas muitas diferenças políticas,
ideológicas, econômicas e sociais, sejam manipulados de forma tão
grosseira em favor de uma gigantesca farsa que teria o poder de burlar a
vigilância de suas respectivas comunidades científicas? Essa absurda
teoria conspiratória relega a segundo plano a idoneidade, a honestidade
intelectual e a autonomia de pessoas físicas e jurídicas do mais alto
gabarito, em quase 200 países, que avalizam publicamente a hipótese do
aquecimento global, e com influência humana. Em se tratando apenas de
personalidades brasileiras, deve-se mais respeito a figuras como José
Goldemberg, Paulo Artaxo, Carlos Nobre, Luis Pinguelli Rosa, Roberto
Schaeffer, Suzana Kahn, Gylvan Meira, entre tantos outros que são
reconhecidos dentro e fora do país, inclusive pela produção acadêmica
que lhes afere enorme credibilidade.
Como imaginar que esse suposto “movimento orquestrado em favor do
aquecimento global” seja ainda mais poderoso do que o lobby dos
combustíveis fósseis (ou mesmo das empresas do setor automobilístico), a
quem a hipótese da elevação da temperatura do planeta pela queima de
óleo, carvão e gás tanto incomoda por razões óbvias? É inegável o poder
que as companhias de petróleo ainda possuem para financiar campanhas,
definir políticas públicas e os resultados de Conferências da ONU, como
foi o caso recentemente da Rio+20, onde não se conseguiu reduzir em um
único centavo aproximadamente 1 trilhão de dólares anuais em subsídios
governamentais para os combustíveis fósseis no mundo inteiro.
A Justiça é cega?
Merecem registro decisões históricas da Justiça americana – baseadas
única e exclusivamente no conhecimento científico já construído sobre o
aquecimento global – de que o dióxido de carbono (CO2) é um “gás
poluente” (Suprema Corte/abril de 2007) e que o Governo Federal tem
competência para regular as emissões de gases estufa (Tribunal de
Apelações, semana passada, por unanimidade). Como os juízes não são
especialistas no assunto, foram buscar a informação mais confiável e
balizada possível na literatura, junto a peritos e instituições
renomadas acima de quaisquer suspeitas. Neste caso, o trabalho dos
juízes se confunde com o dos jornalistas na busca pela informação mais
confiável.
O risco
Se não há 100% de certeza se os gases estufa emitidos pela Humanidade
– especialmente pela queima progressiva de óleo, carvão e gás –
contribuem efetivamente para o aquecimento global, por que se deveria
apressar investimentos em mitigação (redução das emissões) e adaptação
(prevenir risco de mortes e importantes perdas materiais em função dos
eventos extremos, elevação do nível do mar etc)? A resposta é simples e
leva em conta a mesma lógica que determina a opção por um seguro de
vida, da casa ou do carro. Em todas essas modalidades de seguro, a
probabilidade de acontecer algo indesejado é muito menor do que aquela
que os cientistas apontam em relação ao clima. Ainda assim, muitos de
nós consideram sensato recorrer a companhias de seguro para se precaver
de eventuais riscos, por mais remotos que sejam.
Há outra questão importante: todas as recomendações do IPCC para que
evitemos os piores cenários contribuiriam para um modelo de
desenvolvimento mais inteligente e saudável. Reduzir as emissões de
gases poluentes, combater os desmatamentos, tratar o lixo e o esgoto,
promover a eficiência energética, priorizar investimentos em transportes
públicos de massa, entre outras medidas, geram mais qualidade de vida,
saúde e bem estar. São as chamadas “políticas de não arrependimento”. Se
em algum momento for proposta outra hipótese robusta para as variações
do clima, o que se preconiza agora como “o certo a fazer” não deixará de
ser “o certo a fazer”. Mudaria apenas o senso de urgência para que os
mesmos objetivos sejam alcançados.
Qual é a prioridade?
Num mundo onde ainda há tanta pobreza, fome e miséria, pode-se
defender como prioridade a canalização de recursos para a solução
imediata destes problemas. É um pensamento legítimo. Mas o caminho do
desenvolvimento pode ser sustentável e inclusivo. Uma agenda não exclui a
outra. Uma questão dada como certa por boa parte dos cientistas é que o
não enfrentamento das mudanças climáticas tornará a situação dos pobres
e miseráveis ainda mais angustiante e aflitiva. Melhor agir, e logo.