Nota do Blog: Este é um manifesto candente de uma extraordinaria pesquisadora da EMBRAPA, que pinta com tons de chumbo o ambiente de censura e perseguiçao que vive naquela renomada instituiçao. Vale lembrar que o Grupo de Trabalho do Codigo Florestal, montado pela SBPC e ABC, tinha quase metade de seus membros recrutados nos quadros da EMBRAPA. Eles fizeram um trabalho extraordinario, e nem por isso deixaram de sofrer pressoes e ameaças da direçao da empresa. Nao obstante, sua voz foi ouvida, porque o livro sobre o Codigo Florestal publicado pela SBPC e ABC contem sua valiosa contribuicao. Todos sabem que o problema maior nao é com a ciencia, mas com a verdade pura e simples. As lideranças retrogradas que ainda atuam livremente no Brasil nao suportariam uma confrontaçao com a verdade que a ciencia vem aflorando, entao manda baixar o sarrafo, bem ao estilo da mentalidade das capitanias hereditarias. Mas sigamos tranquilamente o caminho que nos mostra a busca da verdade. Força aí Dr Debora! 
Dra. Débora F. Calheiros
Parafraseando
 José Saramago, tomo a liberdade de comparar o universo criado pelo 
autor com o que vivemos atualmente às vésperas da Rio + 20. O Brasil 
poderia estar à frente em termos mundiais, dando exemplo de como 
conservar seu patrimônio natural, crescer economicamente de forma 
qualitativa, detentor do que deveria ser uma combinação eficiente: uma 
das maiores reservas de biodiversidade e de água do planeta, associadas a
 uma legislação ambiental primorosa. Contudo fez opção pelo oposto.
A
 revisão do Código Florestal deveria ser elaborada sim, atendendo às 
inovações tecnológicas e ao aumento do conhecimento científico. Óbvio. 
Mas não da forma que foi feita, de forma meramente política para atender
 um setor privilegiado econômica e politicamente da sociedade 
brasileira, com objetivos meramente econômicos e de curtíssimo prazo. 
Deveria ter sido feita com base na Ciência, com “C” maiúsculo, 
como o foi à época realizado o Código das Águas (1934) e o Código 
Florestal (1965), editados por um Ministério da Agricultura à frente de 
seu tempo e preocupado com a conservação dos recursos hídricos e 
naturais indispensáveis à própria atividade agrícola.
Muitos já 
falaram sobre isso. Muitos cientistas do mais alto gabarito deste país. 
Desde Aziz Ab’Saber (USP) a J. G. Tundisi (IEE), Luiz A. Martinelli 
(CENA-USP), Carlos A. Joly (UNICAMP), Carlos Nobre (INPE), Gerd Sparovek 
(ESALQ-USP), Jean P. Metzger (IB-USP), Yara Schaeffer-Novelli (IO-USP), 
Maria T. F. Piedade (INPA), Wolfgang J. Junk (INAU – Instituto Nacional 
de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas/UFMT), Paulo T. de Sousa Jr. 
(INAU/UFMT), Catia N. da Cunha (INAU/UFMT), Ennio Candotti (Museu da 
Amazonia), P. Girard (INAU/UFMT), L. Casssati (UNESP) entre vários 
outros, além de programas de pesquisa importantíssimos como o Biota 
FAPESP e o próprio INAU, bem como instituições que deveriam ser 
referência como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência 
(SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e, salienta-se, até a 
própria agência governamental das Águas (ANA). 
De minha parte, humildemente, também me incluo neste grupo, como 
doutora em Ciências, pesquisadora da área de Limnologia (estudo de 
ambientes aquáticos continentais), Ecotoxicologia (contaminação 
ambiental por pesticidas) e Etnoecologia (estudo do conhecimento das 
comunidades e povos tradicionais sobre o funcionamento ecológico de seus
 ambientes), especificamente na área de ecologia de rios e planícies de 
inundação do Pantanal Mato-Grossense há mais de 20 anos.
Pergunta-se:
 Para que serve, então, a Ciência? Para que milhões de reais são gastos 
em pesquisa, em programas de pós-graduação para a formação de novos 
cientistas na área de recursos hídricos e ecologia? O que acontece com 
um país que renega e desrespeita a opinião unânime de seus mais 
importantes cientistas, em pleno Século XXI e não no obscurantismo 
medieval ou ditatorial, mas sim, acredita-se, em plena vigência da 
democracia? E tudo isso, pasmem, às vésperas da Conferência das Nações 
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20), com o país e o 
mundo clamando por melhor qualidade de vida e sustentabilidade?
Mais
 de dois milhões de assinaturas de brasileiros clamando pelo Veto. 
Manifestações veementemente críticas de ONGs de importância nacional e 
internacional, de movimentos sociais como a Via Campesina, dos 
ex-ministros do Meio Ambiente, da OAB e de tantos outros congregados num
 movimento histórico denominado Comitê Brasil em Defesa das Florestas e 
do Desenvolvimento Sustentável. Posição unânime de cientistas renomados.
 
Mas nada disso vale quando não há sensibilidade política para a 
causa humanista, base da conservação ambiental, optando-se por garantir 
novamente o privilégio de poucos em detrimento de toda a sociedade e 
reforçando incoerentemente a pobreza. Como diria Juan M. Alier em seu 
“Ecologismo dos Pobres” (1992): apropriação e exploração inconsequentes 
dos recursos naturais pelas leis capitalistas de mercado.
Contudo
 a liberdade de expressão científica e cidadã foram asseguradas. Todos 
os cientistas puderam se manifestar livremente e oficialmente sobre o 
tema. Já esta prerrogativa não nos foi autorizada. O que faço aqui pode 
gerar ainda mais represálias. 
Mas entendo que a liberdade de expressão é assegurada 
constitucionalmente e na Declaração Universal de Direitos Humanos, e a 
liberdade de pensamento e expressão científicos são, além de base 
filosófica da Ciência, um direito e um dever profissional. Um dever de 
todos os gestores e órgãos públicos como determina o Artigo 225 da 
Constituição Federal e o Código de Ética Profissional dos servidores em 
órgãos da Administração Pública: “VIII – Toda pessoa tem direito à 
verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária 
aos interesses da própria pessoa interessada ou da Administração 
Pública”.
No entanto, a empresa na qual trabalho, a Empresa 
Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, ligada ao Ministério da 
Agricultura, ícone da pesquisa agropecuária de nosso país, proibiu 
institucionalmente desde out./2010 seus pesquisadores de se manifestarem
 oficialmente no que se refere ao Código Florestal e “outros assuntos 
polêmicos”, “evitando conflitos com a posição oficial da instituição”, 
contrariando, inclusive, o seu próprio Código de Ética. Este fato foi 
noticiado na grande imprensa à época quando da realização de uma 
Audiência Pública sobre o tema no Senado Federal em fev./2011. 
Recentemente (mar./2012), antes mesmo da aprovação do novo Código
 na Câmara Federal ou da sanção ou veto da Presidente, fomos informados 
por meio do Documento “Embrapa 2012 – Ano Embrapa para uma Agricultura 
Mais Verde” que a mesma “reconhece e fortalece as responsabilidades 
sociais e ambientais” e busca o fortalecimento da gestão que considera 
de “vanguarda” por meio “da implementação de ações sustentáveis, 
incluindo a obediência ao novo Código Florestal”.
Isso renegando e
 ocultando um parecer técnico de seu próprio corpo de cientistas 
“Síntese da Pesquisa Agropecuária na Embrapa e a Proteção Ambiental” 
(jul/2009), que obviamente corrobora as opiniões dos demais cientistas 
da área, tendo cuidado especial para as pequenas propriedades, a grande 
maioria das propriedades rurais do país. 
Ou seja, a influência política do setor agropecuário também 
inibe, pressiona e censura a Ciência, numa empresa pública de pesquisa, 
que utilitariamente e docilmente (parafraseando um artigo crítico à 
instituição de Araújo e colaboradores, publicado em 2011: 
http://www.scielo.br/pdf/rap/v45n3/10.pdf) consente e se omite em um 
debate crucial para a sustentabilidade da agricultura e, portanto, 
ambiental do país.
Tudo isso demonstra quão frágil ainda é a 
democracia e as instituições governamentais brasileiras em relação à 
influência do capital em se apoderar dos recursos naturais em detrimento
 do conjunto da população brasileira, daí o fato notório de estarmos na 
7ª posição em termos de economia mundial e na 84ª em termos de 
distribuição de renda. Apesar de alguns avanços, pouco mudamos neste 
aspecto desde a colonização. Cegueira irresponsável, social e ambiental,
 censurando e perseguindo cientistas, em pleno Século XXI.
Na 
verdade não está sendo apenas um embate entre ideias ruralistas e 
ambientalistas, mas entre ruralistas e cientistas, mas com exceção desta
 importante instituição pública de pesquisa de grande relevância para a 
produção de alimentos para o Brasil. Na verdade, trata-se de um debate 
entre ruralistas e uma parte significativa da sociedade brasileira, que 
deveria ser respeitada com base no Artigo 225 da nossa Constituição: 
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de 
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao 
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para 
as presentes e futuras gerações.”
(Por Conceição Lemes, Viomundo, 21/06/2012)
 
