terça-feira, 18 de maio de 2010

É Marina ou statu quo

Página 22 - Edição 42 - Junho 2010

José Eli da Veiga

A candidatura Marina será uma ferramenta à disposição dos eleitores que desejarem estimular avanços incomparavelmente mais sérios e conseqüentes do que poderiam ser alcançáveis com outros postulantes. 

E isso independe do infeliz cacoete “mas ela não tem chance”. Mesmo que porventura não vença, quanto mais votos atrair maior será a influência de suas posições sobre as opções do próximo governo, seja lá quem chegar à presidência.

A única vantagem de eleição em dois turnos é justamente esta: poder apoiar no primeiro quem aponta o caminho mais promissor. Só no segundo é que muita gente se verá forçada a usar seu voto para evitar o que considera pior.
Claro, esse não é um argumento que possa sensibilizar aquela imensa parte do eleitorado que se define em função de motivações bem diferentes. Aquela parte que mal assistirá aos espetáculos que lhe serão oferecidos pelo duopólio do horário eleitoral de televisão. E que menos ainda se empenhará em entender o que poderia haver de tão especial nos propósitos daquela falante moreninha de voz aguda. Mesmo que muitos venham a guardar seu nome, talvez nem fiquem sabendo que exerceu dois mandatos no Senado e foi ministra do governo Lula.

Todavia, também há eleitores que farão de tudo para basear sua escolha em serena avaliação do que poderá ser melhor para o futuro da sociedade brasileira. Mesmo que em minoria nas urnas, certamente serão eles os que depois mais contribuirão para o bom funcionamento cotidiano das instituições democráticas. Por isso, o maior prejuízo para a sociedade ocorrerá se o debate público entre os candidatos impedir que essa faixa o eleitorado perceba a real diferença que existe entre a candidatura de Marina e as demais.

Os pré-candidatos que despontam como favoritos nas pesquisas falarão de sustentabilidade, mas seus currículos de gestores governamentais atestam que sequer assimilaram seu beabá. Sempre optaram pela turbinagem do PIB como objetivo supremo de suas ações, pois têm a convicção de que o desenvolvimento é diretamente proporcional a essa obsoleta maneira de se medir o crescimento da economia. O que necessariamente os obriga a encarar a natureza como eterno obstáculo, ou restrição, jamais como base, ou fundamento, de soluções.

A trajetória política de Marina levou-a a uma posição diametralmente oposta. De um lado, por ter muito cedo percebido que o desenvolvimento depende é da eficiente utilização pela sociedade dos frutos de seu desempenho econômico, algo que é precariamente avaliado pelo PIB. De outro, por também ter entendido que tanto crescimento econômico quanto o desenvolvimento humano terão pernas curtíssimas se comprometerem a resiliência dos ecossistemas. Seja pela falta geral de conservação, como, em alguns casos, de preservação. Foi essa ampla consciência que fez da responsabilidade socioambiental seu guia supremo de ação.

Ao contrário, será no altar dedicado ao PIB que os dois pré-candidatos mais cotados sacrificarão quaisquer cuidados com a proteção da natureza. Ambos idolatram acima de tudo a aceleração do crescimento porque são prisioneiros do mesmíssimo DNA ideológico social-democrata, por mais que na atual conjuntura brasileira discordem aqui e ali sobre quais seriam seus melhores métodos, ou suas melhores práticas.

Ainda mais decisivo: continua a ser o ideário social-democrata o que melhor atende aos três principais grupos sociais favoráveis à manutenção do statu quo: dos empresários que bancam campanhas eleitorais para obter muito mais do que o legitimado por suas contribuições para o bom desempenho da economia nacional; dos sindicalistas facilmente cooptáveis por dependência de transferências públicas; e dos próprios políticos que jamais seriam eleitos sem festivais de benesses federais.

Como essas bases sociais continuam mais poderosas do que os simpatizantes das inúmeras associações voltadas à sustentabilidade, só pode ser pequena a probabilidade de que saia derrotada em outubro de 2010 a irresponsabilidade socioambiental comum aos atuais favoritos. Daí a importância de que no primeiro turno vote mesmo em Marina quem concorda com sua corrente por democracia e sustentabilidade, sejam quais forem suas sensibilidades sobre os candidatos do statu quo.

Se, ao contrário, adeptos da responsabilidade socioambiental forem ofuscados por antipatias que antecipem o segundo turno, sairá reforçada a truculência que obrigou Marina a deixar do governo Lula, e que acaba de ter emblemática confirmação no caso de Belo Monte. O próximo governo estará inteiramente à vontade para - por exemplo - conduzir da mesma maneira o licenciamento e leilão das 33 outras usinas já planejadas.
Enfim, dia 3 de outubro é Marina ou statu quo.

JOSÉ ELI DA VEIGA, professor titular da Faculdade de Economia (FEA) e orientador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo. Página web: www.zeeli.pro.br