Eduardo Giannetti, 23-abr-2010
O que esperar do Brasil? Do ponto de vista lógico, existem três formas básicas de se pensar o futuro. A previsão lida com o provável e responde à pergunta: o que será? A delimitação do campo do possível lida com o exequível e responde à pergunta: o que pode ser? E a expressão da vontade lida com o desejável e responde à pergunta: o que sonhamos ser? As relações entre esses modos de conceber o futuro não são triviais. Há duas direções de causalidade relevantes em jogo.
De um lado, é claro, está o princípio de realidade. Se o desejável não respeitar os limites do exequível, ele se torna vazio e quixotesco (quando não trágico). Desde a sua origem no século XVIII, boa parte da missão da economia como disciplina tem sido a árdua tarefa de procurar enquandrar os vôos alheios e submeter o voluntarismo de políticos, reformadores e visionários aos rigores da consistência e da exequibilidade. A aritmética desagradável é um dos ofícios do economista; o balde de água fria, uma de suas especialidades.
Ocorre, porém, que a causalidade corre também na direção contrária: o desejo de mudança modifica o futuro. A realidade objetiva deve ser conhecida e respeitada, mas ela não é toda a realidade. A vida das nações, não menos que a dos indivíduos, é vivida em larga medida na imaginação. A capacidade de sonho e ação de um povo fertiliza o real, expande as fronteiras do possível e reembaralha as cartas do provável. Quando a vontade de mudança e a criação do novo estão em jogo, resignar-se ao provável e ater-se ao exequível é condenar-se ao passado e à repetição medíocre.
Se é verdade, portanto, que o sonho desligado da realidade é vazio, como enfatiza a economia, é preciso ter em mente que o contrário dessa grande verdade não deixa de ser também uma grande verdade: a realidade desprovida do poder transformador do sonho é deserta. O desejo move. No universo das relações humanas, o futuro responde à força e à ousadia do nosso querer.
Com o que sonham e se preocupam os brasileiros? Uma ampla enquete de opinião promovida em 2009 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), por meio da Campanha Brasil Ponto a Ponto, permite tomar o pulso e revelar o norte do desejo de mudança que anima a sociedade brasileira.
Diante de uma mesma pergunta – “O que precisa mudar no Brasil para a sua vida melhorar de verdade?” – cerca de 500 mil brasileiros tiveram a oportunidade de oferecer uma resposta e formular a sua visão. Os principais resultados da pesquisa? Ei-los: 1) A educação – seguida de violência e emprego – é a principal aspiração/problema (“temas substantivos”) da nossa sociedade; 2) Valores morais (como respeito, justiça e paz) e a formação do caráter das pessoas figuram como os mais frequentes “temas transversais” perpassando as respostas e escolhas substantivas.
Duas principais mensagens podem ser depreendidas dos resultados da pesquisa. A primeira é a clara explicitação da força do desejo de mudança no Brasil. Existe uma injustificável distância entre o que efetivamente somos, de um lado, e o que podemos e desejamos ser como nação, de outro. O pulso da mudança bate com força na imaginação dos brasileiros. Há um Brasil potencial querendo despertar e desenvolver-se a partir das promessas e desafios do Brasil real.
A segunda mensagem da pesquisa remete à direção da mudança. A identificação da educação – especialmente na dimensão da formação dos valores e do respeito a normas de convivência – como a principal aspiração dos brasileiros frente ao futuro, confere um conteúdo substantivo à visão de um desenvolvimento eticamente orientado, não como a escalada cega da acumulação e do consumo competitivo – parafuso espanado no vazio, mas como “a expansão da capacidade humana para levar uma vida mais livre e digna de ser vivida”, como propõe o economista indiano Amartya Sen.
O que se demanda não são soluções prontas ou medidas heróicas que melhorem a renda, as condições materiais de vida e o bem-estar mas, isto sim, os meios para a criação de capacitações e a formação de virtudes que ampliem o leque efetivo de liberdades dos cidadãos e permitam à sociedade como um todo afirmar seus valores e viver à altura do seu potencial. Os brasileiros não só reconhecem a extensão hiato que os separa do que almejam como são capazes de identificar, de forma clara e precisa, a principal deficiência que nos distancia da realidade sonhada.
A decorrência prática dessa demanda pode ser resumida recordando o que dizia Eugenio Gudin, há exato meio século, quando a euforia desenvolvimentista contagiava a imaginação dos brasileiros e mais uma vez relegava – como volta a acontecer hoje – o investimento em educação e pesquisa à posição subalterna que sempre ocupou entre nós, não obstante o clamor ritual das temporadas eleitorais: “O problema do desenvolvimento econômico tem sido geralmente encarado no Brasil sob o prisma do curto prazo e do imediatismo, isto é, da execução de determinados melhoramentos materiais de resultados tangíveis em um período governamental. Se há, entretanto, problema que exija planejamento de longo prazo, com expectativa de resultados seguros mas só gradativamente evidenciáveis, este é o da formação de gente, isto é, de uma população sadia, ativa e capaz. É a qualidade da população que constitui o elemento decisivo do desenvolvimento”. Os ventos sopram de novo a nosso favor. Repetiremos outra vez o mesmo equívoco?
De lá para cá, o tamanho do desafio só fez crescer. O Brasil do século XXI ainda carece de lideranças capazes de incendiar a imaginação da sociedade com o valor da educação e do conhecimento – um “JK do capital humano” (menos a inflação). Ninguém melhor que Marina Silva tem hoje condições reais de liderar um movimento ousado e efetivo em resposta a essa gritante lacuna do nosso percurso como nação. “O erro”, diz um poeta, “repete-se sempre na ação, por isso deve-se incansavelmente repetir a verdade em palavras”.