terça-feira, 15 de setembro de 2009

A Amazônia não está à venda

Celso Amorim, Sergio Rezende e Marina Silva

Os que se preocupam com o clima do planeta deveriam se dedicar a influenciar seus governos. Da Amazônia nós estamos cuidando


COM FREQÜÊNCIA vemos circularem notícias sobre interesses de pessoas, entidades ou mesmo governos estrangeiros com relação à região amazônica. Recentemente, surgiram no exterior iniciativas com o objetivo de adquirir terras na Amazônia para fins de conservação ambiental ligadas à preocupação com o fenômeno da mudança do clima e ao possível papel do desmatamento nesse processo.


São propostas que desconhecem a realidade da floresta amazônica. Ignoram também importantes dados científicos.


A mudança do clima é um problema real ao qual o Brasil atribui grande importância. Há consenso mundial de que o fenômeno está sendo acelerado pela ação humana. É um processo cumulativo, resultado da concentração progressiva de gases de efeito estufa na atmosfera nos últimos 150 anos. Assim, focar a atenção especialmente nas atuais emissões é errado e injusto. Alguns dos atuais emissores -sobretudo os países emergentes- têm pouca ou nenhuma responsabilidade pelo aquecimento global, cujos efeitos começamos a sentir.


A causa principal da mudança do clima é conhecida: pelo menos 80% do problema tem origem na queima de combustíveis fósseis -especialmente carvão e petróleo- a partir de meados do século 19. Apenas pequena parcela resulta das mudanças no uso da terra, incluindo o desmatamento.


O desmatamento atual em escala global é preocupante por várias razões, mas o foco do combate à mudança do clima deve ser a alteração da matriz energética e o uso mais intensivo de energias limpas. A Convenção do Clima e seu Protocolo de Kyoto são claros: àqueles que causaram o problema (os países industrializados) cabem metas mandatórias de reduções e a obrigação de agir primeiro.


Embora não tenha metas mandatórias de redução por pouco ter contribuído para o problema, o Brasil está fazendo sua parte. Possuímos uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Nossos programas de biocombustível são exemplo para outros países. Contribuímos, dessa forma, para o desenvolvimento sustentável da sociedade brasileira e para a redução global das emissões de gases de efeito estufa.


O Brasil está, ainda, implementando uma política integrada de combate ao desmatamento. Trata-se de esforço multissetorial e de longo prazo, com ações de valorização da floresta em pé e de apoio ao desenvolvimento socioeconômico das comunidades que dela dependem.


Nos últimos anos, conseguimos importante redução das taxas de desmatamento. Em 2004-2005, a redução confirmada foi de 32%, ao que se somam, segundo dados preliminares, mais 11% no período 2005-2006. São resultados significativos, mas os esforços para uma redução permanente do desmatamento devem continuar.


O manejo sustentável de florestas é, em todo o mundo, um campo propício à cooperação, por meio do intercâmbio de experiências e do auxílio na capacitação técnica. Estamos abertos a essa cooperação, sempre no estrito respeito às nossas leis e à nossa soberania.


O Brasil participa ativamente dos debates internacionais sobre florestas. No âmbito da Convenção do Clima, apresentaremos, em novembro próximo, na Conferência de Nairóbi, proposta que visa promover incentivos aos esforços nacionais voluntários de redução das taxas de desmatamento. Acreditamos que essa é uma forma adequada de os países desenvolvidos apoiarem a conservação das florestas tropicais.


A proposta é mais uma contribuição do Brasil para o esforço comum de redução global de emissões de gases de efeito estufa. A sociedade brasileira não aceita mais os padrões insustentáveis de desenvolvimento que levaram, em todo o mundo, a perdas ambientais irreparáveis. O Brasil espera que os países industrializados, responsáveis pelo problema, cumpram suas obrigações de redução de emissões.


Aqueles indivíduos bem-intencionados que, com razão, se preocupam com o clima do planeta deveriam dedicar-se a influenciar seus próprios governos no sentido da mudança de padrões insustentáveis de produção e consumo e da utilização de energias renováveis. Nessa área, o Brasil tem muito a oferecer em conhecimento e tecnologia.


Da Amazônia nós estamos cuidando de acordo com modelos de desenvolvimento baseados em princípios de sustentabilidade definidos pela sociedade brasileira. A Amazônia é um patrimônio do povo brasileiro, e não está à venda.


CELSO AMORIM, 64, diplomata, doutor em ciências políticas pela London School of Economics (Inglaterra), é o ministro das Relações Exteriores. SERGIO MACHADO REZENDE, doutor em física pelo MIT (EUA), é o ministro da Ciência e Tecnologia. MARINA SILVA, 48, historiadora, senadora pelo PT-AC, é a ministra do Meio Ambiente.