segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Lula defende uso de florestas no combate ao aquecimento

FÁBIO ZANINI enviado especial da Folha a Isla Margarita (Venezuela)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem na Venezuela que a existência de florestas nos países tropicais seja usada como trunfo nas negociações do novo acordo do clima. "Quem tem novidade para oferecer ao mundo são exatamente os países do sul [África e América do Sul]. Precisamos fazer disso uma vantagem comparativa", afirmou Lula, após reunião de cúpula com presidentes dos dois continentes.

"Se nós chegarmos a Copenhague com o quadro real da quantidade de emissões de gases de cada país --qual a matriz energética, quanto polui, quanto sequestra-- vamos perceber que o sul emite muito menos e já sequestra [retém] muito mais.", disse. "Aí você vai criar uma valorização nos países que resolverem colocar as suas florestas à disposição do mundo para sequestrar carbono."

Lula apoiou a ideia de países ricos criarem um fundo para ajudar a combater o desmate, mas cobrou ação direta. "Eles não estão assumindo o compromisso de quanto vão deixar de emitir de gases de efeito estufa", disse.

sábado, 26 de setembro de 2009

Humanidade esgota seu "espaço de operação", dizem cientistas

A humanidade pode estar tirando o planeta da excepcional estabilidade ambiental em que ele se encontra há 10 mil anos e lançando-o numa zona turbulenta com consequências "catastróficas". O novo alerta é feito por um grupo internacional de 29 cientistas, em artigo nesta semana na revista "Nature".

O time reúne alguns dos maiores especialistas no sistema terrestre, entre eles o holandês Paul Crutzen, Nobel de Química em 95 por seu trabalho sobre a camada de ozônio.

Eles identificaram nove fatores-chave do funcionamento do planeta que não deveriam ser perturbados além de um certo limite para que a estabilidade ambiental que permitiu o florescimento da civilização continue por milhares de anos.

Acontece que, dos nove "limiares planetários", como o artigo chama esses fatores, três já foram excedidos de longe: a mudança climática, a perda da biodiversidade e a alteração no ciclo do nitrogênio. Sobre dois deles, a poluição química e o lançamento de aerossóis na atmosfera, não há informação suficiente.

Outros três --uso de água doce, mudança no uso da terra e acidificação dos oceanos-- ainda não tiveram seus limites ultrapassados, mas terão, se as atividades humanas mantiverem o ritmo e o caráter atuais. Um único limiar, a destruição do ozônio estratosférico, está sendo revertido aos valores pré-industriais.

O ciclo do nitrogênio não costuma aparecer entre as pragas ambientais mais citadas. No entanto, os pesquisadores, liderados por Johan Rockström (Universidade de Estocolmo), apontam que a quantidade desse gás removida da atmosfera para uso humano --quase tudo como fertilizante para a agricultura-- já é quatro vezes maior do que o limite proposto. "É mais do que os efeitos combinados de todos os processos [naturais] da Terra", escrevem os autores. Nos fertilizantes, o nitrogênio é convertido a uma forma reativa e acaba no ambiente, poluindo rios e zonas costeiras e formando óxido nítrico, um gás-estufa.

Outro nutriente importante, o fósforo, também está tendo seu ciclo alterado, embora haja "grandes incertezas" sobre qual seria seu limite.

O grupo aponta que o fato de "apenas" três limiares terem sido cruzados não é garantia de que o mundo não sofrerá mudanças catastróficas. Afinal, há múltiplas interações entre os limiares. "Transgredir a barreira do nitrogênio-fósforo pode erodir a resiliência de alguns ecossistemas marinhos, potencialmente reduzindo sua capacidade de absorver CO2, afetando assim a barreira climática."

26/09/2009 - 09h

da Folha de S.Paulo

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Brasil precisa decidir se apoia ou não o REDD

17/09/2009 - 01h09

Por Dal Marcondes, da Envolverde

A sigla significa "Redução de Emissões por Desmatamento e Degração Evitados" e deverá ser um dos principais focos da discussão sobre mudanças climáticas, em dezembro próximo, em Copenhague.


O desmatamento representa 20% das emissões globais de gases de efeito estufa, e trabalhar para eliminar este fonte de CO² é a forma mais rápida e barata que o mundo tem para começar a reduzir de maneira efetiva os riscos que as mudanças climáticas impõem a todos os ecossistemas do planeta. Há, ainda, muitas dúvidas sobre as metodologias e os benefícios dos projetos de REDD, mas é consenso entre especialistas reunidos no 1° Simpósio Latino-Americano de REDD, em Manaus, que a regulamentação deste mecanismo é muito importante para o Brasil e para a construção de políticas públicas de preservação das florestas.

Outro consenso explicitado no evento é o senso de urgência em relação à necessidade de redução das emissões globais de carbono. Este simpósio, organizado pela Fundação Amazonas Sustentável, trouxe para o debate especialistas que atuam em governos, no Brasil e em outros países da região, acadêmicos e lideranças da sociedade civil, que durante três dias estão buscando traduzir em palavras que sejam compreensíveis para a sociedade conceitos que ainda causam desconforto até entre os iniciados. Para Paulo Adário, diretor do Greenpeace, pouca gente fora deste círculo sabe o que é REDD ou tem consciência dos impactos das mudanças climáticas na vida cotidiana. “Temos pouco tempo para construir um grande acordo internacional que consiga evitar tragédias”, diz. Ele afirma que com apenas dois graus de elevação na temperatura média da Terra haverá 360 milhões de mortes nos países mais pobres.

Este sentido de urgência ganha ainda mais força quando se sabe que o governo brasileiro ainda não assumiu uma posição clara em relação às políticas de preservação florestal que podem ser construídas a partir de um ordenamento jurídico internacional que torne o REDD uma alternativa viável para governos e projetos que envolvam empresas e organizações da sociedade civil. O que existe atualmente são projetos paralelos, que ainda carecem de uma regulamentação que se traduza em um link com as políticas das Nações Unidas que irão suceder os acordos de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) que foram estabelecido pelo Protocolo de Quioto e regularam o mercado global de créditos de carbono.

Virgílio Viana, diretor geral da Fundação Amazonas Sustentável (foto), acredita o o Brasil ainda não se definiu por uma política de REED por conta de uma visão equivocada de alguns setores que ainda acreditam que desmatamento gera desenvolvimento. Ele explica que é preciso mostrar a setores estratégicos para o Brasil, como o agronegócio, que desmatar a Amazônia pode significar mudanças nos regimes de chuva das mais importantes regiões produtoras do Sul e Sudeste, com impactos desastrosos para a economia. “Hoje 75% das emissões brasileiras vem do desmatamento, conservar florestas é do interesse nacional”. E alerta: “temos de passar por uma metamorfose, caminhar com urgência em direção a uma economia de baixo carbono”.

Existem algumas questões básicas que estão colocadas em relação aos mecanismos de financiamento que podem ser configurados como REDD. A principal delas, e que tomou um bom espaço nos debates em Manaus, é se este financiamento deve ser público ou privado, ou mesmo, um modelo misto. O Brasil tem dois projetos que mostram a viabilidade dos dois formatos, sem que sejam excludentes. O Fundo Amazônia, que é gerido pelo BNDES, e que funciona com doações (até o momento recebeu um aporte do governo da Noruega de R$ 215 milhões), e o projeto da Fundação Amazonas Sustentável, que faz a gestão de recursos públicos e privados em um projeto que trabalha com populações tradicionais em unidades de conservação do estado do Amazonas.

Outra questão estrutural é se as escalas de creditação do REDD serão nacionais ou subnacionais, ou ainda um sistema misto que permita a convivência dos dois modelos. Isto significa principalmente se poderá haver a creditação de projetos como o da Fundação Amazonas Sustentável, ou se apenas mecanismos de com medição nacional, como o Fundo Amazônia, poderão participar. Esta questão também mobilizou uma força tarefa de governadores de nove estados da Amazônia, secretariados por Virgílio Viana, para tentar influir na posição que o Itamaraty vai levar à Dinamarca.

A questão relativa ao âmbito dos projetos, nacionais ou subnacionais, tem uma relação direta com o interesse de empresas em contribuir com recursos para os programas. Para Mariano Cenano, do Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia), o desmatamento tem uma tendência histórica e crescente. Conter este processo custa cerca de US$ 15 bilhões por ano. “A lógica do desmatamento é que existe mercado para seus produtos, é preciso viabilizar e fortalecer a dinâmica de uma economia baseada em produtos florestais a partir da preservação dos biomas”, diz. Dentro desta lógica, as empresas tem interesse em participar quando identificam claramente uma cadeia de valor que inclua benefícios ambientais, sociais e econômicos.

Além das questões meramente regulatórias, os mecanismos de REDD precisam estar alicerçados em fatores de legitimidade e credibilidade, como consistência técnica, independência, transparência, participação social e acesso a informações. “Não se pode fazer REDD em segredo”, diz Maurício Voivodic, do Imaflora, uma organização que atua com certificação. Ele alerta que os programas de REDD devem ter cuidados especiais em relação a vazamentos (quando o projeto funciona em uma determinada área, mas empurra os processos de degradação para outros territórios) ou dupla contagem dos resultados. “Quando conseguimos o sucesso em conter o desmatamento, é preciso saber quais são os programas e projetos que realmente estão contribuindo para este resultado”, diz Voivodic. Aliado a estas preocupações estão questões relativas a como realizar a partição dos benefícios com as comunidades tradicionais, povos da floresta e comunidades indígenas.

Durante o seminário, do qual participam quase 30 palestrantes, existe a certeza de que REDD é uma janela de oportunidades não apenas para o Brasil, mas para diversos países da região. Mas, também, é consenso de que é uma janela de riscos. Segundo Carlos Young, economista da UFRJ, a maior parte dos problemas que existem não são exclusivos do REDD, também acontecem nas áreas de energia e resíduos, e isto não inviabiliza projetos de crédito de carbono nesta áreas. (Envolverde)


(Agência Envolverde)

Pressão amazônica

JC e-mail 3850, de 17 de Setembro de 2009.


Governadores querem remuneração pela prestação de serviços ambientais com entrada no milionário mercado de carbono

Danielle Santos escreve para o "Correio Braziliense":



O presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá hoje, dia 17, a tarefa de acalmar os ânimos dos governadores dos nove estados da Amazônia Legal (Acre, Amazonas, Amapá, Rondônia, Roraima, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Tocantins) que se reunirão com ele para definir uma política milionária de compensação ambiental em áreas de florestas, conhecida como Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD). Será o primeiro encontro depois dos desentendimentos com o Itamaraty a respeito da participação de investimento estrangeiro na região.



A REDD tem como objetivo criar uma compensação adicional por desmatamento evitado, ou seja pela quantidade de carbono (CO2) que a área deixou de emitir na atmosfera por causa da sua preservação. A compensação dessas áreas de floresta seria por meio de projetos públicos ou privados nacionais ou internacionais que investiriam na região como forma de manter a floresta de pé.



Outra modalidade que se enquadra nas exigências dos governadores é a participação da região amazônica no mercado mundial de carbono, que movimenta uma quantia astronômica de U$$ 120 bilhões a cada ano, podendo chegar a U$$ 1 trilhão em 2020, segundo dados do governo do Amapá.



A entrada das áreas de florestas no mercado bilionário dos créditos de carbono será tema da 15ª Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP 15), que ocorre em dezembro, em Copenhague, e, consequentemente, um dos motivos da pressa dos governadores para que o país se posicione sobre o assunto.



Para convencer o presidente Lula de que o investimento de países estrangeiros não fere o princípio da soberania nacional, como acreditaria o Itamaraty, o governador Blairo Maggi, de Mato Grosso, apresentará, durante a reunião, modelos experimentais implantados no estado com a parceria de organizações não governamentais estrangeiras interessadas em compensar suas emissões de gases poluentes em territórios brasileiros ainda preservados.



"Queremos que a floresta permaneça intacta e que o proprietário receba pela não utilização do seu direito de desmatar", afirma o secretário-chefe da Casa Militar do governo matogrossense, Alexandre Maia.



O governador Ivo Cassol também estará na briga para lucrar em cima da prerrogativa de que o seu estado, Rondônia, contribui para diminuir o aquecimento global. Ele vai além e diz ainda que, com a política de compensação ambiental, será "necessária e urgente" uma política especial que atenda todos os estados a gerarem empregos como forma de evitar o desmatamento.



"Precisamos de uma política que agregue valor em cima da nossa matéria-prima, além de incentivos fiscais para a região. A falta de oportunidade faz, muitas vezes, o povo voltar para a prática ilegal na Amazônia."



O governador do Amapá, Waldez Góes, foi mais categórico e afirmou não admitir que a região seja injustiçada, pois, até agora, só recebem compensação ambiental áreas degradas que diminuíram emissão de gás carbônico com o reflorestamento.



"Quando fizeram o Tratado de Kyoto, considerou-se apenas o benefício para áreas degradadas, mas por prevenção não exista um pagamento, ou seja, sempre preservamos e ficamos sem nada", critica.

(Correio Braziliense, 17/9)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Alerta verde

Para pesquisador, o desmatamento da Amazônia pode levar à rápida desertificação da América do Sul e colocar em risco a economia e o equilíbrio biológico de todo o planeta.

Por José Ruy Gandra

Na próxima vez em que assistir ao Jornal Nacional, atente à previsão meteorológica. Caso a imagem do satélite traga aquela circulação tipo bumerangue cruzando transversalmente o continente, agradeça. Agradeça ainda mais caso você viva na região Sudeste do Brasil ou na Argentina. Segundo o pesquisador Antonio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazonia (INPA), não fosse pelas chuvas que essas nuvens trazem, em especial no verão, todo o quadrilátero contido entre as cidades de Cuiabá, São Paulo, Buenos Aires e a cordilheira dos Andes se tornaria, quase certamente, um deserto.

Segundo Nobre, isso só não acontece por duas razões: a presença dos Andes, cuja altura redireciona o vapor d’água vindo do Atlântico para sudeste (formando o tal bumerangue), e a evaporação causada pelas árvores da floresta Amazônica, que alimenta essa umidade, permitindo que ela chegue até os Andes, e mais adiante, sem dissipar-se pelo caminho. “A Amazônia é uma bomba hidrológica impressionante”, diz Nobre, que viveu 22 anos na região. “Ela lança diariamente 20 bilhões de toneladas de água na atmosfera, garantindo que uma área responsável por 70% do PIB sul-americano seja devidamente irrigada”.

O avanço do desmatamento, segundo Nobre, não põe em risco iminente apenas esse sistema que confere à América do Sul sua bem-vinda peculiaridade climática. “O desmate é responsável, sozinho, por 20% de todas as emissões humanas de gás carbônico”, afirma. Trata-se, portanto, de uma ameaça global. Entidades internacionais recomendam que 2% do PIB mundial devam ser imediatamente investidos em medidas contra o aquecimento. “Se isso não for feito”, diz Nobre, “em 2020 serão precisos 30% desse mesmo PIB somente para lidar com os custos das perdas ligadas a desastres ambientais”. Mesmo assim, de acordo com Nobre, nada vem sendo feito efetivamente. “A preservação da floresta não deve portanto se subordinar aos interesses do desenvolvimento e da economia, e sim o contrário. “Sem a manutenção desse delicado mas poderoso sistema de equilíbrio global, toda a economia irá fatalmente pro espaço”.

Atuando dentro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos, Nobre, 50 anos, agrônomo por formação, especialista em biologia tropical e doutorado em biogeoquímica pela Universidade de New Hampshire, concedeu uma longa entrevista à revista PIB, cujos principais trechos você lê a seguir. Nela, o pesquisador explica as singularidades de nosso regime climático, analisa a importância da Amazônia em seu funcionamento, condena a mentalidade autista do agro-negócio e, mais ainda, o imobilismo dos governos diante desse quadro. E adiciona uma agravante: “Ao desmatar a Amazônia, não queimamos árvores, mas sim uma biblioteca viva de altíssima tecnologia e valor incalculável”, diz.

A teoria de Hadley

Hoje a ciência sabe que o sistema biológico condiciona a atmosfera. Isso é novidade. Ela sempre considerou a biosfera um fator secundário e a atmosfera, o principal. Hoje sabemos que é exatamente o contrário. Que o oxigênio que respiramos vem das plantas, que nós não temos gases tóxicos na atmosfera por causa de inúmeros organismos que os filtram e que os ciclos das águas doce e salgada dependem diretamente da vegetação.

Hoje sabemos que, num processo sofisticadíssimo, que ocorre em nanoescala e no plano molecular, a fotossíntese é a principal responsável pela estabilidade climática do planeta Terra. A fotossíntese capta a energia solar e, através de reações químicas, libera oxigênio na atmosfera. Foi essa liberação que moldou a vida no planeta ao longo de seus 4 bilhões de anos. Nesse período, concentração de gás carbônico em nossa atmosfera passou de 95% para 0,039%. Para onde foi todo esse CO2? O que aconteceu nesse tempo?

Sem um poderoso mecanismo de regulação, teria sido impossível que a Terra hoje tivesse água líquida e que sua temperatura mantivesse uma variação desprezível em termos cosmológicos. Isso é uma raridade. A única explicação para esse fenômeno, hoje demonstrada, é a vida. Todos os organismos vivos têm um sistema sofisticado de equilíbrio. Se fora esquenta, eles esfriam; e vice versa. Esse sistema só a vida tem. Nada mais. E as florestas exercem nele um papel decisivo. Elas são o maior órgão terrestre de regulação. Elas têm mecanismos altamente complexos, que outros sistemas humanos, como a agricultura, não são capazes de emular.

Dito isto, olhe o mapa mundi. Nele, sempre numa faixa a 30 graus de latitude, estão os desertos. O Saara, o Sonoma, o Kalahari, o Atacama, os da Namíbia e da Austrália. Todos estão nessa mesma faixa de 30 graus. Por quê? Esse fato deve-se a um fenômeno chamado Circulação de Hadley. A parte equatorial do planeta recebe maior radiação solar, é mais quente, evapora muita água e provoca chuvas. Essas chuvas criam a seguinte circulação do ar: ele sobe na faixa do equador, perde umidade e chove. Quando desce na faixa dos 30 graus, já seco, ele consome a umidade da superfície e forma os desertos. Só há duas exceções a essa regra: o sul da China, região próxima ao Himalaia, e a fatia meridional da América do Sul.

Radiador verde

A América do Sul é diferente por dois fatores: os Andes e a floresta Amazônica. O ar, que nas zonas equatoriais sempre corre de leste para oeste, encontra a barreira andina, um paredão de 6 mil metros de altura. Ela impede que o vapor d’água vindo do Atlântico siga em frente. O ar úmido, então, faz uma curva para sudeste e, no verãovai despejando sua umidade sobre essas regiões – que, sem os Andes, seriam desérticas e sem vida econômica.

A floresta, o segundo fator, é ainda mais importante. Esse vento só consegue viajar por quase 5 mil quilômetros sobre a América do Sul, com umidade suficiente para formar nuvens e chuvas, porque as árvores da Amazônia recebem suas águas, sob a forma de chuvas, mas devolvem a maior parte à atmosfera através da transpiração. A Amazônia transpira 20 bilhões de toneladas de água por dia. É muita coisa. O Amazonas, o maior rio da Terra e responsável, sozinho, por 20% de toda água doce que chega aos oceanos, lança 17 bilhões de toneladas diárias de água no Atlântico.

É esse vapor criado pela floresta que acentua e prolonga a circulação úmida na America do Sul. A floresta funciona como um evaporador otimizado, pois suas folhas formam uma área de evaporação muito maior que a da própria superfície no solo. São 10 metros quadrados de folhas para cada metro quadrado de solo. Elas atuam como um radiador na dispersão da umidade. Além disso, essa massa de ar vinda do oceano não conseguiria manter sua umidade do Atlântico aos Andes e mais adiante sem o auxílio da floresta e de sua transpiração.

Se a Amazônia fosse uma região inteiramente agrícola, a massa de ar entraria no continente e choveria. Como não haveria vegetação densa o suficiente, pois o solo agrícola é mais ralo e exposto, essa água não voltaria para a atmosfera. Ela seria absorvida pela terra ou cairia nos rios, voltando ao Atlântico. Os ventos ficariam cada vez mais secos para dentro do continente, choveria cada vez menos e ocorreria a desertificação no interior.

A zona de impacto

A influência dessa transpiração da floresta, combinada à presença dos Andes, se manifesta no quadrilátero entre Cuiabá, São Paulo, Buenos Aires e os Andes. Sem a Amazônia, é muito provável que essa região, responsável por 70% do PIB da América do Sul, se transforme num deserto.

Mas isso não ocorreria de imediato. O primeiro efeito do desmatamento é um desequilíbrio que provoca o excesso alternado de chuvas e de secas. Isso já está acontecendo. Santa Catarina é um bom exemplo. No vale do Itajaí, chuvas mataram pessoas afogadas ou soterradas. Ao mesmo tempo, o oeste do estado experimentava uma seca brutal. A região noroeste do Rio Grande do Sul e o pampa úmido argentino, duas regiões agrícolas riquíssimas, já enfrentam quebras em sua produção. A falta de equilíbrio no sistema regulador está na origem da atual crise agrícola argentina. O país enfrenta uma seca incomum, que levou à falta de água em suas usinas hidroelétricas e, como conseqüência, à escassez de energia.

Se para a América do Sul a Amazônia é um coração que faz circular a umidade, para o mundo ela é um coração e também um fígado, pois processa e limpa o ar da atmosfera numa escala planetária. Estudos mostram que a floresta absorve uma parte considerável dos abusos que estão na origem do aquecimento global. A Amazônia é uma espécie de seguro da humanidade contra esses abusos, mas não é usada como tal.

O agro-autismo

Nossa agricultura é autista. Não é capaz de interagir socialmente. É como um autista savant, aquele que consegue desenvolver extraordinariamente uma única capacidade – mas tem todas as demais comprometidas. São os campos de soja deslumbrantes alcançados à custa de todo o equilíbrio biológico circundante. Nosso sistema estimula esse autismo; dá vitamina para ele. Explorar economicamente é o que interessa. O resto é obstáculo.

O Blairo Maggi (governador de Mato Grosso e um dos maiores produtores de soja do mundo) certa vez disse: “As pessoas precisam decidir se querem comida ou árvores”. Esse dilema é falso, pois, sem árvores, você não tem água, e, sem água, não tem comida. Cabeças assim acham que a floresta só ocupa espaço. Pura ignorância. Um tumor não sabe que é um tumor - e certa mentalidade do agronegócio no Brasil é um tumor que precisa ser removido. Economia e ecologia não são duas coisas diferentes. É preciso esclarecer que, se a floresta for desmatada, todo um gigantesco e delicadíssimo sistema de equilíbrio desmoronará e, com ele, a atividade econômica. Os brasileiros têm de saber que, se a água acabar na floresta, ela logo acabará também em outros lugares, como São Paulo ou Buenos Aires. Esse é papel da ciência, do qual não podemos abdicar.

A biomimética

A ecologia é a economia da natureza. Seus princípios e possibilidades tecnológicas podem impulsionar incrivelmente a economia humana. A Amazônia abriga um dos maiores mananciais de alta tecnologia jamais concebidos. No primeiro mundo há uma nova fronteira da engenharia chamada biomimética. Ela procura se inspirar nos processos naturais, a fim de copiá-los e implementá-los em soluções industriais. A natureza tem soluções tecnológicas incrivelmente sofisticadas. Um estudo da asa da borboleta Morfo, aquela grandona, azul-metálico iridiscente, descobriu que ela tem um cristal, chamado fotônico, que manipula a luz e a intensifica. Esse cristal é um amplificador ótico, hoje usado em fibras óticas para melhorar a transmissão de dados. A indústria automobilística pesquisa o revestimento das folhas de árvores para criar novas tintas que tornem os carros autolimpantes. Se na asa de uma borboleta há um sistema que vale bilhões de dólares, imagine então na floresta Amazônica inteira. A Nasa, a GE, a Boeing e muitas outras empresas já estão contratando a consultoria de biólogos para se apropriar desses conhecimentos. Quando desmatamos a Amazônia, não queimamos árvores, mas sim uma biblioteca viva e quase infinita de altíssima tecnologia.

O imobilismo

Quando os governos se vêem diante de um grave perigo, eles atuam com extrema rapidez. Quando os japoneses atacaram Pearl Harbour, os Estados Unidos entraram na guerra imediatamente. Quando a organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) espalhou a violência em São Paulo, o governo paulista colocou toda a polícia nas ruas. Quando a atual crise mundial eclodiu, no final do ano passado, uma semana depois uma série de medidas já estavam sendo tomadas para enfrentá-la. O estresse causado ao sistema climático terrestre é muito mais devastador e, no entanto, não gera respostas práticas. Se cerca de 15 bilhões de dólares fossem investidos anualmente nos agricultores, para que eles conservassem os biomas, em vez de destruí-los, todas as florestas tropicais do mundo poderiam ser salvas. Ao invés de desmatar, esses agricultores estariam prestando serviços ambientais, e recebendo por eles. Zerar o desmatamento da Amazônia, hoje, significaria reduzir em 20% todas as emissões humanas de gás carbônico. Isso teria um valor imenso no mercado de cotas de carbono que vem sendo discutido internacionalmente. Mas nada acontece, e o tempo continua correndo. O chamado Relatório Stern (coordenado pelo economista inglês Nicholas Stern, ex-vice-presidente do Banco Mundial) recomenda que 2% do PIB mundial sejam investidos em medidas contra o aquecimento. Se isso não for feito agora, diz o estudo, e a destruição seguir nesse ritmo, em 2020 serão necessários 30% desse mesmo PIB para que os danos possam ser revertidos. Como nenhuma medida é tomada, estamos numa situação pior que a dos passageiros do Titanic. Estamos navegando a toda velocidade na escuridão; só que num barquinho bem mais frágil, com a proa apontada diretamente para o iceberg.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

A Amazônia não está à venda

Celso Amorim, Sergio Rezende e Marina Silva

Os que se preocupam com o clima do planeta deveriam se dedicar a influenciar seus governos. Da Amazônia nós estamos cuidando


COM FREQÜÊNCIA vemos circularem notícias sobre interesses de pessoas, entidades ou mesmo governos estrangeiros com relação à região amazônica. Recentemente, surgiram no exterior iniciativas com o objetivo de adquirir terras na Amazônia para fins de conservação ambiental ligadas à preocupação com o fenômeno da mudança do clima e ao possível papel do desmatamento nesse processo.


São propostas que desconhecem a realidade da floresta amazônica. Ignoram também importantes dados científicos.


A mudança do clima é um problema real ao qual o Brasil atribui grande importância. Há consenso mundial de que o fenômeno está sendo acelerado pela ação humana. É um processo cumulativo, resultado da concentração progressiva de gases de efeito estufa na atmosfera nos últimos 150 anos. Assim, focar a atenção especialmente nas atuais emissões é errado e injusto. Alguns dos atuais emissores -sobretudo os países emergentes- têm pouca ou nenhuma responsabilidade pelo aquecimento global, cujos efeitos começamos a sentir.


A causa principal da mudança do clima é conhecida: pelo menos 80% do problema tem origem na queima de combustíveis fósseis -especialmente carvão e petróleo- a partir de meados do século 19. Apenas pequena parcela resulta das mudanças no uso da terra, incluindo o desmatamento.


O desmatamento atual em escala global é preocupante por várias razões, mas o foco do combate à mudança do clima deve ser a alteração da matriz energética e o uso mais intensivo de energias limpas. A Convenção do Clima e seu Protocolo de Kyoto são claros: àqueles que causaram o problema (os países industrializados) cabem metas mandatórias de reduções e a obrigação de agir primeiro.


Embora não tenha metas mandatórias de redução por pouco ter contribuído para o problema, o Brasil está fazendo sua parte. Possuímos uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Nossos programas de biocombustível são exemplo para outros países. Contribuímos, dessa forma, para o desenvolvimento sustentável da sociedade brasileira e para a redução global das emissões de gases de efeito estufa.


O Brasil está, ainda, implementando uma política integrada de combate ao desmatamento. Trata-se de esforço multissetorial e de longo prazo, com ações de valorização da floresta em pé e de apoio ao desenvolvimento socioeconômico das comunidades que dela dependem.


Nos últimos anos, conseguimos importante redução das taxas de desmatamento. Em 2004-2005, a redução confirmada foi de 32%, ao que se somam, segundo dados preliminares, mais 11% no período 2005-2006. São resultados significativos, mas os esforços para uma redução permanente do desmatamento devem continuar.


O manejo sustentável de florestas é, em todo o mundo, um campo propício à cooperação, por meio do intercâmbio de experiências e do auxílio na capacitação técnica. Estamos abertos a essa cooperação, sempre no estrito respeito às nossas leis e à nossa soberania.


O Brasil participa ativamente dos debates internacionais sobre florestas. No âmbito da Convenção do Clima, apresentaremos, em novembro próximo, na Conferência de Nairóbi, proposta que visa promover incentivos aos esforços nacionais voluntários de redução das taxas de desmatamento. Acreditamos que essa é uma forma adequada de os países desenvolvidos apoiarem a conservação das florestas tropicais.


A proposta é mais uma contribuição do Brasil para o esforço comum de redução global de emissões de gases de efeito estufa. A sociedade brasileira não aceita mais os padrões insustentáveis de desenvolvimento que levaram, em todo o mundo, a perdas ambientais irreparáveis. O Brasil espera que os países industrializados, responsáveis pelo problema, cumpram suas obrigações de redução de emissões.


Aqueles indivíduos bem-intencionados que, com razão, se preocupam com o clima do planeta deveriam dedicar-se a influenciar seus próprios governos no sentido da mudança de padrões insustentáveis de produção e consumo e da utilização de energias renováveis. Nessa área, o Brasil tem muito a oferecer em conhecimento e tecnologia.


Da Amazônia nós estamos cuidando de acordo com modelos de desenvolvimento baseados em princípios de sustentabilidade definidos pela sociedade brasileira. A Amazônia é um patrimônio do povo brasileiro, e não está à venda.


CELSO AMORIM, 64, diplomata, doutor em ciências políticas pela London School of Economics (Inglaterra), é o ministro das Relações Exteriores. SERGIO MACHADO REZENDE, doutor em física pelo MIT (EUA), é o ministro da Ciência e Tecnologia. MARINA SILVA, 48, historiadora, senadora pelo PT-AC, é a ministra do Meio Ambiente.

sábado, 12 de setembro de 2009

Cientista propõe “jardinagem” para recuperar florestas

2009-09-09 - 19:42:53

Uma das responsáveis pelo Santuário Botânico Guruluka (GBS), na Índia, a cientista indiana Suprabha Seshan acredita que técnicas simples, como a jardinagem, podem ser capazes de recuperar áreas destruídas pela ação do homem.

Por Mário Bentes e Daniel Jordano

Uma atividade simples como a jardinagem pode ser muito eficaz para a recuperação de áreas de floresta devastadas pela ação do homem. É o que afirma e mostra a cientista e ambientalista indiana Suprabha Seshan, que esteve nesta quarta-feira (9) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, onde realizou uma palestra aberta ao público.

“Existe uma força na natureza e na terra, uma força curativa, uma força que os jardineiros aproveitam em seu trabalho. Nós sugerimos que a jardinagem, uma atividade relativamente simples e sem status, é um modo através do qual seres humanos podem participar na restauração e cura de paisagens torturadas e devastadas”, afirmou a cientista, logo no início da apresentação.

Seshan é uma das responsáveis pelo Santuário Botânico Guruluka (GBS), na Índia, que existe oficialmente desde 1981. Hoje tida como um tipo de reserva ambiental de uso comum, o espaço já foi uma grande área degrada em função do desmate ilegal e de intervenções mal-implementadas, como assentamentos e hidrelétricas, mas que vem sendo recuperado ao longo dos últimos 40 anos, a partir da iniciativa de um pequeno grupo de mulheres.

Segundo a cientista-ambientalista, o espaço que hoje corresponde ao GBS fica situado em regiões montanhosas da Índia conhecidas como “ghats”, que se estendem por mais de mil quilômetros e podem atingir 2,6 mil metros de altitude. “Estas áreas guardam pelo menos cinco mil espécies de plantas e outras mil de musgos e samambaias”, afirma Seshan, lembrando que boa parte da flora do local é endêmica.

Jardinagem e recuperação

O trabalho de recuperação, chamado de Green Phoenix (“Fênix Verde”), é feito basicamente a partir do replantio e conservação de espécies nativas de plantas nas áreas devastadas, mas compreende ainda um grande esforço de conscientização das populações nativas no sentido de que se compreenda a importância da conservação da biodiversidade como forma de manter o equilíbrio entre homem e meio ambiente.

A iniciativa atrai a cada ano mais adeptos, e está se estendendo a outras regiões da Índia que passaram por processos semelhantes de degradação. Suprabha Seshan estima que pelo menos 50 mil pessoas já conheceram de perto o Santuário Botânico de Guruluka.

“Além do trabalho de recuperação propriamente dito, o projeto conta ainda com a colaboração de pesquisadores e cientistas, que passaram a se interessar pela iniciativa a partir dos resultados obtidos”, afirma. Em 2006, o GBS recebeu o Whitley Award, um dos mais prêmios mais prestigiados do Reino Unido.

Hoje o projeto dispõe de um tipo de centro de capacitação e formação, instalado no próprio GBS, onde pessoas de todas as partes da Índia estão recebendo instruções para implementar o Green Phoenix.

“Já há muitos grupos na Índia que trabalham com essa abordagem. A mudança não é apenas na área do Santuário, mas há uma multiplicação em vários grupos com essa mesma preocupação, a de resgatar espécies ameaçadas”, declarou.

Consumo, sustentabilidade e o “American Way of Life

Questionada a respeito da ideia de sustentabilidade, onde aspectos de desenvolvimento econômico seriam implementados tendo em vista o lado ambiental, a especialista é categórica: “Não é possível manter a sustentabilidade se as pessoas quiserem ter o padrão de consumo semelhante ao norte-americano. Na Índia, onde vivem um bilhão de pessoas, não é possível. Temos de mudar os conceitos”, alertou.

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