domingo, 4 de outubro de 2015



Andrzej Krauze
 "Pense no que mudaria se valorizássemos a água terrestre, tanto quanto valorizamos a possibilidade de água em Marte." Fotografia: Andrzej Krauze

Pode haver água fluindo em Marte. Mas será que existe vida inteligente na Terra?






Evidência para a água fluindo em Marte: isso abre a possibilidade de vida, de maravilhas, que nem podemos começar a imaginar. Sua descoberta é uma realização surpreendente. Enquanto isso, os cientistas marcianos continuam sua busca por vida inteligente na Terra.

Podemos ser cativados pelo pensamento de organismos em outro planeta, mas parecemos ter perdido interesse em nossa próprio. O Dicionário Oxford para crianças está extirpando palavras marcantes do mundo vivo. Somadores, amoras, jacintos, azevinho, peixinhos, lontras, prímulas, tordos, doninhas e carriças são agora consideradas palavras excedentes.

Nas últimas quatro décadas, o mundo perdeu 50% de sua fauna de vertebrados. Mas em toda a segunda metade deste período, tem havido um declínio acentuado na cobertura da mídia. Em 2014, de acordo com um estudo da Universidade de Cardiff, havia tantas notícias difundidas pela BBC e ITV sobre Madeleine McCann (menina que desapareceu em Portugal em 2007) como havia sobre toda a gama de questões ambientais.

Pense o que mudaria se valorizássemos a água terrestre tanto quanto valorizamos a possibilidade de haver água em Marte. Apenas 3% da água do nosso planeta é doce; da qual, dois terços é congelada. Ainda assim, emporcalhamos a porção acessível. Sessenta por cento da água utilizada na agricultura é desnecessariamente perdida por uma irrigação descuidada. Rios, lagos e aqüíferos são sugados até secarem, enquanto a água que resta é muitas vezes tão contaminada que ameaça a vida de quem a bebe. No Reino Unido, a demanda doméstica é tal que o curso superior de muitos rios desaparece durante o verão. No entanto, ainda instalamos chuveiros e primitivos banheiros antigos que jorram como cachoeiras.

Quanto à água salgada, do tipo que tanto nos fascina como aquela aparentemente detectada em Marte, na Terra expressamos nossa apreciação com um frenesi de destruição. Um novo relatório sugere que o número de peixes [nos oceanos] diminuiu para metade desde 1970. A tuna de barbatana azul do pacifico, que já habitou os mares em incontáveis ​​milhões, foi reduzida para uma população estimada em 40.000, e continuam sendo perseguida Os recifes de coral estão sob tamanha pressão que a maioria poderá ter desaparecido em 2050. E nos mares, em nosso próprio espaço profundo, o desejo de capturar peixes exóticos rasga através de um mundo menos conhecido do que a superfície do planeta vermelho. Os arrastões operam agora em profundidades de 2.000 metros. Nós só podemos imaginar o que eles podem estar destruindo. 

Poucas horas antes da descoberta marciana ser anunciada, a Shell encerrou sua prospecção de petróleo do Ártico. Para os acionistas da empresa, é um desastre menor: uma perda de US $ 4 bilhões; para aqueles que amam o planeta e a vida que ele sustenta, é um golpe de grande fortuna. Mas aconteceu apenas porque a empresa não conseguiu encontrar reservas suficientes.  Se a Shell tivesse sucedido, ela teria exposto um dos lugares mais vulneráveis ​​da Terra a derramamentos, que são quase inevitáveis, em local onde a contenção é quase impossível. Será que estamos deixando tais assuntos para o acaso? 

 No início de setembro, duas semanas depois de ter concedido permissão para a Shell perfurar no mar de Chukchi, Barack Obama viajou para o Alasca para avisar os americanos sobre os efeitos devastadores que a mudança climática causada pela queima de combustíveis fósseis poderia catalisar no Ártico. "Não é suficiente apenas falar por falar", disse-lhes. "Nós temos que trilhar nossa caminhada." Nós devemos "abraçar a ingenuidade humana que pode fazer algo sobre essa situação". A ingenuidade humana está em abundante exibição na Nasa, que divulgou imagens surpreendentes. Mas não quando se trata de política.

Deixar o mercado decidir: esta é a maneira pela qual os governos procuram resolver destruição planetária. Deixe isso para a consciência dos consumidores, mas a consciência está muda e confusa com propaganda e mentiras das corporações. Em um quase vácuo de informação, somos cada um deixado a decidir o que devemos tirar de outras espécies e de outras pessoas, o que devemos abocanhar para nós mesmos ou deixar para as gerações seguintes. Certamente existem alguns recursos e alguns lugares - como o Ártico e o mar profundo - cuja exploração deveria simplesmente parar?

Toda essa perfuração, escavação, arrastão, descarga e envenenamento - o que é tudo isso, afinal? Será que tais atividades enriquecem a experiência humana, ou a sufoca? Um par de semanas atrás eu lancei o #extremecivilisation hashtag, e pedi sugestões. Elas vieram em inundação. Aqui estão apenas alguns dos produtos encontrados por meus correspondentes. Todos eles, tanto quanto eu possa dizer, são reais. 

Uma bandeja de ovos para seu refrigerador que se sincroniza com o seu telefone para que você saiba quantos ovos sobram. Uma maquineta para misturar os ovos - ainda dentro de suas cascas. Perucas para bebês, para permitir que "os bebes meninas com pouco ou nenhum cabelo tenham a oportunidade de ter um belo e realista estilo de penteado." O iPotty, que permite crianças a continuar jogando em seus iPads durante o treinamento higiênico. Uma cabana à prova de aranha de £2.000. Uma sauna de neve, à venda nos Emirados Árabes Unidos, no qual você pode criar um paraíso de inverno com o apertar de um botão. Um container de melancia refrigerado sobre rodas: indispensável ​​para piqueniques - ou talvez não, porque pesa mais do que o melão. Creme de branqueamento anal, para ... para ser honesto, eu não quero saber. Um "girador de corda automático para relógio" que poupa o incômodo de dar corda na sua doçura-de-pulso de luxo. Um smartphone para cães, com o qual eles podem tirar fotos de si mesmos. Bananas pré-descascada-, em bandejas de poliestireno cobertas de filme plástico; tens apenas que descascar a embalagem. 

Todos os anos, novas maneiras inteligentes de desperdiçar coisas são concebidas, e todos os anos nos tornamos mais acostumados com o consumo inútil de recursos preciosos do mundo. Com cada intensificação sutil, a linha de base da normalidade se desloca. Não deveria ser surpreendente descobrir que quanto mais rico um país se torna, menos suas pessoas se preocupam com seus impactos sobre o planeta vivo.

Nossa alienação do mundo de maravilhas, dentro do qual evoluímos, tem-se intensificado desde que David Bowie descreveu uma menina caindo dentro de um "sonho profundo", em sua maneira de ser "presa pela tela de prata", onde uma longa série de distrações a desviam das grandes questões da vida. A canção, é claro, era Vida em Marte.