Dias de céu azul, sol forte e temperatura elevada são comumente
percebidos como “tempo bom”, pelo menos em locais onde a chuva é abundante.
Será?
Experiência rara, o Sudeste do Brasil experimentou nesse verão de 2014
período de estiagem prolongado e calor extremo, gerando uma das mais severas
anomalias climáticas registrada na região desde o início dos registros
instrumentais, em meados do século passado. Esta se deveu ao estabelecimento de
uma intensa, persistente e anômala área de alta pressão atmosférica nos altos
níveis da atmosfera sobre o oceano Atlântico, nas proximidades da região
Sudeste. O ar mais “pesado” inibiu o levantamento do ar desde a superfície,
necessário para a formação das nuvens de chuva. Assim, o descenso do ar mais
denso desde os altos níveis da atmosfera ocasionou a dissipação da nebulosidade
e o aumento da insolação solar, que por sua vez provocou um aumento progressivo
das temperaturas.
Ocorre que esse tipo de situação é uma feição climatológica de
inverno, quando observamos os dias característicos de céu azul, mas nos quais o
sol se encontra baixo no horizonte resultando em impacto moderado na temperatura.
Já no caso presente, a circulação típica de inverno encontrou o sol a pino,
resultando em excesso de radiação solar à superfície e pouca chuva.
Mas não estamos sós. Ingleses experimentam inundações generalizadas.
Norte-americanos enfrentam ondas de frio polar. Australianos convivem com
intensa onda de calor; ao mesmo tempo! Coincidência, diriam uns. Orquestração
da natureza contra os abusos humanos em relação ao planeta, diriam outros.
O fato é que, gostando ou não, a frequência, intensidade e
simultaneidade de eventos climáticos extremos vêm aumentando década após década
mundialmente e no Brasil. E é justamente o despreparo para tal nova conjuntura
do sistema climático global que nos aponta o relatório do pesquisador inglês
sir Nicholas Stern como a maior e mais premente ameaça relacionada às mudanças
ambientais globais.
No passado não muito distante, poderíamos encolher os ombros,
escondendo-nos na desculpa de que “nós não sabíamos”. Hoje, não mais.
Sabemos que as alterações da composição atmosférica induzidas pelo
consumo de combustíveis fósseis e desflorestamento tropical em grande escala
são em parte responsáveis pelo aumento de eventos climáticos extremos.
Sabemos também que tais eventos, como os desse verão, constituem
somente o tira-gosto de uma nova realidade do clima que se avizinha. Ao mesmo
tempo, também aprendemos a partir de pesquisas minuciosas das relações entre as
florestas tropicais do Brasil e a atmosfera que as árvores fazem parte do processo
de geração de chuva, contribuindo para a estabilização do clima.
Assim, enquanto não podemos impedir os grandes movimentos da atmosfera
global, como esse que ocasionou o longo período de estiagem sobre o Sudeste do
Brasil, podemos e devemos manter os maciços florestais remanescentes não
somente na Amazônia, mas também e principalmente os cinturões verdes ao redor
das megacidades brasileiras. Com isso, não estaremos imunes aos extremos
climáticos futuros, mas teremos contribuído para atenuar seus efeitos em nossas
cidades.
PAULO NOBRE, 57, climatologista, é pesquisador
titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
MARCELO SELUCHI, 51, é pesquisador titular do
Centro Monitoramento de Alerta de Desastres Naturais, ligado ao Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação