quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Marina Silva e Eduardo Campos geram fato novo

Análise
08 outubro, 2013
Sérgio Abranches

Surpresa, ousadia e movimentos que somam, em lugar de dividir, têm alto impacto na política. A maneira como Marina Silva respondeu à impugnação da Rede Sustentabilidade pelo TSE, e Eduardo Campos recebeu sua iniciativa, foi de alto impacto. Transformou-se imediatamente em um fato político com forte repercussão na mídia e na política.

Hoje os jornais estão cheios de reações e declarações de todas as lideranças relevantes, de todos os campos, de Lula e Dilma, de Aécio a Roberto Freire, só para mencionar as mais óbvias. Todos os analistas estão acompanhando com lupa os eventos e as reações, para tentar captar sinais que permitam antecipar os movimentos futuros com impacto político-eleitoral.

A decisão mexeu em todo o tabuleiro político-eleitoral, alterou os cálculos de todos os agentes e remexeu as expectativas em relação às possíveis chapas e coligações na disputa de 2014.

O tema da sustentabilidade entra na agenda eleitoral com esse movimento de Marina e Eduardo Campos, como desafio para eles mesmos e para os demais concorrentes na eleição. A maior novidade não é o gesto de Marina Silva, certamente singular na história política recente do país. A maior novidade é estar em negociação uma coligação programática, baseada em uma carta de princípios e na hospedagem amistosa de uma força política em um partido consolidado. Há precedentes históricos para esse tipo de recepção de uma força política autônoma por um partido político. A negociação programática de uma coligação eleitoral não tem precedentes.

Na segunda república, de 1945-1964, o PTB abrigou várias forças proscritas, sobretudo ligadas ao partido comunista, sem lhes cobrar adesão a seu programa. O MDB, durante a ditadura militar, de 1964 a 1984, abrigou várias forças políticas banidas que, depois da redemocratização, se constituiriam em partidos independentes.

Se as negociações para formação desta coligação derem certo, vai se criar um exemplo muito importante para a dinâmica do presidencialismo de coalizão no Brasil. Criei esse conceito, de presidencialismo de coalizão, para explicar as peculiaridades do presidencialismo brasileiro, no qual o(a) presidente raramente consegue fazer a maioria no Congresso para seu partido, não tem condições de governabilidade ficando em minoria, e precisa negociar uma coalizão multipartidária para governar. Tenho dito que o problema deste modelo específico de governança presidencialista não é depender de uma coalizão. É a maneira pela qual as coalizões são negociadas, na base do toma-lá-cá, que cargos eu levo ou ofereço, quem financia minha campanha.

Uma coligação programática dá outra dimensão à aliança entre forças político-partidárias e reduz consideravelmente a corrupção eleitoral, particularmente se esse mesmo padrão for aplicado, posteriormente, em caso de vitória, na negociação da coalizão de governo. Quem terá a maioria no Congresso, só as eleições dirão. Somente após conhecido o resultado das eleições parlamentares, é possível saber as possibilidades de formação de uma coalizão majoritária para apoiar o governo.
Na Europa, todas as coalizões são programáticas e há várias delas no poder, muitas indo muito bem. No Reino Unido, para poder organizar um governo com maioria no parlamento, o líder conservador, David Cameron, teve que negociar uma agenda programática com Nick Clegg, o líder social-liberal, para formarem uma coalizão de governo. Na Alemanha, Angela Merkel governou em coalizão com o FDP. Seu partido democrata cristão, CDU tem uma aliança programática permanente com o CSU. O FDP não conseguiu representação no parlamento nas últimas eleições por causa da cláusula de barreira, não obteve 5% dos votos. Merkel terá que negociar nova coalizão, com os Verdes, bem mais à esquerda que o CDU/CSU, ou com a social democracia, SDP, o partido mais forte da oposição. Merkel já fez uma “grande coalizão” com o SDP, no início de seu governo. Foram negociados os pontos que a social democracia considerava essenciais para incorporar à agenda do governo que formariam. Agora vai ser a mesma coisa.

Essa forma de negociar coalizões só é estranha à política brasileira, com sua cultura clientelista e fisiológica. Marina Silva e Eduardo Campos estão se comprometendo a mostrar que existe a possibilidade de fazer como na Europa e ter uma negociação essencialmente programática.

A pauta da sustentabilidade passa a ter importância inclusive na mídia, principalmente na cobertura política, desde já, porque há óbvias e notórias diferenças entre o PSB e a Rede Sustentabilidade, que começam agora a negociar uma plataforma programática comum para as eleições de 2014. O processo de acomodação dos pontos principais da agenda da sustentabilidade que a Rede traz para essa discussão e os pontos já cristalizados do programa do PSB, será rico, complicado e vai gerar fatos políticos. O problema principal não é o que o PSB fazia antes da coligação, mas o que ele está disposto a fazer a partir da coalizão. O mesmo é verdade para a Rede, o problema não é sua identidade antes da decisão de Marina Silva, mas sua atitude como parte da coligação. Certamente não será fácil e haverá conflito. Resolver conflitos é a principal tarefa de lideranças políticas fortes. É um teste em várias dimensões, tanto para Marina Silva, quanto para Eduardo Campos: da disposição de formar alianças programáticas e não fisiológicas (pragmáticas todas acabam sendo e isso não é demérito); da capacidade das lideranças das duas forças de resolver conflitos; da habilidade dessas lideranças na negociação de pontos programáticos e não de interesses imediatos; da capacidade de distinguir o que é essencial, do que é acessório nesta negociação.

É uma oportunidade para a Rede pensar soluções que funcionem para promover o ajustamento entre o princípio da sustentabilidade e questões que são importantes na pauta do PSB e estão longe de serem sustentáveis. Uma área óbvia é a do agronegócio, do qual o PSB se aproximou. Há, claramente, um caminho sustentável para o agronegócio e que é bastante vantajoso do ponto de vista econômico e da competitividade. O governo tem um plano para isso, mas não sabe o que fazer com ele.
Essa discussão programática é uma oportunidade ímpar para o PSB modernizar sua agenda e seu programa. É, também, uma ocasião propícia para a Rede Sustentabilidade tratar com realismo e criatividade pontos que não fazem parte de seu programa. Para diversificar sua própria agenda, buscando caminhos que conciliem novos pontos programáticos com o princípio geral da sustentabilidade.

Há, novamente, precedentes na Europa, onde vários partidos socialistas, como o Trabalhista, no Reino Unido, e a Social Democracia Alemã, modernizaram seus programas, incluindo a sustentabilidade como questão central, que articula os outros pontos de seus programas. E partidos verdes, que incorporaram a seus programas temas que não pertenciam tradicionalmente ao ideário ambientalista.
Outra questão a examinar é a consequência eleitoral de uma chapa Eduardo Campos/Marina Silva. Li muitas análises dizendo que a redução do número de candidaturas – quando Marina deixou de se filiar a uma legenda para ser candidata e Serra decidiu ficar no PSDB – aumentaram as chances de vitória governista no primeiro turno. Não há rigorosamente base empírica, política ou lógica para essa conclusão. Só Fernando Henrique Cardoso, em situação muito especial, se elegeu no primeiro turno, na ainda curta, é verdade, história eleitoral da Terceira República: Collor disputou o segundo turno com Lula; Lula disputou o segundo turno, na primeira eleição com Serra e, na reeleição, com Alckmin; Dilma disputou o segundo turno com Serra. Por que agora, com três candidaturas competitivas pelo menos (Dilma, Aécio, Eduardo/Marina) seria diferente? O quadro econômico é instável. O quadro social tem dado seguidas demonstrações de insatisfação em vários campos. As candidaturas prováveis são competitivas. É um ambiente para eleições muito disputadas, não para vitórias em primeiro turno.