quarta-feira, 22 de maio de 2013

Porque o mundo enfrenta o caos quanto ao clima

5/05/2013 - 12h00
Martin Wolf

Na primeira semana de maio, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera supostamente ultrapassou as 400 partes por milhão pela primeira vez em 4,5 milhões de anos. E ela vai continuar crescendo à razão de duas partes por milhão a cada ano.

Se o rumo atual for mantido, terá chegado a 800 partes por milhão no final do século. Assim, toda a discussão sobre mitigar os riscos de uma mudança catastrófica no clima provou ser apenas retórica vazia.

A humanidade reagiu com um bocejo coletivo e decidiu permitir que o risco cresça. O professor Sir Brian Hoskins, do Imperial College, Londres, aponta que da última vez que tivemos concentração tão alta, "a média de temperatura mundial era três ou quatro graus mais alta que hoje. Não havia camada de gelo permanente na Groenlândia, o nível do mar era muito mais alto e o mundo era um lugar muito diferente, ainda que nem todas essas diferenças se relacionassem diretamente aos níveis de CO2".
A ressalva que ele faz é justa. Mesmo assim, o efeito estufa é ciência básica: explica por que o clima da Terra é mais agradável que o da Lua. Há efeitos de retroalimentação positivos, via, por exemplo, o volume de vapor de água presente na atmosfera. Para resumir, a humanidade está conduzindo uma experiência climática imensa, descontrolada e quase certamente irreversível. Além disso, se julgarmos com base na ciência básica e nas opiniões da vasta maioria dos cientistas qualificados, o risco de mudança calamitosa é grande.

O que torna a inação ainda mais notável é que temos ouvido muita histeria sobre as horríveis consequências que acumular dívida pública excessiva teria para os nossos filhos e netos. Mas tudo que está sendo legado são compromissos financeiros de certas pessoas a certas outras pessoas. Se o pior acontecer, teremos um calote. Algumas pessoas sofrerão. A vida seguirá adiante.
Já legar um planeta em caos climático é preocupação muito maior. Não existe outro lugar ao qual as pessoas possam fugir, e nem maneiras de devolver à situação original o sistema climático do planeta. Se a prudência deve ditar nossas visões sobre as finanças públicas, decerto também deveríamos permitir que as ditasse no caso de algo irreversível e muito mais custoso.
Por que estamos nos comportando dessa forma, então?

O primeiro e mais profundo motivo é que, da mesma forma como a civilização da antiga Roma foi construída sobre os escravos, a nossa foi construída sobre os combustíveis fósseis. O que aconteceu no começo do século 19 não foi uma "revolução industrial", mas uma "revolução da energia". Colocar carbono na atmosfera é o que fazemos.

Como argumentei em coluna anterior, o estilo de vida dos países de alta renda, com seu uso intensivo de energia, agora se expandiu ao resto do mundo. A convergência econômica entre os países emergentes e os de alta renda está ampliando a demanda por energia mais rápido que os ganhos de eficiência energética a estão reduzindo. Não só as emissões totais de CO2 estão subindo como as emissões per capita também estão em alta.  Essa última tendência é propelida em larga medida pela dependência da China quanto ao carvão como forma de gerar eletricidade.

Um segundo motivo é a oposição a quaisquer intervenções no livre mercado. Parte disso, sem dúvida, se relaciona a interesses econômicos estreitos. Mas não subestime o poder das ideias. Admitir que uma economia livre gera um grande custo externo mundial é admitir que a regulamentação governamental em larga escala tantas vezes proposta pelos odiados ambientalistas tem justificativa. Para muitos libertários ou liberais clássicos, a ideia em si é insuportável. Para eles, é muito mais fácil negar as provas científicas.

Um sintoma disso é a busca de pretextos. Aponta-se, por exemplo, que a temperatura mundial média não vem subindo recentemente, ainda que seja muito mais alta do que há um século. Mas já aconteceram períodos de queda de temperatura em meio a uma tendência de alta.
Um terceiro motivo pode ser a pressão de responder a crises imediatas, que consumiu quase toda a atenção das autoridades econômicas dos países de alta renda desde 2007.

Um quarto é a tocante confiança em que, caso o pior aconteça, a engenhosidade humana encontrará maneiras inteligentes de administrar os piores resultados da mudança do clima.

Um quinto é a complexidade de chegar a acordos mundiais efetivos e implementáveis sobre o controle de emissões, entre tantos países. Não surpreende que os acordos que terminam por ser obtidos ofereçam mais a aparência de ação que a realidade.

Um sexto é a indiferença quanto aos interesses de pessoas que nascerão em um futuro relativamente distante. Como diz a velha piada, "por que me incomodar com as futuras gerações? Elas não fizeram coisa alguma por mim".

Um motivo final (e correlato) é a necessidade de encontrar um equilíbrio justo entre os países pobres e os ricos e entre aqueles que emitiram a maior parte dos gases do efeito estufa no passado e aqueles que os emitirão no futuro.

Quanto mais refletimos sobre o desafio, mais impossível é vislumbrar medidas efetivas. Em lugar disso, observaremos a alta na concentração mundial dos gases mundiais do efeito estufa.
Se ela conduzir a um desastre, será tarde demais para fazer qualquer coisa a respeito.

De que maneira mudar de rumo, portanto? Minha posição, cada vez mais convicta, é que não faz sentido apresentar exigências morais. As pessoas não farão algo dessa escala por se preocuparem com os outros, mesmo os seus descendentes remotos. Na realidade, elas se preocupam demais consigo mesmas para que o façam.

A maioria das pessoas acredita, hoje, que uma economia com baixa emissão de carbono representaria privações universais. E jamais aceitarão tal situação. Isso vale tanto para as pessoas dos países ricos, que desejam manter o que já tem, quanto para o resto do mundo, que deseja desfrutar daquilo que as pessoas dos países ricos desfrutam.

Uma condição necessária, ainda que não suficiente, portanto, seria uma visão politicamente vendável de uma economia de baixas emissões de carbono e ainda assim próspera. Não é o que as pessoas estão vendo agora. Recursos substanciais precisam ser investidos em tecnologias capazes de produzir um futuro como esse de modo confiável.

Mas isso não é o bastante. Se uma oportunidade como essa parece mais crível, é preciso desenvolver instituições que possam concretizá-la.

No momento, nem as condições tecnológicas e nem as institucionais existem. Em sua ausência, não há vontade política para fazer qualquer coisa de concreto sobre o processo que comanda a nossa experiência climática. Sim, muito se fala e muito se lamenta. Mas, como seria de prever, não existe ação efetiva. Caso desejemos que isso mude, precisamos começar oferecendo um futuro muito melhor à humanidade. O medo de um horror distante não basta.
Tradução de PAULO MIGLIACCI