JOSÉ ELI DA VEIGA
É falso que o eleitorado de Marina Silva seja muito evangélico.
Menos de 15% de seus quase 20 milhões de votos no primeiro turno de 2010 foram
de evangélicos.
Tão somente um décimo do conjunto do eleitorado evangélico optou
por Marina, enquanto mais de um terço votou em Dilma, quase outro terço em
Serra e um sétimo invalidou o voto. Marina teve mais apoio nas minorias ateia e
espírita do que em qualquer das outras cinco divisões por crença.
Isso só surpreende quem ignora que o grosso do voto evangélico é
orientado por lideranças das mais pragmáticas. Sempre de olho em boquinhas no
governo seguinte, bispos e pastores mostram-se tarimbados pelegos ao negociar
com os favoritos ao segundo turno.
Em 2010, os calculistas Serra e Dilma violentaram suas próprias
convicções sobre causas libertárias e igualitárias para barganhar votos
evangélicos. Nada houve de fortuito, portanto, no fato de a atual base
governista ter feito o diabo para viabilizar o controle evangélico da Comissão
de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, pois o Ministério da Pesca é merreca
como retribuição ao forte apoio desse nicho com 22% do eleitorado total.
Se quase nada pode esperar dos evangélicos, qual será, então, a
base de apoio dessa Rede Sustentabilidade, partido político em formação que quer
reapresentar Marina em 2014? Difícil saber, pois é novidade bem similar a
tendências emergentes do tipo Partido del Futuro, na Espanha, ou Movimento 5
Stelle, na Itália, que refletem, de forma ainda muito confusa, o inevitável
esgotamento da social-democracia, bem sucedido fenômeno do século 20 no qual se
abrigam Dilma, Aécio e Campos.
Essa preponderância do projeto social-democrata se justifica
pela proeza histórica que realizou nas nações que mais avançaram. Tão intensa
foi a expansão da capacidade produtiva decorrente da simbiose entre movimentos
trabalhistas e projetos políticos semelhantes aos do PT, PSB e PSDB, que boa
parte dos seres humanos passou do reino da necessidade ao da afluência, com
educação, cultura, opções de vida e escolhas antes inimagináveis. O Estado de
bem-estar social foi a grande obra da social-democracia que não chegou a
beneficiar a maioria dos que vivem no Sul.
Mas agora há dois sérios obstáculos à continuidade desse
esquema. Estão obsoletos os arranjos que garantiram recordes de aumento da
produtividade, particularmente durante o quarto de século 1948-1973.
Além disso, tão retumbante sucesso passou a solapar os próprios
fundamentos biogeofísicos da prosperidade, o que traz muitas dúvidas sobre o
futuro do desenvolvimento humano. Além de exigir muita governança global, o
choque entre o agora fugaz crescimento econômico e a obrigação de maneirar seus
impactos sobre a biosfera demanda inédita simbiose entre movimentos sociais e
projetos políticos.
Daí ser reacionária, além de antidemocrática, qualquer atitude
que dificulte o nascimento daquilo que poderá ser equivalente neste século ao
que foi a social-democracia no século passado. Como conspurcar a memória dos 45
anos das gloriosas jornadas de maio de 1968 com a sinistra tentativa de
silenciar a voz da Rede mediante expediente casuístico que, se adotado, passará
à história do Brasil como o "soft" golpe de maio.
JOSÉ ELI DA VEIGA, 65, é professor titular da USP. Site: www.zeeli.pro.br
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