segunda-feira, 20 de maio de 2013

O "soft" golpe de maio

JOSÉ ELI DA VEIGA
Se quase nada pode esperar dos evangélicos, qual será a base de apoio dessa Rede Sustentabilidade, que quer reapresentar Marina Silva?

É falso que o eleitorado de Marina Silva seja muito evangélico. Menos de 15% de seus quase 20 milhões de votos no primeiro turno de 2010 foram de evangélicos.

Tão somente um décimo do conjunto do eleitorado evangélico optou por Marina, enquanto mais de um terço votou em Dilma, quase outro terço em Serra e um sétimo invalidou o voto. Marina teve mais apoio nas minorias ateia e espírita do que em qualquer das outras cinco divisões por crença.

Isso só surpreende quem ignora que o grosso do voto evangélico é orientado por lideranças das mais pragmáticas. Sempre de olho em boquinhas no governo seguinte, bispos e pastores mostram-se tarimbados pelegos ao negociar com os favoritos ao segundo turno.

Em 2010, os calculistas Serra e Dilma violentaram suas próprias convicções sobre causas libertárias e igualitárias para barganhar votos evangélicos. Nada houve de fortuito, portanto, no fato de a atual base governista ter feito o diabo para viabilizar o controle evangélico da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, pois o Ministério da Pesca é merreca como retribuição ao forte apoio desse nicho com 22% do eleitorado total.

Se quase nada pode esperar dos evangélicos, qual será, então, a base de apoio dessa Rede Sustentabilidade, partido político em formação que quer reapresentar Marina em 2014? Difícil saber, pois é novidade bem similar a tendências emergentes do tipo Partido del Futuro, na Espanha, ou Movimento 5 Stelle, na Itália, que refletem, de forma ainda muito confusa, o inevitável esgotamento da social-democracia, bem sucedido fenômeno do século 20 no qual se abrigam Dilma, Aécio e Campos.

Essa preponderância do projeto social-democrata se justifica pela proeza histórica que realizou nas nações que mais avançaram. Tão intensa foi a expansão da capacidade produtiva decorrente da simbiose entre movimentos trabalhistas e projetos políticos semelhantes aos do PT, PSB e PSDB, que boa parte dos seres humanos passou do reino da necessidade ao da afluência, com educação, cultura, opções de vida e escolhas antes inimagináveis. O Estado de bem-estar social foi a grande obra da social-democracia que não chegou a beneficiar a maioria dos que vivem no Sul.

Mas agora há dois sérios obstáculos à continuidade desse esquema. Estão obsoletos os arranjos que garantiram recordes de aumento da produtividade, particularmente durante o quarto de século 1948-1973.

Além disso, tão retumbante sucesso passou a solapar os próprios fundamentos biogeofísicos da prosperidade, o que traz muitas dúvidas sobre o futuro do desenvolvimento humano. Além de exigir muita governança global, o choque entre o agora fugaz crescimento econômico e a obrigação de maneirar seus impactos sobre a biosfera demanda inédita simbiose entre movimentos sociais e projetos políticos.

Daí ser reacionária, além de antidemocrática, qualquer atitude que dificulte o nascimento daquilo que poderá ser equivalente neste século ao que foi a social-democracia no século passado. Como conspurcar a memória dos 45 anos das gloriosas jornadas de maio de 1968 com a sinistra tentativa de silenciar a voz da Rede mediante expediente casuístico que, se adotado, passará à história do Brasil como o "soft" golpe de maio.

JOSÉ ELI DA VEIGA, 65, é professor titular da USP. Site: www.zeeli.pro.br


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