2/05/2013
-
14h35
Martin Wolf
A humanidade decidiu bocejar e deixar que os perigos reais e imediatos
das mudanças climáticas se acumulem. Foi esse o argumento que apresentei
em minha coluna da semana passada. Nada que apareceu nas respostas à
coluna enfraqueceu minha conclusão. Quando muito, as reações a
reforçaram.
Porque o mundo enfrenta o caos quanto ao clima
A julgar pela inação do mundo, os céticos climáticos já ganharam. Esse
fato torna ainda mais surpreendente o sentimento que eles manifestam de
terem queixas não atendidas. Para o restante de nós, a interrogação que
fica é se ainda há algo que possa ser feito, e, se sim, o que é.
Ao analisar esta questão, uma pessoa racional certamente deve reconhecer
o grau de consenso existente entre os cientistas climáticos quanto à
hipótese do aquecimento provocado pelo homem.
Uma análise dos resumos de 11.944 artigos científicos revistos por
pares, publicados entre 1991 e 2011 e redigidos por 29.083 autores,
conclui que 98,4% dos autores que adotaram uma posição confirmaram o
aquecimento global provocado pelo homem (antropogênico), 1,2% o
rejeitaram e 0,4% se disseram incertos. Análises alternativas dos dados
renderam proporções semelhantes.
Uma resposta possível consiste em insistir que todos esses cientistas se
equivocaram. Isso é concebível, é claro. Cientistas já se equivocaram
no passado. Mas rejeitar este ramo da ciência unicamente porque suas
conclusões são tão incômodas é irracional, embora seja compreensível.
Isto nos conduz a uma segunda linha de ataque: insistir que esses
cientistas foram corrompidos pelo dinheiro e a fama. A este argumento eu
respondo: será mesmo? É plausível que uma geração inteira de cientistas
tenha inventado e defendido um logro evidente para obter ganhos
materiais (modestos), ciente de que a fraude será descoberta?
É mais plausível que os cientistas que rejeitam a visão mais comum o
façam por justamente esses motivos, já que interesses poderosos se opõem
ao consenso climático, e os acadêmicos do lado deles (os céticos) do
debate são em número muito menor.
Infelizmente, por mais racional possa ser buscar reduzir o risco de
resultados catastróficos, não é isso o que está acontecendo agora, nem
parece provável que aconteça no futuro previsível.
Os dados sobre a queima de combustíveis fósseis desde meados do século
18 indicam um aumento regular nas emissões anuais de dióxido de carbono.
É verdade que esses dados apontam para uma desaceleração no aumento das
emissões anuais nas décadas de 1980 e 1990. Mas essa desaceleração foi
invertida na década de 2000, quando a queima de carvão pela China
aumentou (ver gráfico). Hoje, 30% do CO2 presente na atmosfera é
diretamente devido à humanidade.
O que está por trás desse crescimento recente nas emissões está muito
claro: o crescimento econômico de emparelhamento. A China foi
responsável por 24% das emissões globais totais em 2009, contra 17% dos
Estados Unidos e 8% da zona do euro. Mas cada chinês emite apenas um
terço do volume emitido por um americano e menos de 4/5 do que é emitido
por cada residente da zona do euro.
A China é uma economia emergente relativamente perdulária, em termos de
suas emissões por unidade de produção. Mesmo assim, ela emite menos per
capita que os países de alta renda, porque sua população ainda é
relativamente pobre. Seus líderes consideram, justificadamente, que não
existe razão moral para aceitarem um teto de emissões para cada
indivíduo chinês que seja muito mais baixo que o nível ao qual os
americanos consideram que têm direito.
À medida que os países emergentes se desenvolvem, as emissões per capita
vão tender a subir em direção aos níveis presentes nos países de alta
renda, com isso elevando a média global. É por essa razão que as
emissões globais per capita subiram 16% entre 2000 e 2009, período
marcado por crescimento acelerado nas economias emergentes.
Portanto, esqueça o discurso: não apenas os estoques de CO2 na
atmosfera, mas até mesmo os fluxos de CO2 estão piorando. Os céticos
convencidos de que o melhor a fazer é não fazer nada podem parar de
reclamar: eles já ganharam.
E como ficamos nós, os outros? As chances de que a humanidade alcance a
redução de emissões necessária para manter as concentrações de CO2
abaixo de 450 partes por milhão, com isso reduzindo em muito os riscos
de uma elevação superior a 2ºC na temperatura global, são de quase zero.
A redução de 25%-40% nas emissões dos países de alta renda até 2020,
que seria necessária para conduzir o mundo a esse caminho, não vai
acontecer.
Mas isso não quer dizer, de maneira alguma, que a inação deva continuar.
A não ser que se concretize o cenário mais apocalíptico, a humanidade
ainda pode reduzir as emissões e comprar tempo para sua sobrevivência. O
que fazer, então, nesta situação tenebrosa? Seguem oito possibilidades.
Primeira: implementar impostos de carbono. Cobrar impostos sobre coisas
negativas é sempre um bom começo. No contexto atual, as emissões de CO2
constituem uma coisa negativa.
Impostos são a maneira mais simples de deslocar incentivos. Como a
receita tributária beneficiaria cada governo, ela poderia ser utilizada
de modo pontual para reduzir outros impostos --sobre o emprego, por
exemplo. As complexas questões de distribuição global poderiam ser
ignoradas. Seria melhor se fosse possível os governos se comprometerem
com uma tabela tributária crescente de longo prazo, proporcionando a
investidores algum grau de previsibilidade do custo do carbono.
Segunda: optar pela energia nuclear. É graças a ela que a França é uma
economia que gera tão pouco carbono. É um modelo ao qual outros países
deveriam aderir, e não do qual deveriam fugir.
Terceira: impor padrões realmente rígidos de emissões a automóveis,
eletrodomésticos e outros tipos de máquinas. A inovação cresceria em
resposta a um misto de padrões de preços e regulamentação, como já
aconteceu tantas vezes no passado. Se não nos atrevermos a perguntar,
não saberemos do que as empresas são capazes em termos de inovação.
Quarta possibilidade: criar um regime global seguro de comércio de
combustíveis de carbono mais baixo. Essa seria uma maneira de persuadir a
China a afastar-se do consumo do carvão.
Quinta: desenvolver maneiras de financiar a transferência das melhores
tecnologias possível para a criação e, ainda mais importante, a economia
de energia em todo o planeta.
Sexta: deixar que os governos invistam em pesquisas e inovações em
estágio inicial, adotando um misto de financiamento de pesquisas
universitárias e apoio a parcerias público-privadas.
Sétima: investir na adaptação aos efeitos das mudanças climáticas. Este
ponto certamente terá que ser foco de assistência ao desenvolvimento no
futuro. Essa adaptação pode incluir deslocamentos populacionais em
grande escala.
Finalmente: estudar a geoengenharia --a manipulação em grande escala do
planeta para reverter as mudanças climáticas--, por mais tenebrosa essa
ideia possa ser.
Nada disso será o suficiente para eliminar os riscos de mudanças
climáticas gravemente adversas. Mas parece ser o melhor que podemos
fazer agora, em vista das pressões econômicas.
A tentativa de afastar nossas escolhas daquelas que agora estão
alimentando o crescimento constante das emissões fracassou. E vai
continuar a fracassar, por enquanto. As razões disso são profundamente
enraizadas. É provável que isso só mude diante da ameaça de mais
desastres iminentes, e, até isso acontecer, é muito possível que já seja
tarde demais. Trata-se de uma verdade deprimente, e é muito possível
que seja um fracasso que condene a todos nós.