sábado, 20 de novembro de 2010

México, ABC e endividamento

Nota do Blog: Pratini de Moarais, ministro da Agricultura no governo FHC, dizia que nenhuma arvore precisava tombar para aumentar a producao agricola Brasileira. Seu sucessor na pasta, autor do artigo abaixo, presidiu uma das epocas mais negras do desmatamento na Amazonia, no inicio do primeiro mandato do Lula. Lamentavelmente, com grande cinismo (veja um Globo Rural da epoca onde ele dizia que um "desmatamento bem feito - com trator e correntao" era algo correto a se fazer) ele dava poderosos estimulos aos desmatadores, argumentado que era preciso mais terra para o agronegocio.  Impressionante como potenciais barreiras comerciais a praticas destrutivas que este Sr defendeu  puderam mudar seu ponto de vista, agora colocado inocentemente como "fizemos a lição de casa"...

ROBERTO RODRIGUES

O Brasil faz a lição de casa contra o aquecimento ao dar exemplos de compromisso com a sustentabilidade
NOS PRIMEIROS dias de dezembro, o mundo volta a se encontrar na Cidade do México em busca do tempo perdido um ano atrás em Copenhague, quando não houve acordo sobre o combate ao aquecimento global na Conferência das Partes promovida pela ONU.
E já se especula sobre a possibilidade de os países ricos usarem esse tema como uma nova forma de protecionismo comercial, na linha "ou você emite menos CO2 ou não lhe compro nada".
Mesmo considerando que os ricos são os maiores emissores de gases de efeito estufa, essa hipótese não deixa de ser tentadora para eles, uma vez que sua competitividade, especialmente na agropecuária, vem sendo cada vez mais ameaçada pelos países tropicais, como o Brasil, onde as tecnologias agronômicas e zootécnicas são crescentemente sustentáveis.
O Brasil, aliás, vem fazendo sua lição de casa, dando exemplos claros de compromisso com a sustentabilidade. O Plano de Safra 2010/2011, lançado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, é muito significativo, com um alentado programa batizado de ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), caracterizado por três conjuntos de ação, com ênfase em alternativas tecnológicas para minimizar gases de efeito estufa, que, por sua vez, é composto por cinco programas: 1) recuperação de áreas degradadas, sobretudo de pastagens;
2) integração lavoura/pecuária/ floresta; 3) plantio direto na palha; 4) plantio de florestas; 5) substituição de fertilizantes químicos pela fixação biológica do nitrogênio no solo.
O volume de recursos disponibilizados para o programa é da ordem de R$ 2 bilhões, a juros de 5,5% ao ano, com 12 anos de prazo e três anos de carência.
Os números são ambiciosos: Recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas em dez anos; aumentar os atuais 2 milhões de hectares de integração lavoura/ pecuária/floresta para 4 milhões até 2020; aumentar 8 milhões de hectares de plantio direto até 2020, sobre os atuais 25 milhões; plantar mais 3 milhões de hectares de florestas; e substituir adubação nitrogenada por fixação biológica de nitrogênio em mais 5,5 milhões de hectares (hoje são 23 milhões, o correspondente a toda soja brasileira).
No total, seriam 166 milhões de toneladas de CO2 a menos! Um belo pacote. E não para por aí: há outras ações, como programas de regulação ambiental, melhoria de assistência técnica e extensão rural, tratamento dos resíduos animais, entre outros itens.
Mas pode ser feito muito mais. Um tema que merece ser discutido é o pagamento de dívidas de produtores rurais com serviços ambientais. O pesquisador da Embrapa Eduardo Assad tem feito alguns cálculos muito interessantes a respeito. Um exemplo notável pode ser entendido pelos números abaixo: de acordo com o Código Florestal vigente, um produtor rural em região de cerrado no centro-sul do país deve manter florestas em uma reserva legal de 20% de sua área. Sem entrar no mérito dessa exigência, sabe-se que no cerrado a média de estoque de carbono é de 40 toneladas por hectare. Ao valor médio de US$ 10 por tonelada, o estoque valeria US$ 400 por hectare. Em uma propriedade de 500 hectares, seria necessário manter uma reserva de 100 hectares, o que daria um estoque de 4.000 toneladas de carbono, ou US$ 40 mil (aproximadamente R$ 70 mil!). Se o produtor cultivasse os restantes 400 hectares com a tecnologia do plantio direto ou com a integração lavoura/pecuária/floresta, também estaria sequestrando carbono todos os anos. Mesmo que a área fosse de pastagem isso aconteceria. Ainda que os valores assim calculados não fossem muito significativos, seria absolutamente justo que eles fossem abatidos das dívidas do produtor. Isso ainda melhoraria as relações entre os produtores e os ambientalistas, uma vez que os primeiros estariam preservando valores pleiteados pelos segundos, e todos ficariam felizes. É preciso estudar bem o assunto para estabelecer regras tecnicamente irrefutáveis. Mas seria mais um avanço para mostrar ao mundo.


ROBERTO RODRIGUES, 67, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp -Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.