Antonio Donato Nobre
Vivendo no meio de climatologistas, fiquei surpreso com a certeza transmitida pelo artigo Seca não veio da Amazônia, na revista Época.
Vivendo no meio de climatologistas, fiquei surpreso com a certeza transmitida pelo artigo Seca não veio da Amazônia, na revista Época.
A
seca de 2014 não foi prevista por nenhum modelo climático. Depois disso, ao
longo do ano, o grupo de previsão climática, que reúne especialistas de varias
instituições, absteve-se de emitir previsões sobre a progressão da seca em
varias regiões do Brasil. Ao longo de 2014 todos climatologistas que conheço
declararam-se pasmos com essa seca fortíssima, e seu silencio no período
atesta. Não me parece razoável crer que as primeiras chuvas de fevereiro
irrigaram os modelos climáticos com uma capacidade que eles demonstraram não ter
até o final de janeiro.
Existem
nas observações do clima registros de secas fortes para o Sudeste. O que
surpreendeu e assustou em 2014, além da intensidade e duração sem precedentes,
foi o virtual desaparecimento da ZCAS (Zona de Convergência do Atlântico Sul).
Essa condição rendeu incapazes os modelos numéricos, até para previsões de
curto prazo. Por estas características inusitadas do fenômeno climático, vários
colegas cogitam tratar-se já das primeiras manifestações de mudanças climáticas
associadas ao aquecimento global.
A matéria da Época* passa uma imagem não acurada e sem base em artigos publicados, de que o que se passa no Sudeste não teria nada a ver com a Amazônia. Não sabemos ainda como os vários fatores interagiram para produzir a seca, mas mesmo que venham a demonstrar haver havido em 2014 apenas um impedimento meteorológico externo à propagação da umidade amazônica, ainda assim foi a umidade amazônica que não chegou.
A relação do suprimento de serviços ambientais da floresta amazônica com a sorte hidrológica de regiões a jusante dos rios aéreos de lá procedentes é cientificamente embasada e auto-evidente. O bom senso sugere todo cuidado com esse recurso.
*Assim
expressei para o repórter da Época:
“O fato
solido é que a umidade Amazônica -que usualmente alimenta a maior parte das
chuvas que caem no sudeste-, durante 2014 e janeiro ultimo não chegou aqui.
Sim, a falta da umidade Amazônica é um dos fatores principais que explicam a
seca. Porem, ainda não sabemos os números que explicam essa não propagação
dessa umidade Amazônica. O que se observou foi uma massa de ar quente e seco
que estacionou sobre a região sudeste, e que parece haver impedido tanto a
entrada das massas de ar úmido da Amazônia, quanto as mais secas frentes frias
que vem do sul do continente.”
Assim apareceu na matéria:
"Procurado por
ÉPOCA, Nobre endossou que o desmatamento lá é a principal razão para a falta de
chuvas cá."
Mencionei o desmatamento na minha afirmação?
Referencias
Arraut, J.M.,
Nobre, C., Barbosa, H.M.J., Obregon, G., Marengo, J., 2012. Aerial Rivers and
Lakes: Looking at
Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical
Rainfall in South America. J. Clim. 25, 543–556
Makarieva A.M.,
Gorshkov V.G., Sheil D., Nobre A.D., Bunyard P., Li B.-L. (2014) Why does air passage over forest yield
more rain? Examining the coupling between rainfall, pressure, and atmospheric
moisture content.
Journal of
Hydrometeorology, 15, 411-426.
Marengo, J.,
Soares, W., Saulo, C., Cima, M., 2004. Climatology of the low-level jet east of
the Andes as derived from
the NCEP-NCAR reanalyses: Characteristics and temporal variability. J. Clim.
17, 2261–2280.