terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Desenvolvimento sustentável planejado

O ESTADO DE S. PAULO - Terça-Feira, 09 de Fevereiro de 2010

Paulo R. Haddad*

Ao longo dos próximos meses deverá começar, no Brasil, a temporada de
elaboração dos planos de governo tanto dos candidatos à Presidência da
República quanto dos candidatos aos governos Estaduais. Se prevalecerem as
experiências passadas de contextos semelhantes, poderão ser produzidos
muitos documentos anódinos cujo conteúdo tenderá a ser definido a partir de
técnicas de marketing, sem levar em consideração os reais problemas e
desafios de desenvolvimento do País e dos Estados no próximo quadriênio.
Trata-se de documentos elaborados a partir de diretrizes gerais, escritas em
linguagem genérica e sonora, com compromissos difusos e amorfos dos
candidatos. São documentos que, no fundo, tendem a convergir para uma
equivalência fastidiosa de programas de governo que mais se assemelham a uma
espécie de sopa de palavras.

Ocorre que toda experiência bem-sucedida de planejamento é permeada,
destacadamente, por duas instâncias formais. Uma teleológica, em que se
delimitam finalidades, objetivos e metas a serem perseguidos; e uma
instância processual, em que se definem os procedimentos ou o conjunto de
etapas, de estágios e de módulos, de métodos a serem mobilizados tanto para
tornar real ou efetiva a instância teleológica quanto para retificá-la,
levando em consideração as próprias vicissitudes de sua implementação.

Nesse sentido, num Brasil pós-estabilidade macroeconômica bem-sucedida e
pós-intenso e frutífero ciclo de políticas sociais compensatórias, tudo
indica que um dos provérbios sedutores das novas propostas de governo deverá
focalizar as questões do desenvolvimento sustentável em todas as suas
dimensões setoriais (energia, transporte, etc.) e espaciais (metrópoles,
bacias hidrográficas, etc.).

Quando procura se distanciar de uma linguagem abstrata no nível da instância
teleológica, que tem sido utilizada para camuflar os conflitos implícitos em
propostas abstratas, começam a surgir os verdadeiros dilemas a serem
enfrentados. Nestes, emergem aqueles entre a aceleração da expansão
econômica e as regras fundamentais de sustentabilidade para o uso dos
recursos naturais renováveis e não renováveis nas fronteiras agrícola e
minerária, nas áreas desertificadas, nas metrópoles congestionadas, etc.

Usualmente, os candidatos apresentam como alternativa para enfrentar a
especificidade desses dilemas a adoção de uma postura pragmática para
equacioná-los no nível da instância processual. Contudo, ser pragmático
significa "adotar como critério de verdade a utilidade prática,
identificando o verdadeiro com o útil". Mas, desde que existem conflitos nas
ações finalísticas entre grupos e classes sociais, regiões ou setores
produtivos, etc., na implementação de um processo de desenvolvimento
sustentável, cabe a pergunta: útil para quem? Assim, o pragmatismo passa a
ser uma dúvida a mais no processo, e não um caminho para a solução dos
conflitos.

No nível das burocracias governamentais, as questões do meio ambiente no
Brasil têm sido tratadas dentro de uma estrutura administrativa que disputa
isoladamente os seus recursos humanos, financeiros e institucionais visando
a realizar sua missão institucional. Uma estrutura administrativa, contudo,
sem capacidade de coordenar transversalmente os programas estratégicos e
operacionais dos demais segmentos administrativos que têm poderosos - e
muitas vezes irreversíveis - rebatimentos sobre os ecossistemas regionais.

Operacionalmente, o que se propõe é considerar, num plano de governo, o meio
ambiente não só como um fator de produção a mais que apenas necessita ser
utilizado sustentavelmente sob a égide de uma política pública setorial. Mas
como um elemento pivotal, dentro da sexta onda de inovações da dinâmica
capitalista, que contém, provisiona e sustenta toda a economia no médio e no
longo prazos.

No curto prazo as propostas devem ser específicas também quanto ao que se
denomina a "macroeconomia da sustentabilidade". Esse novo olhar para a
macroeconomia de curto prazo implica, do lado da demanda agregada,
reorientar os investimentos públicos e privados para a segurança energética,
para infraestruturas de baixo carbono, proteção de valiosos ativos
ecológicos, etc. Do lado da oferta agregada devem-se utilizar os sistemas
fiscais e financeiros para estimular intensamente a produtividade dos
recursos naturais (matérias, energias), visando a atenuar a exaustão desses
recursos numa ponta da cadeia de valor e os níveis de poluição na outra
ponta.

*Paulo R. Haddad, professor do IBMEC/MG, foi ministro do Planejamento e da
Fazenda no governo Itamar Franco