domingo, 4 de outubro de 2015



Andrzej Krauze
 "Pense no que mudaria se valorizássemos a água terrestre, tanto quanto valorizamos a possibilidade de água em Marte." Fotografia: Andrzej Krauze

Pode haver água fluindo em Marte. Mas será que existe vida inteligente na Terra?






Evidência para a água fluindo em Marte: isso abre a possibilidade de vida, de maravilhas, que nem podemos começar a imaginar. Sua descoberta é uma realização surpreendente. Enquanto isso, os cientistas marcianos continuam sua busca por vida inteligente na Terra.

Podemos ser cativados pelo pensamento de organismos em outro planeta, mas parecemos ter perdido interesse em nossa próprio. O Dicionário Oxford para crianças está extirpando palavras marcantes do mundo vivo. Somadores, amoras, jacintos, azevinho, peixinhos, lontras, prímulas, tordos, doninhas e carriças são agora consideradas palavras excedentes.

Nas últimas quatro décadas, o mundo perdeu 50% de sua fauna de vertebrados. Mas em toda a segunda metade deste período, tem havido um declínio acentuado na cobertura da mídia. Em 2014, de acordo com um estudo da Universidade de Cardiff, havia tantas notícias difundidas pela BBC e ITV sobre Madeleine McCann (menina que desapareceu em Portugal em 2007) como havia sobre toda a gama de questões ambientais.

Pense o que mudaria se valorizássemos a água terrestre tanto quanto valorizamos a possibilidade de haver água em Marte. Apenas 3% da água do nosso planeta é doce; da qual, dois terços é congelada. Ainda assim, emporcalhamos a porção acessível. Sessenta por cento da água utilizada na agricultura é desnecessariamente perdida por uma irrigação descuidada. Rios, lagos e aqüíferos são sugados até secarem, enquanto a água que resta é muitas vezes tão contaminada que ameaça a vida de quem a bebe. No Reino Unido, a demanda doméstica é tal que o curso superior de muitos rios desaparece durante o verão. No entanto, ainda instalamos chuveiros e primitivos banheiros antigos que jorram como cachoeiras.

Quanto à água salgada, do tipo que tanto nos fascina como aquela aparentemente detectada em Marte, na Terra expressamos nossa apreciação com um frenesi de destruição. Um novo relatório sugere que o número de peixes [nos oceanos] diminuiu para metade desde 1970. A tuna de barbatana azul do pacifico, que já habitou os mares em incontáveis ​​milhões, foi reduzida para uma população estimada em 40.000, e continuam sendo perseguida Os recifes de coral estão sob tamanha pressão que a maioria poderá ter desaparecido em 2050. E nos mares, em nosso próprio espaço profundo, o desejo de capturar peixes exóticos rasga através de um mundo menos conhecido do que a superfície do planeta vermelho. Os arrastões operam agora em profundidades de 2.000 metros. Nós só podemos imaginar o que eles podem estar destruindo. 

Poucas horas antes da descoberta marciana ser anunciada, a Shell encerrou sua prospecção de petróleo do Ártico. Para os acionistas da empresa, é um desastre menor: uma perda de US $ 4 bilhões; para aqueles que amam o planeta e a vida que ele sustenta, é um golpe de grande fortuna. Mas aconteceu apenas porque a empresa não conseguiu encontrar reservas suficientes.  Se a Shell tivesse sucedido, ela teria exposto um dos lugares mais vulneráveis ​​da Terra a derramamentos, que são quase inevitáveis, em local onde a contenção é quase impossível. Será que estamos deixando tais assuntos para o acaso? 

 No início de setembro, duas semanas depois de ter concedido permissão para a Shell perfurar no mar de Chukchi, Barack Obama viajou para o Alasca para avisar os americanos sobre os efeitos devastadores que a mudança climática causada pela queima de combustíveis fósseis poderia catalisar no Ártico. "Não é suficiente apenas falar por falar", disse-lhes. "Nós temos que trilhar nossa caminhada." Nós devemos "abraçar a ingenuidade humana que pode fazer algo sobre essa situação". A ingenuidade humana está em abundante exibição na Nasa, que divulgou imagens surpreendentes. Mas não quando se trata de política.

Deixar o mercado decidir: esta é a maneira pela qual os governos procuram resolver destruição planetária. Deixe isso para a consciência dos consumidores, mas a consciência está muda e confusa com propaganda e mentiras das corporações. Em um quase vácuo de informação, somos cada um deixado a decidir o que devemos tirar de outras espécies e de outras pessoas, o que devemos abocanhar para nós mesmos ou deixar para as gerações seguintes. Certamente existem alguns recursos e alguns lugares - como o Ártico e o mar profundo - cuja exploração deveria simplesmente parar?

Toda essa perfuração, escavação, arrastão, descarga e envenenamento - o que é tudo isso, afinal? Será que tais atividades enriquecem a experiência humana, ou a sufoca? Um par de semanas atrás eu lancei o #extremecivilisation hashtag, e pedi sugestões. Elas vieram em inundação. Aqui estão apenas alguns dos produtos encontrados por meus correspondentes. Todos eles, tanto quanto eu possa dizer, são reais. 

Uma bandeja de ovos para seu refrigerador que se sincroniza com o seu telefone para que você saiba quantos ovos sobram. Uma maquineta para misturar os ovos - ainda dentro de suas cascas. Perucas para bebês, para permitir que "os bebes meninas com pouco ou nenhum cabelo tenham a oportunidade de ter um belo e realista estilo de penteado." O iPotty, que permite crianças a continuar jogando em seus iPads durante o treinamento higiênico. Uma cabana à prova de aranha de £2.000. Uma sauna de neve, à venda nos Emirados Árabes Unidos, no qual você pode criar um paraíso de inverno com o apertar de um botão. Um container de melancia refrigerado sobre rodas: indispensável ​​para piqueniques - ou talvez não, porque pesa mais do que o melão. Creme de branqueamento anal, para ... para ser honesto, eu não quero saber. Um "girador de corda automático para relógio" que poupa o incômodo de dar corda na sua doçura-de-pulso de luxo. Um smartphone para cães, com o qual eles podem tirar fotos de si mesmos. Bananas pré-descascada-, em bandejas de poliestireno cobertas de filme plástico; tens apenas que descascar a embalagem. 

Todos os anos, novas maneiras inteligentes de desperdiçar coisas são concebidas, e todos os anos nos tornamos mais acostumados com o consumo inútil de recursos preciosos do mundo. Com cada intensificação sutil, a linha de base da normalidade se desloca. Não deveria ser surpreendente descobrir que quanto mais rico um país se torna, menos suas pessoas se preocupam com seus impactos sobre o planeta vivo.

Nossa alienação do mundo de maravilhas, dentro do qual evoluímos, tem-se intensificado desde que David Bowie descreveu uma menina caindo dentro de um "sonho profundo", em sua maneira de ser "presa pela tela de prata", onde uma longa série de distrações a desviam das grandes questões da vida. A canção, é claro, era Vida em Marte.



 

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

É urgente que a colaboração surja nas ciências e tecnologias

Pesquisador, que estuda interação entre as florestas e atmosfera, defende uma abordagem mais ampla do planeta

artigo em O Globo por

RIO - Um dos convidados do colóquio "Os mil nomes de Gaia", que acontece de 15 a 19 de setembro na Casa de Rui Barbosa, Antonio Nobre é o que se pode chamar de "cientista da terra". Pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e pesquisador Visitante no Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, onde lidera o grupo de modelagem de terrenos, ele estuda as interações entre as florestas e a atmosfera, mas também tem desenvolvido, nos últimos anos, uma abordagem mais ampla do planeta.
Nobre, que participa da mesa-redonda, no dia 16 de setembro, às 10h30, com a filósofa belga Isabelle Stengers (criadora do conceito de "intrusão de Gaia") e o antropólogo mexicano Carlos Mondragón, acredita que a Amazônia se tornou um terreno de demonstração importante para uma reanálise da teoria neo-Darwinista da evolução, questionando a noção implícita de que o processo essencial da seleção natural embutia em si o "enobrecimento do egoísmo", que extrapolou a esfera da ciência e foi absorvida pela cultura, a economia e a ciência. Segundo o cientista, já está comprovado que a colaboração entre as espécies é mais importante para um sistema do que a competição - ideia que pode nortear uma nova maneira de pensar a preservação do meio ambiente e evitar um colapso ambiental.

O que se pode entender por Gaia? 

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Antonio Nobre. O nome vem da denominação de povos antigos ao ente feminino que rege os elementos da natureza na Terra. O conceito científico inspirado por tal nome é descrito em uma teoria reveladora de um planeta complexo e autorregulado, com a participação ativa (e maciça) dos seres vivos na miríade de processos interconectados, geradores de bem-estar e equilíbrio no habitat. A teoria de Gaia em seu início era apenas uma hipótese, derivada da percepção de James Lovelock e Lynn Margulis de que as condições encontradas na Terra se desviavam muito do que seria de se esperar se forças puramente geofísicas e geoquímica agissem sozinhas ao longo de bilhões de anos, como ocorre nos demais corpos celestes cujas condições de superfície são conhecidas. Algo na Terra era responsável por tais desvios, que a tornavam amena e favorável à vida. A hipótese de Gaia sugeriu que a própria vida era esse algo a mais na Terra, capaz de reagir ativamente às flutuações cataclísmicas de origem interna ou cósmicas, regulando o ambiente de superfície e o otimizando para favorecer seu próprio desenvolvimento. Quatro décadas depois a hipótese já é respeitada como teoria, e o que antes era apenas sugestões lógicas, hoje acumulou extensiva base de observações e elaborações formais que lhe dão suporte. Tal teoria propõe e demonstra como a biosfera, o conjunto de todos os seres vivos da Terra, interferem de maneira reguladora no funcionamento do Sistema Terrestre, através da manipulação não arbitrária dos fluxos de matéria e energia.
 Comprovar cientificamente a ideia de que o individualismo e o egoísmo cumprem um papel de regulação na Terra teria sido uma obsessão do século XX?
 
Antonio Nobre. Como esta ideia norteou a ciência e a nossa concepção de ecossistema? Infelizmente, na progressão explosiva dos últimos cinco séculos, pós-liberação do indigno jugo religioso-inquisitório, a ciência se fragmentou e algumas percepções isoladas e incompletas dos processos naturais hipertrofiaram-se querendo abarcar o todo. A noção implícita de que o processo essencial da seleção natural embutia em si o "enobrecimento do egoísmo" foi um erro grave que bloqueou a visão de outros processos essenciais para o funcionamento do conjunto. Muito bom percebermos o valor intrínseco da seleção natural, mas ruim que esse valor tenha inflado o crescimento de um novo tipo de dogmatismo que não admite nada fora do seu arcabouço conceitual estreito. E aí funcionou de maneira anômala um principio que, em geral, é útil, a navalha de Occam (Guilherme de Ockham: "Se em tudo o mais forem idênticas as várias explicações de um fenômeno, a mais simples é a melhor"). A explicação da seleção natural para a variedade de organismos era sem dúvida melhor do que as explicações anteriores, mas ela não era idêntica em tudo o mais com explicações que viriam depois. Vasto campo de complexidade, invisível antes do surgimento da biologia molecular, permaneceu ignorado no auge do desenvolvimento do Darwinismo. E suspeita-se que parte maior da complexidade bioquímica na base do funcionamento dos sistemas vivos ainda permaneça oculta. Por exemplo, a explicação mais simples, como aquela na base da teoria da evolução baseada apenas nos mecanismos demonstrados da seleção natural, não dá conta de clarificar o papel da vida na regulação do ambiente planetário. Ademais, existem explicações simplíssimas ilustrando o papel central da colaboração na evolução de complexidade, que são rejeitadas apenas porque não batem com o que tornou-se um dogma excludente, o da competição e da sobrevivência do mais apto.

Podemos comprovar cientificamente que a colaboração é tão importante quanto a competição na regulação do planeta?
 
Antonio Nobre. A explicação da necessidade inescapável para efeitos regulatórios é dada com uma analogia ao surf. Surfar a onda dá vantagem a quem sabe se colocar e tirar da onda proveito. Mas não muda em nada o funcionamento da própria onda. Se a cada mudança ambiental os organismos e ecossistemas "surfassem" para seu próprio beneficio, -como preconiza a percepção estreita da seleção natural e da sobrevivência do mais apto-, o efeito seria uma incapacidade absoluta para resistir à propria mudança ambiental. As novas formas surgidas com o novo ambiente, estando adaptadas ao novo e excluindo as formas anteriores, não terão qualquer efeito estabilizador. Estabilidade requer opor resistência à mudança, como faz o termostato de um ar condicionado. A competição, importante como mecanismo de segurança (quando falham todos os demais mecanismos de colaboração, ela é salvadora), assume papel restrito nos processos regulatórios, justamente porque é desestabilizadora (o ganhador leva tudo). Quanto mais rico e complexo um sistema, menor o papel da competição e maior o da colaboração. Tem aí um principio organizador básico, análogo ao descrito pelos trabalhos de John Nash no surgimento de equilíbrio entre competição e colaboração (Teoria de Jogos).

Como o establishment reage a esta teoria?

Antonio Nobre. O establishment reage como sempre reagiu, da forma descrita por Thomas Kuhn em seu épico "A estrutura das revoluções científicas". Mas o novo paradigma já está bastante maduro e substanciado, me parece que breve passaremos pelo ponto de inflexão onde os conceitos da seleção natural e da sobrevivência do mais apto serão finalmente creditados por seu valor real, não aquele inflado e dogmático de até recentemente.

Por que o mundo ainda tem tanta dificuldade de ver as relações entre meio ambiente, ciência e tecnologia?

Antonio Nobre. Porque o meio ambiente opera em escalas de espaço (átomos, moléculas, continentes, oceanos, etc.) e tempo (fenômenos quânticos, dinâmicas moleculares, intervalos de milênios, milhões e bilhões de anos) difíceis para visualizar e captar pelos sentidos comuns do ser humano. Acrescente-se aí para a vida o automatismo (tudo funciona sem intervenções humanas) e então a máxima ocidental de que "o coração não sente o que os olhos não veem" explica porque permanecemos inertes diante da grandiosidade destes fenômenos que nos permitiram existir e que continuam a nos suportar. Isso para o senso comum, para os leigos nas sociedades humanas. Mais injustificável é quem lida com ciência e tecnologia, que tem estendido enormemente nossos sentidos, não traduzir para as pessoas normais o que lhes é facultado ver e perceber sobre o ambiente com suas ferramentas. E a razão única para tal dificuldade reside na competição desagregadora, onde cada cabeça "mais apta" isola-se mais e mais em seu campo de domínio, ignorando as demais que lhe desafiam.

A cada encontro internacional, há um consenso de que os movimentos de colaboração necessários para impedir um provável colapso ambiental não evoluem. Quais são os caminhos para mudar esta história?

Antonio Nobre. É urgente que a colaboração surja nas ciências e tecnologias, permitindo uma união do conhecimento, esclarecedora e simplificadora, que crie uma nova compreensão acessível sobre o mundo e seus intrincados processos de suporte à vida. Em outro estudo que fiz (O futuro climático da Amazônia) sugiro um esforço de guerra no combate à principal causa do descaminho ambiental, a "ignorância". É a ignorância que maneja os sistemas humanos em escala planetária, nos governos, nas empresas, em cada pessoa, e ela precisa ceder se queremos impedir o provável colapso. O melhor caminho para mudar essa historia é reabilitar o senso comum amplo através da contação de historias reais com o toque lúdico, tocar o emocional das pessoas com o estimulo ao senso infantil de maravilhar-se. É preciso despertar nossos corações, de onde saem os impulsos para a ação. A ciência e a tecnologia moderna nos colocou nas mãos de microscópios, telescópios, satélites, supercomputadores e uma infinidade mirabolante de outros instrumentos poderosos, com os quais podemos fazer nossos olhos finalmente verem tudo que há no mundo, pequeno e gigantesco, rápido e ultra lento.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Parem esse tormento, basta ao desmatamento,...

Mazzola disse:
BAILARINA
Cantinho da Via Láctea,
em nosso sistema solar,
existe uma esfera pequena,
bailarina de azul e serena,
no espaço vive à girar.
Circula há bilhões de anos,
mostrando-se ao infinito,
não existe no Universo,
um planeta mais bonito.
Seu nome, Terra ou “Gaia”,
a mãe de todos; então,
tem no mapa do Brasil,
onde existe muito rio,
a forma de um coração.
Isso não é à toa,
quis “DEUS” que fosse assim,
ali, na selva Amazônica,
sempre pulsará; enfim,
lá nascerá o ritmo,
dos ciclos da Natureza,
melhorando nosso clima,
água, ar, muita beleza.
Parem esse tormento,
basta ao desmatamento,
deixem a vida pulsar,
essa é a única esperança,
de continuar sua dança,
o show não pode parar.

Mazzola/FMU/GA
2º semestre
XXX/XI/MMVIII

comentario na pagina da Envolverde http://www.envolverde.com.br/6-eventos-2015/como-a-fe-pode-ajudar-o-meio-ambiente/

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Por que a Esquerda Enveredou para o Crime

Augusto de Franco
Uma análise

O que está acontecendo com o PT não é um fenômeno isolado. Aconteceu com vários grupos da esquerda autocrática depois da queda do muro de Berlim. Sobretudo na América Latina, em que muitos dirigentes de organizações ditas revolucionárias enveredaram para o crime.

Conheci vários desses militantes que viraram bandidos. Daniel Ortega, da Frente Sandinista, hoje presidente da Nicarágua, foi um deles. Me lembro como se fosse hoje. Ele foi convidado de honra no I Congresso do PT (que coordenei), no final de 1991. Chegando lá, no Hotel Pampa, em São Bernardo, Daniel pediu logo ao tesoureiro do PT à época, se não podia arranjar umas prostitutas. Esse Daniel e seu irmão Humberto, eram teleguiados de Fidel, que lhes passava pitos, aos berros. Reuniões decisivas para o futuro da chamada revolução sandinista foram realizadas em Havana, sob o comando de Fidel. E enquanto as bases petistas da Igreja idolatravam por aqui os sandinistas como expoentes de uma nova espiritualidade dos pobres, esses bandidos assaltavam patrimônio público (inclusive passavam para seus nomes propriedades imóveis) do Estado nicaraguense.

O mesmo ocorreu com gente da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional de El Salvador, que também está no governo. Aconteceu com o Mir (e com o Mir Militar) chileno, com alguns Tupamaros, com as FARC colombianas e, é claro, com a nova leva de bolivarianos, que não tinham tanta tradição de esquerda, como Chávez, Maduro e Cabello (mas aí já estamos falando de delinquentes da pior espécie, que inclusive chefiam o narcotráfico na região) e como Rafael Correa e Evo Morales. Bem, para resumir, aconteceu com boa parte das organizações e pessoas que frequentam as reuniões do Foro de São Paulo (fundado, não por acaso, um ano depois da queda do muro - e eu estava presente na reunião de fundação, no Hotel Danúbio).

Não dando certo a revolução pela insurreição, pelo foquismo ou pela guerra popular prolongada, essa galera chegou à conclusão de que seria preciso fazer a revolução pela corrupção. Bastaria adotar a via eleitoral contra a democracia e depois assaltar o Estado para financiar um esquema de poder de longo prazo. O plano era simples: conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido. O objetivo era claro: chegar ao governo pela via eleitoral, tomar o poder e nunca mais sair do governo. Para isso, entretanto, era necessário, além do tradicional caixa 2, fazer um caixa 3, encarregado de custear ações legais e ilegais, ostensivas e clandestinas, para controlar as instituições, comprar aliados, remover ou neutralizar obstáculos...

Afinal, pensaram eles: as elites não fizeram sempre assim? Para jogar o jogo duro do poder não se pode ter escrúpulos. Foi essa a conclusão de Lula, Dirceu e dos dirigentes petistas que tomaram o mesmo caminho. É claro que, como ninguém é de ferro e como não se pode amarrar a boca do boi que debulha, alguma compensação em vida esses bravos revolucionários mereciam ter. E foi assim que enriqueceram, abriram contas secretas no exterior para guardar os frutos dos seus crimes, adquiriram bens móveis e imóveis em nome próprio ou de terceiros e foram levando a vida numa boa enquanto o paraíso comunista não chegasse.

O ano de 1989 foi decisivo para essa degeneração política e moral da esquerda. Mas o que aconteceu não foi um resultado do somatório de desvios individuais. Não! Eles viram que seria muito difícil conquistar o mundo e assumir o comando de seus próprios países, contrapondo um bloco a outro bloco. O bloco dito comunista se desfez. A União Soviética derreteu em 1991. Ruiu tudo. E agora? Bem, agora - pensaram eles - seria necessário ter uma nova estratégia. E eis que surgiu uma ideologia pervertida, baseada numa fusão escrota de maquiavelismo (realpolitik exacerbada) com gramscismo. Eles, como operadores políticos, conduziriam a realpolitik sem o menor pudor, enquanto que pediriam ajuda aos universitários para dar tratos à bola do gramscismo (e reproduzir mais militantes nas madrassas em que se transformaram as universidades).

No Brasil, porém, parece que erraram no timing. Precisariam de mais uns três ou quatro anos para ter tudo dominado, dos tribunais superiores, passando pelo Congresso, pelo movimento sindical e pelos fundos de pensão, pelos (falsos) movimentos sociais que atuam como correias de transmissão do partido, pela academia colonizada, pelas ONGs que se transformaram em organizações neo-governamentais, por uma blogosfera suja financiada com dinheiro de estatais e por grandes empresas (com destaque para as empreiteiras, atraídas pela promessa de lucros incessantes quase eternos se estivessem aliadas a um sólido projeto de poder de longo prazo). 

Não deu tempo. O plano foi descoberto antes que as instituições fossem completamente degeneradas. E chegamos então a este agosto de 2015, ano em que alguns desses dirigentes vão começar a assistir, de seus camarotes na prisão, o desmoronamento do esquema maléfico que urdiram.

Quem é Augusto de Franco: http://net-hcw.ning....gusto-de-franco

Ciência inspirando arte: LENINE Quede Água




A seca avança em Minas, Rio, São Paulo
O Nordeste é aqui, agora
No tráfego parado onde me enjaulo
Vejo o tempo que evapora
Meu automóvel novo mal se move
Enquanto no duro barro
No chão rachado da represa onde não chove
Surgem carcaças de carro

Os rios voadores da Iléia
Mal desaguam por aqui
E seca pouco a pouco em cada veia
O Aquífero Guarani
Assim do São Francisco a San Francisco
Um quadro aterra a Terra
Por água, por um córrego, um chovisco
Nações entrarão em guerra

Quede água? Quede água?
Quede água? Quede água?
Agora o clima muda tão depressa
Que cada ação é tardia
Que dá paralisia na cabeça
Que é mais do que se previa
Algo que parecia tão distante
Periga, agora tá perto
Flora que verdejava radiante
Desata a virar deserto

O lucro a curto prazo, o corte raso
O agrotóxico, o negócio
A grana a qualquer preço, petro-gaso
Carbo-combustível fóssil
O esgoto de carbono a céu aberto
Na atmosfera, no alto
O rio enterrado e encoberto
Por cimento e por aslfalto

Quede água? Quede água?
Quede água? Quede água?
Quando em razão de toda a ação humana
E de tanta desrazão
A selva não for salva, e se tornar savana
E o mangue, um lixão
Quando minguar o Pantanal e entrar em pane
A Mata Atlântica tão rara
E o mar tomar toda cidade litorânea
E o sertão virar Saara

E todo grande rio virar areia
Sem verão, virar outono
E a água for commoditie alheia
Com seu ônus e seu dono
E a tragédia da seca, da escassez
Cair sobre todos nós
Mas sobretudo sobre os pobres outra vez
Sem terra, teto, nem voz

Quede água? Quede água?
Quede água? Quede água?
Agora é encararmos o destino
E salvarmos o que resta
É aprendermos com o nordestino
Que pra seca se adestra
E termos como guias os indígenas
E determos o desmate
E não agirmos que nem alienígenas
No nosso próprio habitat

Que bem maior que o homem é a Terra
A Terra e seu arredor
Que encerra a vida aqui na Terra, não se encerra
A vida, coisa maior
Que não existe onde não existe água
E que há onde há arte
Que nos alaga e nos alegra quando a mágoa
A alma nos parte

Para criarmos alegria pra viver
O que houver para vivermos
Sem esperanças, mas sem desespero
O futuro que tivermos
Quede água? Quede água?
Quede água? Quede água?
Quede água

Fonte: Vagalume

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Agua Ô do ar da Amazônia - idéia com forte apelo de marketing verde


Há algum tempo respondi uma entrevista do Portal Amazônia sobre essa fabrica de água do ar (Ô), veja abaixo.

Portal da Amazônia - a perda de umidade do ar através de um processo como este prejudicaria o ambiente?

Em termos quantitativos, ou volumétricos, não, já que o volume a ser retirado seria insignificante frente aos fluxos de vapor na atmosfera Amazônica (para entender mais sobre isso leia o relatório "O Futuro Climático da Amazônia"). 

Mas parques industriais suscitam utilização de energia não produzida localmente, o que pode levar (e normalmente leva) a destruição ambiental. As muitas hidrelétricas planejadas para a Amazônia são exemplo deste potencial efeito destrutivo. A Ô promete evitar esse fator complicante através do uso de energias renováveis, principalmente solar fotovoltaica. Mas como se verá abaixo, o investimento proposto não se justifica perante a lógica natural.

Portal da Amazônia - se o empreendimento der certo na Amazônia a iniciativa poderia ser copiada em outros lugares?

Tentar reproduzir com maquinas, que consomem a nobre energia elétrica, processos feitos gratuitamente e abundantemente pela Natureza não me parece uma forma inteligente de interagir com o meio ambiente para obter esse recurso vital (água potável). Além disso, quanto menor a umidade relativa do ar, maior a quantidade de energia necessária na condensação, e menor a quantidade de água extraída. Um clima progressivamente mais árido, como se prevê com a remoção das florestas, inviabilizará completamente este tipo de produção de água a partir do ar continental.

Portal da Amazônia - essa água é realmente adequada para o consumo?

A água da chuva, quando a atmosfera está livre de poluentes (no meio da estação chuvosa na Amazônia por exemplo), tende para a condição de água destilada. Ingerir água destilada produz inúmeros distúrbios na bioquímica do corpo, devido a falta de nutrientes minerais essenciais. Na Natureza, atravessando a floresta, os solos e as camadas geológicas, essa água da chuva passa por elaboradíssimo (e também gratuito) processo de mineralização o que a torna saudável para consumo.

Já quando a atmosfera está contaminada por fumaça, fuligem (na estação seca na Amazônia, por exemplo) e outros componentes tóxicos de poluição urbana, então a água condensada terá os mesmos contaminantes do ar, o que determina a necessidade de caros sistemas de purificação química, que por sua vez aumentam o custo, não garantem qualidade e podem aumentar ainda mais a necessidade de remineralização. E essa ultima, feita sem o concurso das complexíssimas cadeias tróficas dos micro-organismos do solo, também tenderá a ser um arremedo caro do que faz a gratuita e complexa tecnologia da Natureza.

Portal da Amazônia - a poluição do ar influenciaria na qualidade desta água?

Já respondido na questão anterior.

Conclusão:

Não faz sentido montar uma infraestrutura industrial e gastar energia para reproduzir pobre e incompletamente o que a própria Natureza faz abundantemente, de graça e de forma saudável. Se outro empreendedor montasse simples coletores de chuva, e passasse a água coletada por similar tratamento (filtragem e remineralização) teria água idêntica, com zero custo de condensação. Se outro empresario ainda abrisse um poço em solo adequado na mesma região, e passasse a água por simples filtragem, teria água idêntica, com zero custo de condensação e zero custo de remineralização.

Perdoem-me esses empreendedores, que parecem bem intencionados, mas o que vemos nesta iniciativa é o mais puro "vapor de marketing", feito para pegar carona na percepção coletiva de importância dos rios aéreos de vapor para o ciclo hidrológico.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Ainda não sabemos de onde veio a Seca de 2014


Antonio Donato Nobre

Vivendo no meio de climatologistas, fiquei surpreso com a certeza transmitida pelo artigo Seca não veio da Amazônia, na revista Época. 

A seca de 2014 não foi prevista por nenhum modelo climático. Depois disso, ao longo do ano, o grupo de previsão climática, que reúne especialistas de varias instituições, absteve-se de emitir previsões sobre a progressão da seca em varias regiões do Brasil. Ao longo de 2014 todos climatologistas que conheço declararam-se pasmos com essa seca fortíssima, e seu silencio no período atesta. Não me parece razoável crer que as primeiras chuvas de fevereiro irrigaram os modelos climáticos com uma capacidade que eles demonstraram não ter até o final de janeiro.

Existem nas observações do clima registros de secas fortes para o Sudeste. O que surpreendeu e assustou em 2014, além da intensidade e duração sem precedentes, foi o virtual desaparecimento da ZCAS (Zona de Convergência do Atlântico Sul). Essa condição rendeu incapazes os modelos numéricos, até para previsões de curto prazo. Por estas características inusitadas do fenômeno climático, vários colegas cogitam tratar-se já das primeiras manifestações de mudanças climáticas associadas ao aquecimento global.

A publicação do meu relatório (O Futuro Climático da Amazônia), iniciado muito antes, coincidiu com a seca de 2014. Nele é reportada a existência de base científica sólida para suportar a importância da ligação hidro-meteorológica da Amazônia com o Sudeste (Marengo et al. 2004 Journal of Climate; Arraut et al., 2012 J. of Climate; Spracklen et al., 2012 Nature; Makarieva et al., 2014, etc.). Embasada por essa ciência podemos afirmar que a umidade amazônica não chegou em São Paulo em 2014, e não conheço ninguém responsável que disputaria tal fato. Também indisputáveis são as observações feitas “na Amazônia” que conectam o desmatamento com a redução de umidade atmosférica.

A matéria da Época* passa uma imagem não acurada e sem base em artigos publicados, de que o que se passa no Sudeste não teria nada a ver com a Amazônia. Não sabemos ainda como os vários fatores interagiram para produzir a seca, mas mesmo que venham a demonstrar haver havido em 2014 apenas um impedimento meteorológico externo à propagação da umidade amazônica, ainda assim foi a umidade amazônica que não chegou

A relação do suprimento de serviços ambientais da floresta amazônica com a sorte hidrológica de regiões a jusante dos rios aéreos de lá procedentes é cientificamente embasada e auto-evidente. O bom senso sugere todo cuidado com esse recurso.


*Assim expressei para o repórter da Época:
“O fato solido é que a umidade Amazônica -que usualmente alimenta a maior parte das chuvas que caem no sudeste-, durante 2014 e janeiro ultimo não chegou aqui. Sim, a falta da umidade Amazônica é um dos fatores principais que explicam a seca. Porem, ainda não sabemos os números que explicam essa não propagação dessa umidade Amazônica. O que se observou foi uma massa de ar quente e seco que estacionou sobre a região sudeste, e que parece haver impedido tanto a entrada das massas de ar úmido da Amazônia, quanto as mais secas frentes frias que vem do sul do continente.”
  Assim apareceu na matéria:
 "Procurado por ÉPOCA, Nobre endossou que o desmatamento lá é a principal razão para a falta de chuvas cá."

Mencionei o desmatamento na minha afirmação?

Referencias


Arraut, J.M., Nobre, C., Barbosa, H.M.J., Obregon, G., Marengo, J., 2012. Aerial Rivers and Lakes: Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America. J. Clim. 25, 543–556

Makarieva A.M., Gorshkov V.G., Sheil D., Nobre A.D., Bunyard P., Li B.-L. (2014)  Why does air passage over forest yield more rain? Examining the coupling between rainfall, pressure, and atmospheric moisture content.
Journal of Hydrometeorology, 15, 411-426.

Marengo, J., Soares, W., Saulo, C., Cima, M., 2004. Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses: Characteristics and temporal variability. J. Clim. 17, 2261–2280.

Spracklen, D.V., Arnold, S.R., Taylor, C.M., 2012. Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests. Nature 489, 282–5.