sexta-feira, 30 de novembro de 2012

'Resultado da Rio+20 podia estar em papel higiênico', diz chefe da Eco-92

JULIANA DAL PIVA
Colaboração para a Folha de SP, do Rio
Partes do relatório final da conferência Rio+20, realizada pela ONU em junho no Rio, foram tão fracas que poderiam ter sido impressas "em papel higiênico".
A avaliação foi feita ontem pelo canadense Maurice Strong, 75, secretário-geral da Eco-92, conferência sobre ambiente, também da ONU, realizada na cidade há 20 anos. A Eco-92 acabou se tornando um marco dos encontros ambientais globais.
"A parte oficial dos governos [na Rio+20] foi muito fraca, decepcionante. Por outro lado, a sociedade civil foi muito útil, com cerca de 50 mil pessoas presentes. Mas, para deixar as coisas claras, eu acho que o relatório final podia até ser impresso em papel higiênico", disse.
Em entrevista após palestra no Conselho Empresarial de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Associação Comercial do Rio de Janeiro, Strong disse que, no relatório final, governos chegaram até mesmo a voltar atrás em pontos que já haviam sido definidos nas reuniões preparatórias.
"Infelizmente, em alguns momentos, a Rio+20 não esteve nem perto de ser discutida da maneira como ocorreu em 1992", queixou-se.
Para Strong, os governantes mundiais estavam -e ainda estão- mais preocupados com suas crises internas.
Durante a palestra, o ativista elogiou os esforços brasileiros no combate às mudanças climáticas e citou o investimento na produção de etanol como exemplo.
Apesar dos fracos resultados da Rio+20, avalia Strong, a cidade se tornou a capital mundial do ambiente e da sustentabilidade.
O secretário-geral da Eco-92 disse ainda que pensa em instalar na cidade a sede da Earth Council Alliance, entidade criada por ele há 20 anos, que busca pressionar os governos a respeito de questões climáticas.
Mas seu maior esforço atual, disse, é para que Brasil e China se aproximem e façam parcerias sustentáveis.
Em sua opinião, por terem economias complementares, os dois países podem criar para o mundo um novo conceito de sustentabilidade.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Muita terra para pouco fazendeiro

 A Confederação Nacional da Agricultura deseja provar que o problema dos nossos índios não é terra. Errado. Muita terra têm os grandes produtores rurais

Márcio Santilli e Raul do Valle

Ganhou espaço nesta Folha a divulgação de pesquisa encomendada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) com a pretensão de traçar um perfil da população indígena do país.
Uma de suas conclusões deixa clara a tese que pretende comprovar: "A situação territorial também causa preocupação, mas não é o maior problema, como afirmado por ONGs, movimentos sociais e certas áreas de governo".
A pesquisa foi feita entre junho e julho, mas só foi divulgada agora, quando voltam à mídia os conflitos territoriais entre fazendeiros e índios guarani-caiová (MS) e xavante (MT). Os bens de consumo usados pelos índios caracterizariam "urbanização". A enquete aponta que a principal preocupação dos índios seria seu precário atendimento de saúde.
Sempre houve interesse dos índios por bens de consumo que não produzem, desde ferramentas, alimentos, remédios até televisão e celular, o que não implica serem eles menos índios ou necessitarem de menos terra. Os demais brasileiros, a começar pelos patrocinadores da pesquisa, têm interesse por bens importados e nem por isso deixam de ser brasileiros.
A própria enquete mostra que 94% dos indígenas entrevistados praticam agricultura, 85% caçam e 86% pescam frequentemente, atividades que dependem de áreas extensas e preservadas. Mostra ainda que 68% dos índios da região Sul, que têm apenas 0,18% das terras demarcadas, recebem cestas básicas, apesar de a maioria (52%) ter trabalho remunerado. No Norte, que abriga 81% das terras, só 7% dos índios depende de cestas básicas, embora poucos tenham emprego.
A tese de que a terra não é importante para os índios não é confirmada pela própria pesquisa, mas a CNA pretende deformar seus resultados para defender a aprovação de projetos no Congresso que buscam alterar a Constituição para inviabilizar a demarcação de novas terras, sobretudo quando ocupadas por grandes produtores.
A estratégia de propagar teses infundadas para justificar uma posição política já foi usada pela CNA para fragilizar o Código Florestal. Agora, pretende-se induzir a ideia de que os próprios índios não querem mais terra, embora 57% dos entrevistados na enquete tenham respondido que seus territórios são menores do que o necessário (o número chega a 92% no Sul).
A CNA sugere que "há muita terra para pouco índio", já que 520 mil indígenas aldeados vivem em 113 milhões de hectares de terras indígenas. Ocorre que 98,5% dessa área está na Amazônia, onde vivem 60% dos indígenas do país. Os outros 40% dispõem de apenas 1,5% de todas as terras, em geral em áreas exíguas. O Mato Grosso do Sul é um caso emblemático.
Muita terra têm os grandes produtores rurais, representados pela CNA. Segundo o IBGE, os 67 mil maiores proprietários possuem 195 milhões de hectares, 72% a mais que os índios. Além disso, as terras indígenas preservam 98% da sua vegetação nativa e prestam serviços ambientais a toda sociedade.
Quem mais precisa de terra são os 45 mil guarani-caiová, alvo principal da CNA, confinados em 95 mil hectares oficialmente reconhecidos, mas ainda ocupados em grande medida por fazendeiros. Eles dispõem de área muito menor que os 700 mil hectares destinados a 28 mil famílias assentadas da reforma agrária no Estado.
Melhor faria a CNA se, em vez de insistir em impedir a demarcação de terras, trabalhasse para que os governos estaduais que, no passado, emitiram títulos de propriedade inválidos, porque incidentes sobre área indígena, sejam agora responsabilizados a indenizar aqueles que, de boa fé, hoje os detêm.
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MÁRCIO SANTILLI, 57, é coordenador de política e direito socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA). Foi deputado federal e presidente da Funai
RAUL DO VALLE, 35, advogado e coordenador-adjunto de Política e Direito Socioambiental do ISA

FSP, 29/11/2012, Tendências/Debates, p. A5

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O Novo Código e o Remendo Florestal

Autor: Raul do Valle(*), Instituto Socioambiental, 23.10.2012

Agora é lei, e tem inclusive número: 12.651/12, com alterações feitas pela Lei 12.727/12. Após três anos de intensa mobilização, que começou com a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados, em 2009, e a nomeação do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) como relator, o agronegócio brasileiro finalmente tem uma lei florestal para chamar de sua.

Feita a sua imagem e semelhança, ela é cheia de contradições. Tem um lado moderno, que prevê a criação de um sistema georreferenciado de cadastramento de imóveis rurais para monitorar, por satélite, a derrubada de florestas. Mas tem também um lado arcaico, agarrado às raízes latifundiárias do Estado brasileiro, e que infelizmente suplanta, em muito, seu aspecto inovador. E é com esse lado que a sociedade brasileira terá de lidar daqui para frente.

Com a nova lei, agora temos dois padrões de cidadãos: os que respeitaram as regras até então vigentes (Código Florestal antigo) e os que não respeitaram. Os primeiros, independente do tamanho do imóvel, terão de manter 50 metros de florestas ao redor de nascentes (só as perenes, que têm água o ano inteiro, pois as demais ficaram sem proteção), 30 metros ao largo dos pequenos rios, respeitar as florestas dos topos de morro e encostas. Os outros não precisarão ter florestas em topos de morro e encostas, terão só 15 metros ao redor de nascentes e, dependendo do tamanho do imóvel, poderão nem ter mata ciliar ao largo dos pequenos rios (veja tabela). Para os primeiros não há qualquer compensação concreta que lhes premie por haver cumprido a lei. Para os demais não há qualquer incentivo concreto que lhes convença a ter uma árvore a mais do que o mínimo (bem mínimo) exigido em lei.

Uma das características mais marcantes da nova regra é sua complexidade e dificuldade para compreendê-la, o que, consequentemente, se transformará em dificuldade na hora de implementá-la. A lei anterior, com todos os problemas que generalizações podem trazer, pelo menos era pão-pão, queijo-queijo. Todo mundo tinha que ter mata ciliar do mesmo tamanho se estivesse na beira do mesmo rio. Todo mundo tinha que ter reserva legal, e por aí vai. Agora depende. Depende do que? Do tamanho do imóvel e, se houver desmatamento de áreas protegidas (Área de Preservação Permanente e reserva legal), de quando ele ocorreu.

Um pequeno proprietário que tinha todo seu imóvel desmatado antes de 2008 terá que recuperar muito pouco da vegetação original, mesmo aquela que há décadas era protegida por lei. Um médio proprietário na mesma situação terá que recuperar bem mais, mas mesmo assim bem menos do que na legislação anterior. Se o desmatamento ocorreu após 2008, no entanto, a situação será completamente diferente para ambos. Se parte do desmatamento foi antes e parte depois de 2008, a situação será outra ainda. Difícil imaginar como o proprietário rural, que acreditou que a lei feita por seus representantes traria “clareza” e “segurança jurídica”, vai entender essa confusão.

Tudo isso vai gerar um enorme problema de monitoramento. Primeiro porque não temos imagens de satélite, com a resolução necessária e cobertura para o país inteiro, para saber o que estava ou não desmatado em 2008. Portanto, é bastante possível que desmatamentos feitos após essa data acabem entrando no “pacotão”. Segundo, porque as imagens de satélites hoje utilizadas para monitorar o desmatamento em todo o país não têm a resolução adequada para verificar a restauração de 5 ou 8 metros de mata ciliar, como determina a lei para muitos casos. Para que isso seja possível, será necessário adquirir imagens de alta resolução, muito mais caras do que as atualmente disponíveis.

Com todas essas questões, demorará muitos anos até que sejamos capazes novamente de fazer análises da situação do desmatamento ilegal em determinado município ou bacia hidrográfica, por exemplo. Até há pouco tempo era possível, com imagens de satélite, identificar que pontos de determinado rio devem ser obrigatoriamente restaurados, por terem menos mata ciliar do que a lei mandava. Agora isso só poderá ocorrer quando todos os proprietários lindeiros desse rio tiverem cadastrado seus imóveis e assinado seus termos de compromisso de regularização. Não haverá mais análises no atacado, mas apenas no varejo, pois cada caso será um caso.

Os grandes prejudicados com a nova legislação serão os que vivem nas regiões mais drasticamente desmatadas do país. Sim, porque apesar da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) viver martelando que o país tem mais de 50% de vegetação nativa preservada, ela se concentra sobretudo na Amazônia. Em determinadas bacias hidrográficas de São Paulo, a locomotiva do país, não há nem 5% de floresta em pé. Está faltando lenha, está faltando água. E justamente aí é onde haverá a menor restauração, pois a ocupação agropecuária é antiga e os imóveis, em sua grande maioria, são pequenos ou médios.

Mas mesmo na Amazônia o impacto será grande. Primeiro porque muitas das regras de proteção à floresta que ainda resiste ao avanço das pastagens foram flexibilizadas. Em mais de 90 municípios a reserva legal cairá de 80% para 50%. Todos os imensos igapós e várzeas (mais de 400 mil km2, ou um estado de São Paulo) deixaram de ser considerados Áreas de Preservação permanente e, assim, poderão ser derrubados. Todas as nascentes intermitentes, abundantes nas áreas de transição com o Cerrado, poderão ser desmatadas. Mas não é só isso. A anistia concedida ao desmatamento do Cerrado (49% da área total, concentrada no Sudeste e Centro-Oeste) e da Mata Atlântica (76% da área total) será seguramente um estímulo aos que gostariam de avançar um pouco além do que a nova lei permite. “Se eles puderam, por que eu não poderei?”

E assim abrimos um novo capítulo na história de nossa combalida política florestal. Com um novo marco legal que já nasce remendado, e traz como princípio a submissão da proteção de nossos biomas à “presença do País nos mercados nacional e internacional de alimentos e bioenergia” (art.1o – A, parágrafo único, inciso II), temos que seguir adiante e ver no que vai dar.

Parte dos estragos produzidos pela lei poderá ser amenizada em sua regulamentação. Por exemplo, será necessário evitar que grandes e médios proprietários cadastrem suas propriedades de forma fragmentada para ganhar o direito a uma “anistiazinha adicional”. Outra parte poderia ser resolvida com um conjunto coerente e robusto de incentivos econômicos que, por um lado, premiassem os que historicamente conservaram suas florestas e, por outro, estimulassem os proprietários a restaurar para além do mínimo estabelecido na nova lei. Não há, no entanto, nenhum sinal do Governo Federal de que esteja pensando seriamente em algo assim.

Resta saber qual o papel que será exercido pelos setores representativos do agronegócio. Se vão apostar em aprofundar as flexibilizações na regulamentação e empurrar a implementação da lei com a barriga, pra ver se liquidam a fatura daqui a alguns anos, ou se finalmente, agora que têm uma lei por eles elaborada, vão querer implementá-la. Essa é a incógnita que se desvendará a partir de agora.

(*)Raul do Valle é advogado, coordenador de Política e Direito Socioambiental do ISA

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Brasil, maior exportador de riquezas naturais

O Brasil não se reconhece como um país minerador, apesar de exportar um volume de minérios maior que a Bolívia e o Peru. 
 
Publicado em 09/10/2012 13:12 
por Edélcio Vigna, assessor do Inesc
 
 


A maioria da população brasileira não tem a menor noção da quantidade de minérios ou de grãos que são exportados a preços irrisórios. Não estamos exportando apenas produtos, mas recursos naturais e, principalmente, água. Ao associar a República da Banana com a República do Minério o Brasil aprofunda a “vocação” como o maior país exportador de produtos primários. Melhor, como o país mais explorado em suas e riquezas naturais.

O Brasil não se reconhece como um país minerador, apesar de exportar um volume de minérios maior que a Bolívia e o Peru. O Plano Nacional de Mineração identifica que o “segmento da mineração é o mais dinâmico nessa nova etapa, com crescimento médio anual de 10%, devido à intensidade das exportações”. A sociedade só reserva da mineração uma lembrança histórica dos séculos XVII e XVIII.

O senso comum comprou a ideia que o Brasil é o “celeiro do mundo”. Que a vocação nacional é a agricultura. A monocultura do café, da República Velha, imprimiu uma visão de mundo dos coronéis que ainda está em vigor na vida social e política da Nação. Os modernos ciclos agrários, com o retorno da cultura do açúcar/etanol e o da soja, a velha ideologia se travestiu e se apresenta no discurso dos ruralistas com o nome de agronegócio ou agribusiness.

A pauta de exportação brasileira, mesmo diversificada, ainda se concentra em grãos e minérios. O ferro, por exemplo, representa cerca de 90% dos bens minerais exportados. Assim, a “vocação” de país exportador de bens primários vai sendo degradando as terras férteis e impactando sobre todas as dimensões da vida das comunidades locais e regionais.

Lúcio Flávio Pinto afirma que a Serra de Carajás poderá ser consumida em 80 anos. O trem de Carajás faz 24 viagens de ida e volta entre a mina de Carajás e o porto da Ponta da Madeira, no litoral do Maranhão, com 300 vagões, que transporta por dia “576 mil toneladas do melhor minério de ferro do mundo, com pureza de mais de 65% de hematita, sem igual na crosta terrestre” (http://www.justicanostrilhos.org/nota/1084).

Favorecidas pela invisibilidade as grandes empresas multinacionais e multilatinas, como a Vale, prosseguem exportando montanhas de minérios, em especial para a China, e afetando a vida das comunidades. Para facilitar esse saque legalizado a e a Advocacia Geral da União (AGU) publica uma portaria (303), que retira os direitos dos povos indígenas em dispor livremente do uso e dos benefícios de suas terras e o Congresso Nacional aprova um Código Florestal que estimula o desmatamento.

Essas medidas são uma série de procedimentos jurídicos e legislativos que compõem um mosaico de leis que flexibilizam a exploração predatória do solo e do subsolo nacional. Não importa que no inciso XI, do art. 20, da Constituição Federal, esteja escrito que nas terras ocupadas pelos índios são asseguradas a “participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território (...)”. Ou que o § 2º, do art. 231, garanta que as “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. Como disse Getúlio Vargas, “Lei! Ora a Lei!”.

Os povos indígenas estão sobre o solo e o pragmatismo capitalista exige que a área seja desobstruída. É, por isso, que o povo Guajajara interditou o quilômetro 289 da Estrada de Ferro Carajás a 340 quilômetros de São Luís/MA. Esse povo, que é parte original da identidade brasileira, não está somente protestando contra a Portaria 303, da AGU, mas porque também sofrem os impactos negativos da Estrada de Ferro Carajás e da exportação de minérios.

Apesar dessas resistências sociais e políticas grande parte da população continua repetindo que o Brasil é um país agrícola. Com vocação agrícola. Que somos o celeiro do mundo.
Enquanto se olham para as monoculturas de grãos não veem as montanhas de minérios desaparecendo sobre os trilhos de Carajás.

domingo, 7 de outubro de 2012

SBPC e ABC mais uma vez alertam a Presidente Dilma sobre o Código Florestal

Senhora Presidenta,

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) vêm mais uma vez manifestar sua preocupação com o Código Florestal, desta vez por meio de alterações na MP 571/2012 aprovadas pelo Congresso Nacional, que representam mais retrocessos, e graves riscos para o País.

O Brasil deveria partir de premissas básicas que ele próprio aprovou em fóruns internacionais, como na Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. O documento aprovado na Rio+20, denominado “O Futuro que Queremos”, ressalta o compromisso com um futuro sustentável para o planeta de modo que haja a integração equilibrada das dimensões social, econômica e ambiental.

O documento reconhece a importância da colaboração da comunidade científica e tecnológica para o desenvolvimento sustentável e o fortalecimento da conexão entre a ciência e as políticas, mediante avaliações científicas confiáveis que facilitem a adoção de decisões informadas. Reafirma a necessidade de promover, fortalecer e apoiar uma agricultura mais sustentável, que melhore a segurança alimentar, erradique a fome e seja economicamente viável, ao mesmo tempo que conserva as terras, a água, os recursos genéticos vegetais e animais, a diversidade biológica e os ecossistemas e aumente a resiliência à mudança climática e aos desastres naturais.

Também reconhece a necessidade de manter os processos ecológicos naturais que sustentam os sistemas de produção de alimentos. Além disto, ressalta os benefícios sociais, econômicos e ambientais que as florestas, seus produtos e serviços, podem proporcionar para as pessoas e para as economias. Para que isto ocorra, os países concordaram em envidar esforços para o manejo sustentável das florestas, a recomposição, a restauração e o florestamento, para aumentar as reservas florestais de carbono.

Com a aprovação da MP 571/2012 pelo Senado o Brasil deixará de cumprir os compromissos que assumiu com seus cidadãos e com o mundo, aprovando medidas que não privilegiam a agricultura sustentável e que não reconhecem a colaboração da ciência e da tecnologia nas tomadas de decisão.

A ABC e a SBPC são contra as seguintes alterações na MP 571/2012:

Definição de Pousio sem delimitação de área - Foi alterada a definição de pousio
incluída pela MP, retirando o limite de 25% da área produtiva da propriedade ou
posse (Art. 3o inciso XXIV). Para a ABC e SBPC as áreas de pousio deveriam ser
reconhecidas apenas à pequena propriedade ou posse rural familiar ou de população
tradicional, como foram até o presente, sem generalizações. Além disto, deveriam
manter na definição o percentual da área produtiva que pode ser considerada como
prática de interrupção temporária das atividades agrícolas.

Redução da obrigação de recomposição da vegetação às margens dos rios - O
texto aprovado pelo Senado Federal beneficiou as médias e grandes propriedades
rurais, alterando o Art. 61-A da MP 571/2012. Nele, a área mínima obrigatória de
recuperação de vegetação às margens dos rios desmatadas ilegalmente até julho de
2008 foi reduzida. As APPs não podem ser descaracterizadas sob pena de perder sua
natureza e sua função. A substituição do leito maior do rio pelo leito regular para a
definição das APPs torna vulneráveis amplas áreas úmidas em todo o país,
particularmente na Amazônia e no Pantanal, onde são importantes para a
conservação da biodiversidade, da manutenção da qualidade e quantidade de água, e
de prover serviços ambientais, pois elas protegem vidas humanas, o patrimônio
público e privado de desastres ambientais.

Redução das exigências legais para a recuperação de nascentes dos rios. A
medida provisória também consolidou a redução da extensão das áreas a serem
reflorestadas ao redor das nascentes. Apesar de que a MP considera como Área de
Preservação Permanente (APP) um raio de 50 metros ao redor de nascente, a MP
introduziu a expressão "perenes" (Art. 4o, inciso IV), com o intuito de excluir dessas
exigências as nascentes intermitentes que, frequentemente, ocorrem em regiões com
menor disponibilidade anual de água. Para fins de recuperação, nos casos de áreas
rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de nascentes e
olhos d’água perene, é admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de
ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição do raio mínimo de
15 (quinze) metros (Art. 61-A § 5º).

Reflorestamento de nascentes e matas ciliares com espécies arbóreas frutíferas
exóticas.
É inaceitável permitir a recuperação de nascentes e matas ciliares
com árvores frutíferas exóticas, ainda mais sem ser consorciada com
vegetação nativa, em forma de monocultivos em grandes propriedades. Os
cultivos de frutíferas exóticas exigem em geral uso intensivo de agrotóxicos, o que
implicará contaminação direta dos cursos de água (Art. 61-A, inciso V).

Áreas de Preservação Permanente no Cômputo das Reservas Legais - As Áreas
de Preservação Permanente não podem ser incluídas no cômputo das Reservas
Legais do imóvel. As comunidades biológicas, as estruturas e as funções
ecossistêmicas das APPs e das reservas legais (RLs) são distintas. O texto ainda
considera que no referido cômputo se poderá considerar todas as modalidades de
cumprimento da Reserva Legal, ou seja, regeneração, recomposição e compensação
(Art. 15 § 3o ). A ABC e a SBPC sempre defenderam que a eventual compensação
de déficit de RL fosse feita nas áreas mais próximas possíveis da propriedade,
dentro do mesmo ecossistema, de preferência na mesma microbacia ou bacia
hidrográfica. No entanto, as alterações na MP 571/2012 mantêm mais ampla a
possibilidade de compensação de RL no âmbito do mesmo bioma, o que não
assegura a equivalência ecológica de composição, de estrutura e de função. Mantido
esse dispositivo, sua regulamentação deveria exigir tal equivalência e estipular uma
distância máxima da área a ser compensada, para que se mantenham os serviços
ecossistêmicos regionais. A principal motivação que justifica a RL é o uso
sustentável dos recursos naturais nas áreas de menor aptidão agrícola, o que
possibilita conservação da biodiversidade nativa com aproveitamento econômico,
além da diversificação da produção.

Redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico - O Art. 61-B,
introduziu a mudança que permite que proprietários possuidores dos imóveis rurais,
que em 22 de julho de 2008, detinham até 10 (dez) módulos fiscais e desenvolviam
atividades agrossilvipastoris nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação
Permanente, recomponham até o limite de 25% da área total do imóvel, para
imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) e até 10 (dez) módulos fiscais,
excetuados aqueles localizados em áreas de floresta na Amazônia Legal. Este
dispositivo permitirá a redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico.
Toda a Amazônia Legal seguia regras mais rígidas. Com a mudança, apenas áreas
de florestas da Amazônia Legal ficam excluídas do limite de 25%

Delegação aos Estados para definir, caso a caso, quanto os grandes
proprietários devem recuperar de Áreas de Preservação Permanente (APPs)
ilegalmente desmatadas
. A delimitação de áreas de recuperação, mantidos os
parâmetros mínimos e máximos definidos pela União, foi remetida para o Programa
de Regularização Ambiental (PRA) a delimitação de áreas de recuperação.
Atualmente esta competência é compartilhada entre municípios, Estados e governo
federal. Determinar que cada estado defina o quanto os grandes
proprietários terão de recuperar das áreas de preservação irregularmente
desmatadas, pode incentivar uma “guerra ambiental”.

Diminuição da proteção das veredas - O texto até agora aprovado
diminuiu a proteção às veredas. A proposta determina ainda que as veredas só
estarão protegidas numa faixa marginal, em projeção horizontal, de 50 metros a
partir do “espaço permanentemente brejoso e encharcado” (Art. 4o, inciso XI), o que
diminui muito sua área de proteção. Antes, a área alagada durante a época das
chuvas era resguardada. Além desse limite, o desmatamento será permitido. As
veredas são fundamentais para o fornecimento de água, pois são responsáveis pela
infiltração de água que alimenta as nascentes da Caatinga e do Cerrado,
justamente as que secam durante alguns meses do ano em função do
estresse hídrico.

Regularização das atividades e empreendimentos nos manguezais - O artigo 11-
A, incluído pela MP, permite que haja nos manguezais atividades de carcincultura e
salinas, bem como a regularização das atividades e empreendimentos de
carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenham ocorrido antes de 22 de
julho de 2008 (§§ 1o 6º). Os manguezais estão indiretamente protegidos pelo Código
Florestal desde 1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na
Amazônia. Esse artigo, além de promover a regularização de áreas desmatadas
irregularmente, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de criações de
camarões.

Senhora Presidenta, se queremos um futuro sustentável para o País, se queremos promover o desenvolvimento do Brasil, se queremos que a agricultura brasileira perdure ao longo do tempo com grande produtividade, que minimizemos os efeitos das mudanças climáticas, que mantenhamos nosso estoque de água, essencial para a vida e para a agricultura, que protejamos a rica biodiversidade brasileira, temos que proteger nossas florestas. Portanto solicitamos cordial e respeitosamente que Vossa Excelência atue para garantir que os itens acima apontados sejam considerados na MP 571/ 2012, aprovada pelo, Senado Federal,

Atenciosamente,

HELENA B. NADER                    JACOB PALIS
Presidente SBPC                            Presidente ABC

Políticos são os maiores latifundiários do Brasil, diz livro

15/08/2012 - 14h30
da Livraria da Folha

Para escrever "Partido da Terra: Como os Políticos Conquistam o Território Brasileiro", o jornalista Alceu Luís Castilho dedicou três anos à pesquisa de aproximadamente 13 mil declarações de bens de políticos eleitos entregues ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A investigação concluiu que os donos do poder são também os grandes proprietários de terra.

O número comprovado desses bens --que pode ser maior que o declarado-- coloca 2 milhões de hectares nas mãos de políticos em mandatos municipais, estaduais e federais. A informação passada ao TSE designa-se apenas ao valor do terreno, não à sua área total. Por isso, segundo o autor, o montante pode ultrapassar 4 milhões de hectares, território pertencente a um grupo de 13 mil pessoas. Mesmo entre esses latifundiários --alguns dignos de uma capitania hereditária--, existe uma distribuição desigual: 31 políticos possuem 20 mil hectares. Alguns são acusados de usar trabalho escravo e/ou de serem responsáveis por desmatamento. Essa elite é afiliada a diferentes partidos políticos e de todo o país. Porém, PMDB, PSDB e PR são os que lideram o ranking. "Alguém se surpreenderá que os filhos da Arena possuem menos terras que os filhos do MDB?", questiona Castilho sobre o crescimento da "esquerda latifundiária".

Entre os políticos eleitos no último pleito, os senadores são os maiores proprietários rurais do país. "A média de hectares por senador impressiona; são quase mil hectares (973) para cada um. Precisaríamos de vários planetas para que cada brasileiro possuísse a mesma quantidade de terras", explica. No quesito desigualdade em concentração de terra na América do Sul, o Brasil só perde para o Paraguai.
Formado pela USP (Universidade de São Paulo), Alceu Luís Castilho já recebeu os prêmios Fiat Allis de jornalismo econômico, Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, Direitos Humanos e Jornalismo e o Prêmio Andifes.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O repúdio ruralista à Ciência

03 de Outubro de 2012
*Maria Dalce Ricas

Construir o novo Código Florestal, com base em conhecimentos técnicos, foi e continua sendo um princípio defendido por diversas instituições. Entre elas, obviamente, está a Sociedade Brasileira para  o Progresso da Ciência (SBPC), que reúne 98 outras sociedades científicas associadas e mais de 6 mil sócios ativos, entre pesquisadores, docentes, estudantes, amigos e simpatizantes. Os ruralistas argumentam o fato de o novo texto legal ser único para o país, apesar da diversificação de ambientes naturais; e assim, querem que os Estados tenham o poder de refazer suas próprias normas. Um exemplo é o tratamento de Áreas de Preservação Permanente (APPs) de margens de cursos d´água existentes, que correm tanto em serras como nas planícies. O argumento, por si, é válido. Mas, na verdade, é uma armadilha descarada. Eles sabem que ainda menos que na discussão de âmbito nacional, na maior parte dos Estados, esses fatores científicos nem existirão.

A Ciência, certamente, não é dona integral da verdade.  Mas, foi graças aos estudos de muitos cientistas, que diversos problemas antes enfrentados pela humanidade hoje foram superados. A produção agrícola é exemplo disso.  Sem a revolução industrial (mineração, energia, maquinário), sem melhoramento genético de espécies, por exemplo, não se produziria alimentos como hoje. As variedades de milhos e grão empregados em mais de três mil produtos resultam de pesquisas da ciência organizada ou "prática". E eles só existem porque as espécies originais habitavam naturalmente as florestas da América Latina.

O repúdio à Ciência também não é privilégio único da bancada ruralista brasileira. A Santa Inquisição, criada pela Igreja Católica, desmoralizou Galileu publicamente. O Tribunal do Santo Ofício o condenou à prisão domiciliar, devido aos seus estudos que questionavam a teoria do geocentrismo, que colocava a Terra como centro do universo. A Ciência triunfou e sabemos que o universo é muito além do nosso planeta.

O mesmo ainda não aconteceu com a teoria antropocentrista, que coloca a espécie humana acima e fora da natureza, semelhante ao Deus defendido por diversas religiões. Giordano Bruno, em 1600, com 52 anos, foi torturado e queimado em praça pública pela Inquisição, por afirmar que deveria haver vida em outros lugares do Universo. O divulgado objetivo do Santo Ofício era combater a heresia, mas o verdadeiro, o pragmático, era manter o controle da Igreja e do Estado sobre a população. A queda de mitos que facilitavam esse controle pela ciência constituía-se em perigosa ameça. Por isso, ele foi assassinado.

Analogia semelhante pode ser aplicada à posição dos ruralistas e dos governos federal e estaduais. A Ciência os ameaça. Eles temem o conhecimento científico que comprova os malefícios das monoculturas, os serviços ambientais prestados pela fauna e flora preservados, a importância da biodiversidade no controle de pragas,  a relação entre tragédias econômicas e sociais, a ocupação de APPs e, para finalizar, a dependência do regime de chuvas em diversas regiões do Brasil, mais precisamente na Floresta Amazônica. Se todas essas contribuições da Ciência fossem respeitadas, o processo de discussão do Código seria bem diferente do que foi. E a nova legislação, sob a benção do conhecimento, certamente atingiria seu verdadeiro objetivo: garantir as atividades agropecuárias e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente.

O Santo Ofício não gostava de cientistas. Os ruralistas também não! Ao Santo Ofício não interessava o conhecimento, pois a ignorância e o medo eram seus aliados. Aos ruralistas também não. É por isso que eles não gostam da SBPC nem da Ciência.


* Maria Dalce Ricas é su­pe­rin­ten­den­te-exe­cu­ti­va da Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (Amda).

Código Florestal: uma novela sem fim

ANDRÉ LIMA
Correio Braziliense - 03/10/2012
 
A novela do Código Florestal está muito longe de chegar ao capítulo final. Por pelo menos três motivos. O primeiro é que Dilma pode — e em nossa opinião deve — vetar alguns dispositivos do texto aprovado pelo parlamento. Senão por razões jurídicas ou constitucionais, com certeza, por ferir o interesse público (ambiental) nacional. Merecem veto, dentre outros dispositivos, os parágrafos 4º, 5º e 13º do artigo 61-A, pois ampliam injustificadamente a anistia, ao reduzir em quantidade e qualidade a recomposição e, consequentemente, a proteção de mata ciliar e nascentes, em benefício sobretudo de grandes proprietários com áreas que podem chegar a mil hectares na Mata Atlântica e no cerrado e até 1,5 mil hectares na Amazônia.

A presidente tem mais uma oportunidade de fazer valer sua palavra. Será ela complacente com mais anistia aos desmatadores ilegais, contrariando seu compromisso de campanha? Permitirá que grandes proprietários de terras infratores da legislação ambiental se livrem da responsabilidade de recompor integral e adequadamente as matas ciliares e nascentes? É o que veremos.

O segundo motivo é que o novo texto é desprovido de razoabilidade, proporcionalidade e equidade na diferenciação de tratamento entre os proprietários rurais que cumprem e os que descumpriram a lei. Cabem questionamentos consistentes de ordem constitucional tanto em ações judiciais difusas por todo o território nacional (o controle difuso de constitucionalidade), quanto por meio de ação (ou ações) direta(s) de inconstitucionalidade, o controle concentrado de constitucionalidade.

Não é possível aprofundar esse assunto no espaço deste artigo, mas o que acontecerá com a segurança jurídica tão propalada pela bancada ruralista no Congresso se o artigo 61-A, por exemplo, que reduz as áreas a serem obrigatoriamente recompostas for julgado inconstitucional, total ou parcialmente, por ferir os princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade, isonomia, função social da propriedade rural e do desenvolvimento sustentável?

O terceiro (e talvez mais importante) motivo é que agora começa de fato o grande desafio de mudar a realidade. Vamos à prática, pois mesmo com todas as deficiências que a lei possui, agora é lei, certo? Então é para valer? Entramos na fase de regulamentação e efetivação da nova lei, oportunidade em que tanto o governo federal quanto os estaduais devem esclarecer lacunas, eliminar ambiguidades e dizer como será sua implementação. Na regulamentação federal há espaço para reparar perdas importantes para a conservação ambiental e a produção rural sustentável.

Os desafios que o país tem pela frente para viabilizar sua efetividade são de grande envergadura. Carecemos de uma política nacional de florestas robusta que ofereça, em prazo razoável e compatível com o proposto pela lei, e considerando as diferenças ecossistêmicas, as condições materiais, tecnológicas, humanas e financeiras objetivas para que as áreas de preservação permanente e reservas legais sejam de fato recompostas em escala.

Dever haver transparência total e controle social suficientes sobre a implementação dos Programas de Regularização Ambiental e respectivos sistemas de licenciamento, monitoramento e cadastramento ambiental rural nos estados.

Os órgãos ambientais (federal e estaduais) devem aplicar, de forma efetiva e com tolerância zero, as sanções previstas na Lei de Crimes Ambientais e no novo Código Florestal aos infratores que desmataram ilegalmente após a data de "anistia" ou consolidação rural (julho de 2008).

O governo federal deve implementar, em no máximo um ano, um grande programa de incentivos econômicos (crédito e incentivos fiscais) para beneficiar os agricultores familiares e pequenos proprietários rurais que vêm cumprindo a lei ou que aderirem voluntariamente aos novos programas de regularização ambiental. Deve dedicar o mesmo empenho dado à aprovação do novo código "agroambiental" — é difícil chamá-lo agora de "florestal" — para aprovar o Projeto de Lei de Pagamento por Serviços Ambientais (Projeto de Lei nº 792/07) e avançar na concretização da Estratégia Nacional de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal.

Enfim, a novela do código deve se converter agora em longo seriado que demandará muito diálogo, bom-senso e trabalho pelos próximos cinco anos. Não perca!

André Lima: Advogado, mestre em gestão e política ambiental pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, assessor de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, consultor jurídico da Fundação S.O.S. Mata Atlântica e sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

É possível uma produtiva convivência entre agronegócio e meio ambiente


Ponto de Vista
Entrevista com Antonio Donato Nobre


O Brasil está vivendo um momento decisivo na Política Florestal e Ambiental e de mudança de paradigmas nas ciências, o qual tem se refletido no atual sistema agrícola. Um movimento – que se iniciou na década de 1970, com a emergência do ambientalismo, e ganhou força com a crise do petróleo – fez dos recursos naturais, da energia e do ambiente em geral um tema de importância econômica, social e política.

A questão ambiental passou a compor a agenda de políticas públicas e progride hoje para mudanças no novo Código Florestal, e para o florescimento de uma nova ciência, a Economia Ecológica. Esses avanços buscam harmonizar o modelo de desenvolvimento econômico vigente, considerado incompatível com o desenvolvimento sustentável, o qual, por sua vez, considera os aspectos sociais e ambientais no processo produtivo, gerando conflitos, pela percepção de restrição ao crescimento econômico. Essa crítica ambientalista progrediu no campo da ciência econômica por ser o funcionamento do sistema econômico o objeto central da crítica. A editoria da RPA, movida pelo ardoroso e atualíssimo debate sobre questões climáticas, tema cercado por probabilidades e incertezas, e considerando também que essa é uma área vital para a produção agrícola, foi procurar respostas com o Dr. Antonio Donato Nobre.

O Dr. Nobre vem atuando em vários tópicos na agenda de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Estudioso do polêmico tema do Código Florestal, responde pela relatoria de um livro sobre o assunto, que investigou as questões em profundidade, por meio da revisão de centenas de publicações científicas, análise que foi patrocinada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências. Seus argumentos baseiam-se numa nova vertente, que aplica preferencialmente uma lógica baseada nas leis da natureza, na física, na química e na biologia. A RPA optou por iniciar a conversa com o Dr. Antonio Nobre tratando dos rios voadores.


RPA – O que são rios voadores?

São massivos fluxos atmosféricos de vapor, definidos sobre uma região ou vindos do oceano para o continente.

RPA – Como a floresta produz água?

A floresta não produz água; ela intermedia poderosamente a transferência da água, da atmosfera para o solo (controlando a nucleação de nuvens e suas chuvas) e do solo para a atmosfera (sugando a água pelas raízes das árvores e emitindo-a eficientemente para a atmosfera, por meio das folhas no dossel). Essa intensa mediação resulta em absorção de uma grande quantidade de energia solar (utilizada na evaporação), que é transformada em energia dos ventos (durante o processo de condensação nas nuvens), o que ultimamente bombeia ventos úmidos do oceano para o continente.

RPA – O que distingue o bombeamento d’água por meio da ação da floresta equatorial do bombeamento d’água em outras latitudes?

A disponibilidade de energia solar é muito maior na região equatorial (onde a incidência dos raios solares é vertical) do que em altas latitudes. Ademais, a energia solar no equador induz uma maior evaporação. As florestas aumentam ainda mais a evaporação, o que gera um ciclo virtuoso – ou seja, mais evaporação gera mais movimento ascendente e mais condensação, o que, por sua vez, gera mais chuvas, favorecendo a própria floresta. E, o mais importante, suga ventos úmidos do oceano para o continente. Esse efeito ocorre em todo lugar onde existam florestas, porém é mais intenso nas zonas equatoriais.

RPA – As árvores na Amazônia – aproximadamente 600 bilhões, com diâmetro de tronco maior que 10 cm – usam a luz do sol para transferir, por meio da transpiração, 20 bilhões de toneladas de água diária para a atmosfera. São essas condições especiais que explicam o elevado nível pluviométrico na região?

Sim, em termos de disponibilidade de matéria-prima (água) para a formação de nuvens e chuva. Mas produz outro efeito especial e único, que é a nucleação das nuvens pelos compostos orgânicos voláteis (VOCs) emitidos pelas árvores da biodiversidade amazônica. Esses VOCs são os “cheiros da floresta”, os isoprenos, os terpenos e uma grande variedade de outros compostos orgânicos transpirados que, na atmosfera, são indispensáveis para iniciar a condensação do vapor d’água em gotas. Sem esses compostos, pode haver vapor d’água, mas não haverá chuva. E esses VOCs não podem ser substituídos funcionalmente por plantações em monocultura.

RPA – Esse enorme volume de água é superior ao do deságue do rio Amazonas no Atlântico?

O rio Amazonas, em seu canal esquerdo, que é o principal, deságua em média 200 mil metros cúbicos por segundo no Atlântico. Em um dia (86.400 segundos), 17 bilhões de toneladas de água passam por ali. Portanto, a transferência de água da superfície para a atmosfera, mediada pelas árvores da floresta, é, sim, maior do que a água transferida do continente para o oceano, pelo maior rio da Terra.

RPA – Considerando esses novos conhecimentos e muitos que ainda virão sobre os benefícios da floresta, na sua percepção, o que deveria ser feito, do ponto de vista de política agrícola, para promover uma maior sinergia entre a agricultura e o meio ambiente?

A primeira ação é de esclarecimento e convencimento. Programas como o “Cultivando Água Boa” – promovido e coordenado pela Itaipu Binacional, em cooperação com produtores rurais na bacia do rio Paraná – ou o “Y Ikatu Xingu, Salve a Água Boa” – promovido e coordenado pelo Instituto Socioambiental, em cooperação com vários agricultores das cabeceiras do rio Xingu – são dois exemplos de sucesso, entre muitos no Brasil. São programas que envolvem um pouco de capital, um compromisso claro com a harmonização e a busca perseverante da sinergia. E rendem excelentes frutos.

No primeiro caso – Cultivando Água Boa –, uma grande empresa de energia, usando seu poder econômico e sua influência, estabeleceu umarede colaborativa composta por proprietários rurais, que pôs em prática inteligentes e inovadores programas ambientais. Um exemplo é o sistema de reciclagem de dejetos de suínos em granjas no oeste do Paraná. O programa desenvolveu biodigestores que processam o material, gerando adubo curado – que é vendido como fertilizante de campos agrícolas – e gás metano. O gás metano é recolhido das granjas por um gasoduto e levado a uma central termoelétrica movida a biogás. A eletricidade gerada supre todas as necessidades dos produtores, e o excedente é vendido para a Itaipu, que o injeta na rede elétrica. Como o CO2 (resultante da queima do biogás) produz um vigésimo do efeito estufa do metano, esse sistema de produção de energia ainda se qualifica para receber créditos de carbono.

Quanto ao programa Y Ikatu Xingu, em vigência nas desmatadas cabeceiras do rio Xingu, ao qual aderiram grandes e médios produtores de grãos, famílias rurais e povos da floresta (indígenas), começa na coleta e no preparo de sementes de árvores nativas da Amazônia. Em seguida, as sementes são vendidas aos proprietários rurais, que as utilizam para recompor áreas de preservação permanente (APP) e a reserva legal, em suas propriedades. Recorrendo à tecnologia desenvolvida pelo projeto (sistema de muvuca), os agricultores utilizam adubadeiras mecanizadas para plantar as sementes das árvores nativas, reduzindo, assim, custos e aumentando geometricamente o rendimento. Como consequência, auxiliam a natureza a recompor as matas ciliares e outras áreas, recebendo como benefício não somente a certificação ambiental de suas propriedades, como também os benefícios ecológicos daquelas matas, para a produção agrícola e a de serviços ambientais. Muitos desses projetos de recuperação ambiental estão sendo inteiramente financiados pelos créditos de carbono, do qual é um exemplo a empresa Natura, que pagou o replantio em áreas do projeto.

A harmonização e a sinergia entre agricultura e ambiente não é somente boa localmente. Os benefícios são amplos, repercutindo até mesmo como imagem de mercado, o que gera segurança econômica e sustentabilidade. Se uma grande empresa de energia e uma ONG socioambiental podem fazer política agrícola com solidez econômica e com esse viés ambiental, por que, então, não copiar esses exemplos e expandi-los para todos os biomas? Já está demonstrado ser possível e altamente lucrativo. Falta apenas boa vontade política.

RPA – A área de conhecimento sobre paisagens inteligentes deve trazer novas soluções. O senhor tem feito uma campanha para o desenvolvimento de paisagens inteligentes no Brasil. Fale-nos um pouco da sua importância econômica.

O desenvolvimento de paisagens inteligentes tem a ver, inicialmente, com a geografia física. É o conhecimento avançado sobre terrenos, aplicado na compreensão e no uso da paisagem. A campanha que lancei das paisagens inteligentes conta com uma nova abordagem tecnológica para harmonizar produção com conservação, por meio da otimização de usos. A inteligência espacial nos usos da paisagem garante aumento da rentabilidade (e da sustentabilidade) nos sistemas de produção rural, criando uma virtuosa nova economia, baseada também na produção de serviços ambientais.

RPA – Quais são as tecnologias mais avançadas e revolucionárias utilizadas na localização e na caracterização de terrenos?

Empregamos os dados de imageamento da paisagem em 3D, gerados por equipamentos de radar ou laser, que podem ser orbitais ou aerotransportados. As imagens digitais dos terrenos permitem a representação da paisagem no computador, como maquetes virtuais. Sobre elas aplicam-se, então, sofisticados algoritmos matemáticos, que permitem diagnosticar as características topográficas, hidrológicas, e muitas outras. Essas características dos terrenos, combinadas com as características dos ecossistemas, são indicadores dos tipos de solo, da posição do lençol freático, do potencial de erosividade, entre muitos outros critérios de diagnóstico.

RPA – Como os produtores serão beneficiados no futuro com a utilização dessas tecnologias?

A agricultura de precisão, última palavra na aplicação de geotecnologias na otimização do uso de insumos no campo, tem demonstrado como a racionalização espacial dos cultivos, que respeita os potenciais e as fragilidades dos solos, pode ao mesmo tempo reduzir custos e impactos ambientais, aumentando, consequentemente, o rendimento e a lucratividade das culturas.

As paisagens inteligentes seguem lógica similar, mas, por empregar geotecnologias revolucionárias, permitem mapeamentos remotos de terrenos, em larga escala e com fina resolução espacial. Para quem já emprega a agricultura de precisão, contribuirá na redução de custos de implantação para novas áreas. Para a imensa maioria dos agricultores, especialmente para os pequenos e os médios que não têm recursos para investir em detalhados levantamentos de terrenos, será uma fonte abundante e disponível de informações, que podem melhorar muito a alocação e a otimização de usos dentro da
propriedade.

RPA – Essas tecnologias induzirão novas práticas e manejos agrícolas?

Com certeza. Um exemplo está na alocação de APP e reserva legal. Hoje, as APPs obedecem a uma geometria burocrática, por causa da prescrição de um Código Florestal que foi elaborado em 1965, quando ainda não havia satélites nem computadores. Com as novas tecnologias desenvolvidas em nosso grupo no Inpe, podemos, por exemplo, localizar os terrenos brejosos, com solos hidromórficos, que são áreas vitais para o condicionamento e para a proteção dos cursos d’água e, ao mesmo tempo, são terrenos majoritariamente impróprios para a agricultura.

Nas audiências sobre o Código Florestal, fizemos uma proposição ao Congresso para que as APPs fossem definidas de acordo com os terrenos. Explicamos que, assim como os sapatos que calçamos se amoldam às curvas dos nossos pés, a paisagem também tem curvas, os terrenos são altamente variáveis, e a lei de hoje, de 2011, com todas as tecnologias que possuímos, deveria abrir esse caminho. Deveria contemplar uma alocação orgânica das áreas de proteção, inclusive para as reservas legais, ao invés de definir um retângulo com a porcentagem prescrita de área da propriedade. Nas paisagens inteligentes, essas seriam alocadas de forma orgânica e irregular, acompanhando os terrenos mais frágeis e com menor potencial de produção agrícola. Essa flexibilização de forma, combinada com os potenciais, com as fragilidades e com os riscos dos terrenos, ajudaria na introdução de uma nova era de sinergia espacial entre agricultura e conservação.

E os critérios básicos na alocação de usos serão, entre outros, as propriedades claras e indiscutíveis dos terrenos – quem não sabe o que é um brejo ou um grotão? Como essas tecnologias também indicam a profundidade do lençol freático, portanto quantificam o acesso ao insumo mais precioso da agricultura, será possível sistematizar a alocação de culturas, perenes ou anuais, para aproveitar a água do solo de acordo com a profundidade de enraizamento, e adequando-a em relação às constâncias e às inconstâncias do clima. Com o tempo, tais tecnologias tenderão a evoluir para permitir a determinação remota dos tipos de solo em cada área, o que certamente resultará em melhor aproveitamento e em aumento de rendimento.

RPA – Que aprendizado os produtores rurais brasileiros precisam adquirir prontamente para manter a competitividade e a harmonia entre produção e meio ambiente?

Sem perder de vista os grandes avanços conquistados pela ciência e pela tecnologia agrícola, os quais, aplicados com grande competência pelos agricultores e por empreendimentos agrícolas, têm levado o Brasil a ocupar o podium mundial na competição pelo mercado de um número crescente de produtos, é preciso voltar a integrar-se à natureza. Obviamente que a agricultura não existiria sem a natureza provendo uma imensa variedade de “serviços”, ambientais e ecossistêmicos, mas me parece que a mentalidade predominante no setor agrícola não registra tal fato como deveria fazê-lo. Talvez essa mentalidade seja resultado da constância e da invisibilidade dos serviços da natureza, aliadas com o efeito das muitas revoluções verdes desencadeadas pelas tecnologias empregadas no campo, as quais criaram a ilusão de que o ser humano moderno tudo pode, inclusive tornar-se completamente independente da natureza. Sem dúvida, pode-se produzir tomate numa estação orbital, no ambiente inóspito e agressivo que é o espaço, mas 1 kg de tomates orbitais custaria uma pequena fortuna.

Aliás, a inviabilidade de prescindir da natureza foi demonstrada no experimento Biosfera II, feito no Arizona, EUA, no qual se tentou recriar um microcosmo Terra, funcional e autônomo, em abóbadas lacradas, de vidro. O experimento fracassou passados apenas poucos dias do isolamento da biosfera terrestre.

Este é, a meu ver, o maior desafio de (re)aprendizado pelos agricultores hoje: como aprender a valorizar o imenso capital tecnológico, eficiente e gratuito, que opera silenciosamente na natureza, em favor de todos, inclusive e principalmente em prol da agricultura, sem precisar voltar ao arado de aiveca e à tração animal?

Essa mudança não somente é possível, como também é factível; os agricultores algum dia reconhecerão que a natureza é fabulosamente tecnológica. Então, o que muitos agora chamam depreciativamente de “mato” adquirirá renovado valor, e isso será graças à compreensão sobre a benfazeja floresta, capital inestimável, de cujo serviço fiel depende umbilicalmente a agricultura. Essa percepção renovada trará muitíssimos benefícios ambientais e econômicos, e principalmente nos trará a paz, já que a opinião pública constatará, finalmente, que os agricultores se tornaram os principais defensores da natureza.

O Dr. Antonio Donato Nobre graduou-se em Agronomia pela Esalq/USP, em 1982; tornouse, em 1989, mestre em Biologia Tropical (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e, em 1994, titulou-se Ph. D. em Earth System Sciences (Biogeochemistry) pela University of New Hampshire. Autor de mais de 40 artigos na literatura científica internacional, é respeitado por sua atuação nas áreas de ciclo do carbono, ecofisiologia, hidrologia, modelagem de terrenos, clima e a regulação biótica do sistema planetário. Atualmente, é pesquisador sênior do Inpa e pesquisador visitante no Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). 

Revista de Política Agrícola, EMBRAPA Ano XX – No 4 – Out./Nov./Dez. 2011

CARTA ABERTA ao Corajoso Ministro Joaquim Barbosa


para gabminjoaquim@stf.gov.br

Prezado Ministro Joaquim Barbosa,

Receba meus sentidos cumprimentos por sua coragem, retidão, compromisso com a Justiça e com a dignidade. Tudo que falam a seu respeito, de bom e de crítica, somente atesta e abrilhanta a bela e verdadeira obra que o Sr está construindo. Minha filhinha de 6 anos já percebeu que o Sr é do bem, e é incrivel a "torcida" que vejo surgir em nosso País para que o Sr. possa avançar nesta atuação benéfica.

Que bons fluidos o ajudem a enfrentar o cinismo e a mofa dos que se vêem contrastados com o Sr e ainda não conseguem seguir-lhe a liderança. Estão todos expostos, como jamais estiveram. Muito mais que aos meliantes arrolados nos autos, julgam a "sí mesmos".

Toda minha familia deseja-lhe toda a força do mundo neste momento, para que possa o Sr estar blindado e estimulado a continuar em progressão.

Calorosas Saudações

Antonio Donato Nobre
Sao Jose dos Campos, SP

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Que Beleza!


Pesquisador prestativo melhora produção científica dos colegas

27/09/2012 - 08h00
RICARDO BONALUME NETO
Folha DE SÃO PAULO

O cientista discreto, mas que ajuda os colegas com conselhos e dicas, pode estar fazendo mais pela ciência do que aquele pouco colaborativo mas que é uma estrela na profissão. Um comentário baseado em um estudo curto publicado na revista "Nature" nesta quinta, 27 de setembro, deixa claro o motivo.

O pesquisador Alexander Oettl, do Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA), estudou os "agradecimentos" a cientistas que não eram coautores em artigos científicos na área de imunologia desde 1950. E descobriu que, quando esses cientistas, todos líderes e "pesquisadores principais" (ou seja, chefes de sua equipe de pesquisa), morriam de repente, os artigos dos seus colegas mais jovens perdiam qualidade -- medida pelo "impacto", isto é, o número de citações que geravam em artigos de outros pesquisadores.

Já os cientistas cujos colegas seniores eram pouco colaborativos não chegavam a perder qualidade, ou "impacto", na sua produção científica.

"Tradicionalmente, a ciência tem sido uma busca individual, em que as pessoas têm sido avaliadas pela sua produção pessoal e realizações. Mas a descoberta depende cada vez mais do trabalho em equipe, e ainda assim os cientistas estão sendo julgados apenas pelo que eles mesmos realizam", escreveu Oettl em artigo na "Nature".

Graças às modernas ferramentas de computação, ele conseguiu garimpar dados de qualidade. Checou em detalhes os arquivos de uma revista científica da área de imunologia, o "Journal of Immunology", entre 1950 e 2007; ou seja, mais de 50 mil artigos. E, para saber quais pesquisadores teriam morrido no período, extraiu dados de mais de 400 mil notas na "newsletter" da Associação Americana de Imunologistas.

Ele achou 149 "pesquisadores principais" que morreram no meio da carreira. E 63 deles estavam entre os 20% que mais recebiam agradecimentos. Eram os que mais ajudavam seus colegas mais jovens.

"Meus resultados sugerem que os cientistas que são prestativos têm um impacto importante sobre as carreiras dos seus colegas - e têm sido subestimados por um empreendimento científico que premia o desempenho individual acima de tudo. É hora de olhar mais de perto quais qualidades que mais valorizamos nos cientistas. Os pesquisadores que geram inúmeros trabalhos de alto impacto podem ter pouco tempo para discutir os problemas, criticar manuscritos ou serem mentores de estudantes. Aqueles que produzem um fluxo de artigos medianos podem ter um impacto muito mais positivo sobre as carreiras das pessoas ao seu redor. Pesquisadores que procuram colaboradores podem, por vezes, optar por um colega prestativo que não é uma grande força em seu campo em vez de um cientista estrela de rock que raramente responde a e-mails", escreveu o pesquisador.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Congresso sentencia fim das florestas

Por , 26/09/2012 16:48

Medida Provisória do Código Florestal é aprovada na última votação no Congresso Nacional

Com apenas três votos contrários, a Medida Provisória do Código Florestal, peça faltante no quebra-cabeças da nova legislação, foi aprovada hoje no plenário do Senado Federal. O resultado é a liberação de ainda mais áreas de floresta para novos desmatamentos e anistia a criminosos ambientais.

Em nome do que chamaram de “um acordo possível” para evitar uma dita “insegurança jurídica” no campo, o governo curvou-se aos anseios da bancada ruralista, deixando de ouvir os alertas dos cientistas e da sociedade civil. O texto, profundamente modificado pelos parlamentares, permite que novos desmatamentos surjam e que os velhos desmatadores sejam perdoados.

“O governo lavou as mãos e deixou o circo pegar fogo. E pegou. O resultado é um Código Florestal fraco, que não protege nossas matas e, em nome de pequenos agricultores, beneficia grandes desmatadores. Aqueles que saqueiam nosso patrimônio ambiental e destroem florestas apostando na impunidade hoje estão felizes”, afirmou Márcio Astrini, coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace.

“Há algumas semanas, a presidente Dilma escreveu um bilhete à nação, dizendo que não concordava com o texto que foi aprovado. Agora ela precisa fazer valer sua palavra e vetar essa MP que saiu do Congresso”, completou Astrini.

Em uma curta sessão plenária, por pouco a MP não obeteve aprovação unânime. Dos 61 senadores presentes, apenas Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Roberto Requião (PMDB-PR) e Lindbergh Farias (PT-RJ) declararam sua posição contrária ao tratoraço ruralista.

Randolfe Rodrigues foi enfático ao mostrar que muitas das mudanças feitas no texto que veio da presidente Dilma irão piorar a situação florestal do país. O Senador lembrou que “as APP’s (Áreas de Preservação Permanente) são responsáveis pela manutenção da saúde de nossos rios e nascentes. Essa matéria é um desastre para o meio ambiente.”

A MP segue agora para a sanção presidencial. A presidente Dilma Rousseff se disse contrária ao acordo feito entre os parlamentares para que fosse realizada a votação da matéria antes que perdesse sua validade, em 8 de outubro. No entanto, não houve qualquer esforço da parte do Planalto para reverter o quadro de destruição de uma das legislações mais importantes do Brasil.

“Nem mesmo os últimos dados de desmatamento, que apontam um crescimento de mais de 200% em relação ao mesmo período do ano anterior, foram suficientes para frear a sanha ruralista sobre nossas florestas. O caminho agora é aprovar a lei do Desmatamento Zero no Brasil. A proposta de lei de iniciativa popular é uma alternativa aos cidadãos que não concordam com a posição daqueles que deveriam os representar no Congresso Nacional”, concluiu Márcio Astrini.

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http://amazonia.org.br/2012/09/congresso-sentencia-fim-das-florestas/

Eduardo Viveiros de Castro: “Outros valores, além do frenesi de consumo”

Por , 23/09/2012 15:13
 

Eduardo Viveiros de Castro dispara: iludido por noção ultrapasada de progresso, Brasil pode desperdiçar oportunidade única de propor novo modelo civilizatório

Entrevista a Júlia Magalhães

“É preciso insistir no fato de que é possível ser feliz sem o frenesi de consumo que a mídia nos impõe”, reafirma o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro à jornalista Júlia Magalhães. Para ele, assim como para Fernando Meirelles e Ricardo Abramovay – primeiros entrevistados da sério Outra Política – a felicidade pode ter outros caminhos. O novo diálogo é parte da série que o Instituto Ideafix produziu por encomenda do IDS (Instuto Democracia e Sustentabilidade), e que o site publica na seção especial “Outra Política“.

Pesquisador e professor de antropologia do Museu Nacional (UFRJ) e sócio fundador do Instituto Socioambiental (ISA), Viveiros insiste em que só pela educação avançaremos rumo a uma sociedade mais democrática. “A falta de educação é o nó cego responsável por esse conservadorismo reacionário de boa parte da população”, diz ele. Vai além: arrisca dizer que haveria uma conspiração para impedir os brasileiros de ter acesso a educação ou conexão à internet de qualidade – conquistas que permitiriam ampliar o acesso a produtos e bens culturais.

Ainda como Meirelles e Abramovay, Viveiros insiste em políticas que reduzam a desigualdade e favoreçam novos padrões de consumo. “É um absurdo afirmar que produzir mais carros é sinal de pujança, utilizar esse dado como indicador de melhoria econômica.”

Para o antropólogo, a mobilização pelas causas ambientais é importante, mas ainda está longe de corresponder à gravidade do problema. É preciso ampliar o universo dos que se preocupam, lembrar “que saneamento básico, dengue e lixo são problemas ambientais”. Viveiros está alarmado: “as pessoas fingem não saber o que está acontecendo, mas o fato é que temos que nos preparar para o pior”. O raciocínio é semelhante ao de Fernando Meirelles, diretor de Ensaio sobre a Cegueira: “Apenas cegos, cínicos ou oportunistas recusam-se a enxergar”.

Diferentemente de Abramovay – que vê germinar um trabalho sério nas empresas e acredita que a sociedade terá força e atitude para impor limites à iniciativa privada –, Viveiros de Castro considera que as corporações não são capazes de ir além do “capitalismo verde”, fingindo responsabilidade social e ambiental. Os dois se alinham, contudo, na esperança depositada nas redes sociais como canais de expressão, opinião, colaboração e mobilização.

“Não existe um rumo Brasil”, alerta Viveiros de Castro, ao falar sobre a fratura que marca a sociedade brasileira contrapondo as forças vivas do autoritarismo e do racismo aos setores que buscam a inovação. “O Brasil é um país escravocrata, racista, que não fez reforma agrária, e precisa fazê-la”, diz.

Não por coincidência, dissse o mesmo, há pouco, Mano Brown, em vídeo gravado na Ocupação Mauá, centro de São Paulo. “O Brasil está em transição, não sabe se é um país moderno ou se está ainda em 1964. Tem uma geração de direita ainda viva – Kassab é de direita, Alckmin é de direita – que tem um modus operandi dos caras da antiga, de usar a força, o poder.” A seguir, a entrevista (Inês Castilho).

Qual é sua percepção sobre a participação política do brasileiro?

Preferiria começar por uma desgeneralização: vejo a sociedade brasileira como profundamente dividida no que concerne à sua visão do país e do futuro. A ideia de que existe um Brasil, no sentido não-trivial das ideias de unidade e de brasilidade, parece-me uma ilusão politicamente conveniente (sobretudo para os dominantes) mas antropologicamente equivocada. Existem no mínimo dois, e, a meu ver, bem mais Brasis. O conceito geopolítico de Estado-nação unificado não é descritivo, mas prescritivo. Há fraturas profunda na sociedade brasileira. Há setores da população com uma vocação conservadora imensa; eles não integram necessariamente uma classe específica, embora as chamadas “classes médias”, ascendentes ou descendentes, estejam bem representadas ali. Grande parte da chamada sociedade brasileira — a maioria, infelizmente, temo — se sentiria muito satisfeita sob um regime autoritário, sobretudo se conduzido mediaticamente pela autoridade paternal de uma personalidade forte. Mas isso é uma daquelas coisas que a minoria libertária que existe no país, ou mesmo uma certa medioria “progressista”, prefere manter envolta em um silêncio embaraçado. Repete-se a todo e a qualquer propósito que o povo brasileiro é democrático, “cordial”, amante da liberdade, da igualdade e da fraternidade – o que me parece uma ilusão muito perigosa. É assim que vejo a “participação política do povo brasileiro”: fraturada, dividida, polarizada, uma polarização que não está necessariamente em harmonia com as divisões politicas oficiais (partidos etc.). O Brasil permanece uma sociedade visceralmente escravocrata, renitentemente racista, e moralmente covarde. Enquanto não acertarmos contas com esse inconsciente, não iremos “para a frente”. Em outros momentos, é claro, soluços insurreicionais esporádicos, e uma certa indiferença pragmática em relação aos poderes constituídos, que se testemunha sobretudo entre os mais pobres, ou os mais alheios ao teatro montado pelo andar de cima, inspiram modestas utopias e moderados otimismos por parte daqueles que a historia colocou na confortável posição de “pensar o Brasil”. Nós, em suma.

O que é preciso para mudar isso?

Falar, resistir, insistir, olhar por cima do imediato – e, evidentemente, educar. Mas não “educar o povo”, como se a elite fosse muito educada e devêssemos (e pudéssemos) trazer o povo para um nível superior; mas sim criar as condições para que o povo se eduque e acabe educando a elite, quem sabe até livrando-se dela. A paisagem educacional do Brasil de hoje é a de uma terra devastada, um deserto. E não vejo nenhuma iniciativa consistente para tentar cultivar esse deserto. Pelo contrário: chego a ter pesadelos conspiratórios de que não interessa ao projeto de poder em curso modificar realmente a paisagem educacional do Brasil: domesticar a força de trabalho, se é que é isso mesmo que se está sinceramente tentando (ou planejando), não é de forma alguma a mesma coisa que educar.
Isto é só um pesadelo, decerto: não é assim, não pode ser assim, espero que não seja assim. Mas fato é que não se vê uma iniciativa de modificar a situação. Vê-se é a inauguração bombástica de dezenas de universidades sem a mínima infra-estrutura física (para não falar de boas bibliotecas, luxo quase impensável no Brasil), enquanto o ensino fundamental e médio permanecem grotescamente inadequados, com seus professores recebendo uma miséria, com as greves de docentes universitários reprimidas como se eles fossem bandidos. A “falta” de instrução — que é uma forma muito particular e perversa de instrução imposta de cima para baixo — é talvez o principal fator responsável pelo conservadorismo reacionário de boa parte da sociedade brasileira. Em suma, é urgente uma reforma radical na educação brasileira.
“A floresta e a escola”, sonhava Oswald de Andrade. Infelizmente, parece que deixaremos de ter uma e ainda não teremos a outra. Pois sem escola, aí é que não sobrará floresta mesmo.

Por onde começaria a reforma na educação?

Começaria por baixo, é lógico, no ensino fundamental – que continua entregue às moscas. O ensino público teria de ter uma política unificada, voltada para uma – com perdão da expressão – “revolução cultural”. Não adianta redistribuir renda (ou melhor, aumentar a quantidade de migalhas que caem da mesa cada vez mais farta dos ricos) apenas para comprar televisão e ficar vendo o BBB e porcarias do mesmo quilate, se não redistribuímos cultura, educação, ciência e sabedoria; se não damos ao povo condições de criar cultura em lugar de apenas consumir aquela produzida “para” ele. Está havendo uma melhora do nível de vida dos mais pobres, e talvez também da velha classe média – melhora que vai durar o tempo que a China continuar comprando do Brasil e não tiver acabado de comprar a África. Apesar dessa melhora no chamado nível de vida, não vejo melhora na qualidade efetiva de vida, da vida cultural ou espiritual, se me permitem a palavra arcaica. Ao contrário. Mas será que é preciso mesmo destruir as forças vivas, naturais e culturais, do povo, ou melhor, dos povos brasileiros para construir uma sociedade economicamente mais justa? Duvido.

Nesse cenário, quais os temas capazes de mobilizar a sociedade brasileira, hoje?

Vejo a “sociedade brasileira” imantada, pelo menos no plano de sua auto-representação normativa por via da midia, por um ufanismo oco, um orgulho besta, como se o mundo (desta vez, enfim) se curvasse ao Brasil. Copa, Olimpíadas… Não vejo mobilização sobre temas urgentíssimos, como esses da educação e da redefinição de nossa relação com a terra, isto é, com aquilo que está por baixo do território. Natureza e Cultura, em suma, que hoje não apenas se acham mediadas, mediatizadas pelo Mercado, mas mediocrizadas por ele. O Estado se aliou ao Mercado, contra a Natureza e contra a Cultura.

Esses temas ainda não mobilizam?

Existe alguma preocupação da opinião pública com a questão ambiental, um pouco maior do que com a educacional – o que não deixa de ser para se lamentar, pois as duas vão juntas. Mas tudo me parece “too little, too late”: muito pouco, e muito tarde. Está demorando tempo demais para se espalhar a consciência ambiental, o sentido de urgência absoluta que a situação do planeta impõe a todos nós. Essa inércia se traduz em pouca pressão sobre os governos, as corporações, as empresas – estas investindo cada vez mais na historia da carochinha do “capitalismo verde”. E pouca pressão sobre a grande imprensa, suspeitamente lacônica, distraída e incompetente quando se trata da questão das mudanças climáticas.

Não se vê a sociedade realmente mobilizada, por exemplo, por Belo Monte, uma monstruosidade provada e comprovada, mas que tem o apoio desinformado (é o que se infere) de porções significativas da população do Sul e Sudeste, para onde irá boa parte da energia que não for vendida a preço de banana paras as multinacionais do alumínio fazerem latinha de sakê, no baixo Amazonas, para o mercado asiático. Faz falta um discurso politico mais agressivo em relação à questão ambiental. É preciso sobretudo falar aos povos, chamar a atenção de que saneamento básico é um problema ambiental, dengue é problema ambiental, lixão é problema ambiental. Não é possível separar desmatamento de dengue e de saneamento básico. É preciso convencer a população mais pobre de que melhorar as condições ambientais é garantir as condições de existência das pessoas. Mas a esquerda tradicional, como se está comprovando, mostra-se completamente despreparada para articular um discurso sobre a questão ambiental. Quando suas cabeças mais pensantes falam, tem-se a sensação de que estão apenas “correndo atrás”, tentando desajeitadamente capturar e reduzir ao já-conhecido um tema novo, um problema muito real que não estava em seu DNA ideológico e filosófico. Isso quando ela, a esquerda, não se alinha com o insustentável projeto ecocida do capitalismo, revelando assim sua comum origem com este último, lá nas brumas e trevas da metafísica antropocêntrica do Cristianismo.

Enquanto acharmos que melhorar a vida das pessoas é dar-lhes mais dinheiro para comprarem uma televisão, em vez de melhorar o saneamento, o abastecimento de água, a saúde e a educação fundamental, não vai dar. Você ouve o governo falando que a solução é consumir mais, mas não vê qualquer ênfase nesses aspectos literalmente fundamentais da vida humana nas condições dominantes no presente século.

Não se diga, por suposto, que os mais favorecidos pensem melhor e vejam mais longe que os mais pobres. Nada mais idiota do que esses Land Rovers que a gente vê a torto e a direito em São Paulo ou no Rio, rodando com plásticos do Greenpeace e slogans “ecológicos” colados nos pára-brisas. Gente refestelada nessas banheiras 4×4 que atravancam as ruas e bebem o venenoso óleo diesel, gente que acha que “contato com a natureza” é fazer rally no Pantanal…

É uma situação difícil: falta instrução básica, falta compromisso da midia, falta agressividade política no tratar da questão do ambiente — isso quando se acha que há uma questão ambiental, o que está longe de ser o caso de nossos atuais Responsáveis. Estes mostram, ao contrário e por exemplo, preocupação em formar jovens que dirijam com segurança, e assim ao mesmo tempo mantêm sua aposta firme no futuro do transporte por carro individual numa cidade como São Paulo, em que não cabe nem mais uma agulha. Um governo que não se cansa de arrotar grandeza sobre a quantidade de veiculos produzidos por ano. É um absurdo utilizar os números da produção de veiculos como indicador de prosperidade econômica. Isso é uma proposta podre, uma visão tacanha, um projeto burro de país.

Você está dizendo que muitos apelos ao consumo vêm do próprio governo. Mas também há um apelo muito grande que vem do mercado. Como você avalia isso?

O Brasil é um país capitalista periférico. O capitalismo industrial-financeiro é considerado por quase todo mundo hoje como uma evidência necessária, o modo incontornável de um sistema social sobreviver no mundo de hoje. Entendo, ao contrário de alguns companheiros de viagem, que o capitalismo sustentável é uma contradição em termos, e que se nossa presente forma de vida econômica é realmente necessária, então logo nossa forma de vida biológica, isto é, a espécie humana, vai-se mostrar desnecessária. A Terra vai favorecer outras alternativas.

A ideia de crescimento negativo, ou de objeção ao crescimento, a ética da suficiência são contraditórias com a lógica do capital. O capitalismo depende do crescimento contínuo. A ideia manutenção de um determinado patamar de equilíbrio na relação de troca energética com a natureza não cabe na matriz econômica do capitalismo.

Esse impasse, queiramos ou não, vai ser “solucionado” pelas condições termodinâmicas do planeta em um período muito mais curto do que imaginávamos. As pessoas fingem não saber o que está acontecendo, preferem não pensar no assunto, mas o fato é que temos que nos preparar para o pior. E o Brasil, ao contrário, está sempre se preparando para o melhor. O otimismo nacional diante de uma situação planetária para lá de inquietante é extremamente perigoso, e a aposta de que vamos nos dar bem dentro do capitalismo é algo ingênua, se é que não é, quem sabe, desesperada.. O Brasil continua sendo um país periférico, uma plantation relativamente high tech que abastece de produtos primários o capitalismo central. Vivemos de exportar nossa terra e nossa água em forma de soja, açúcar, carne, para os países industrializados – e são eles que dão as cartas, controlam o mercado. Estamos bem nesse momento, mas de forma alguma em posição de controlar a economia mundial. Se mudar um pouco para um lado ou para o outro, o Brasil pode simplesmente perder esse lugar à janela onde está sentado hoje. Sem falar, é claro, no fato de que estamos vivendo uma crise econômica mundial que se tornou explosiva em 2008 e está longe de acabar; ninguém sabe onde ela vai parar. O Brasil, nesse momento da crise, está em uma espécie de contrafluxo do tsunami, mas quando a onda quebrar vai molhar muita gente. Essas coisas têm de ser ditas.

E como você avalia a relação dessa realidade macropolítica, macroeconômica, com as realidades do Brasil rural, dos ribeirinhos, dos indígenas?

O projeto de Brasil que tem a presente coalizão governamental sob o comando do PT é um no qual ribeirinhos, índios, camponeses, quilombolas são vistos como gente atrasada, retardados socioculturais que devem ser conduzidos para um outro estágio. Isso é uma concepção tragicamente equivocada. O PT é visceralmente paulista, seu projeto é uma “paulistanização” do Brasil. Transformar o interior do país numa fantasia country: muita festa do peão boiadeiro, muito carro de tração nas quatro, muita música sertaneja, bota, chapéu, rodeio, boi, eucalipto, gaúcho. E do outro lado cidades gigantescas e impossíveis como São Paulo. O PT vê a Amazônia brasileira como um lugar a se civilizar, a se domesticar, a se rentabilizar, a se capitalizar. Esse é o velho bandeirantismo que tomou conta de vez do projeto nacional, em uma continuidade lamentável entre as geopolítica da ditadura e a do governo atual. Mudaram as condições políticas formais, mas a imagem do que é uma civilização brasileira, do que é uma vida que valha a pena ser vivida, do que é uma sociedade que esteja em sintonia consigo mesma, é muito, muito parecida. Estamos vendo hoje, numa ironia bem dialética, o governo comandado por uma pessoa perseguida e torturada pela ditadura realizando um projeto de sociedade encampado e implementado por essa mesma ditadura: destruição da Amazônia, mecanização, transgenização e agrotoxificação da “lavoura”, migração induzida para as cidades. Por trás de tudo, uma certa ideia de Brasil que o vê, no início do século XXI, como se ele devesse ser o que os Estados Unidos foram no século XX. A imagem que o Brasil tem de si mesmo é, sob vários aspectos, aquela projetada pelos Estados Unidos nos filmes de Hollywood dos anos 50 – muito carro, muita autoestrada, muita geladeira, muita televisão, todo mundo feliz. Quem pagava por tudo isso éramos, entre outros, nós. (Quem nos pagará, agora? A África, mais uma vez? O Haiti? A Bolivia?). Isso sem falarmos na massa de infelicidade bruta gerada por esse modo de vida para seus beneficiários mesmo.

É isso que vejo, uma tristeza: cinco séculos de abominação continuam aí. Sarney é um capitão hereditário, como os que vieram de Portugal para saquear e devastar a terra dos índios. O nosso governo dito de esquerda governa com a permissão da oligarquia e dos jagunços destas para governar, ou seja, pode fazer várias coisas desde que a parte do leão continue com ela. Toda vez que o governo ensaia alguma medida que ameace isso,o congresso, eleito sabe-se como, breca, a imprensa derruba, o PMDB sabota.

Há uma série de impasses para os quais não vejo saída, não vejo como sair por dentro do jogo político tradicional, com as presentes regras – vejo mais como sendo possível pelo lado do movimento social. Este está desmobilizado; se não está, o que mais se ouve é que ele está. Mas se não for por via do movimento social, vamos continuar vivendo nesse paraíso subjuntivo, aquele em que um dia tudo vai ficar ótimo. O Brasil é um país dominado politicamente por grandes proprietários e grandes empreiteiros, que não só nunca fez sua reforma agrária, como onde se diz que já não é mais preciso fazê-la.

Você acha que as coisas vão começar a mudar quando chegarem a um limite?

A crise econômica mundial vai provavelmente pegar o Brasil no contrapé em algum momento próximo. Mas o que vai acontecer com certeza é que o mundo todo vai passar por uma transição ecológica, climática e demográfica muito intensa nos próximos 50 anos, com epidemias, fomes, secas, desastres, guerras, invasões. Estamos vendo as condições climáticas mudarem muito mais aceleradamente do que imaginávamos, e é grande a possibilidade de catástrofes, de quebras de safras, de crises de alimentos. Por ora, hoje, isso está até beneficiando o Brasil. Mas um dia a conta vai chegar. Os climatologistas, os geofísicos, os biólogos e os ecólogos estão profundamente pessimistas quanto ao ritmo, as causas e as consequências da transformação das condições ambientais em que se desenvolve hoje a vida da espécie. Porque haveria eu de estar otimista?

Penso que é preciso insistir que é possível ser feliz sem se deixar hipnotizar por esse frenesi de consumo que a mídia nos impõe. Não sou contra o crescimento econômico no Brasil, não sou idiota a ponto de achar que tudo se resolveria distribuindo a grana do Eike Batista entre os camponeses do semi-árido nordestino ou cortando os subsídios aos clãs político-mafiosos que governam o país. Não que isso não fosse uma boa ideia. Mas sou contra, isso sim, o crescimento da “economia” mundial, e sou a favor de uma redistribuição das taxas de crescimento. Sou também obviamente a favor de que todos possam comprar uma geladeira, e, por que não, uma televisão — mas sou a favor de que isso envolva a máxima implementação das tecnologias solar e eólica. E teria imenso prazer em parar de andar de carro se pudéssemos trocar esse meio absurdo de transporte por soluções mais inteligentes.

E como você vê o jovem nesse contexto?

É muito difícil falar de uma geração à qual não se pertence. Na década de 60 tínhamos ideias confusas mas ideais claros, achávamos que podíamos mudar o mundo, e sabíamos que tipo de mundo queríamos. Acho que, no geral, os horizontes utópicos se retraíram enormemente.

Algum movimento recente no Brasil ou no mundo chamou sua atenção?

No Brasil, a aceleração da difusão do que podemos chamar de cultura agro-sulista, tanto à direita como à esquerda, pelo interior do país. Vejo isso como a consumação do projeto de branqueamento da nacionalidade, esse modo muito peculiar da elite dominante acertar suas contas com o próprio passado (passado?) escravista. Outra mudança importante foi a consolidação de uma cultura popular ligada ao movimento evangélico. O evangelismo das igrejas universais do reino de Deus e congêneres está evidentemente associado à religião do consumo, aliás.

E como você vê o surgimento das redes sociais, nesse contexto?

Isso é uma das poucas coisas com que estou bastante otimista: o relativo e progressivo enfraquecimento do controle total das mídias por cinco ou seis grandes grupos. Esse enfraquecimento está acontecendo com a proliferação das redes sociais, que são a grande novidade na sociedade brasileira e que estão contribuindo para fazer circular um tipo de informação que não tinha trânsito na imprensa oficial, e permitindo formas de mobilização antes impossíveis. Há movimentos inteiramente produzidos dentro das redes sociais, como a marcha contra a homofobia, o churrasco da “gente diferenciada” em Higienópolis, os vários movimentos contra Belo Monte, a mobilização pelas florestas. As redes são nossa saída de emergência para a aliança mortal entre governo e mídia. São um fator de desestabilização, no melhor sentido da palavra, do arranjo de poder dominante. Se alguma grande mudança no cenário político brasileiro vier a acontecer, creio que vai passar por essa mobilização das redes.

Por isso se intensificam as tentativas de controlar essas redes por parte dos poderes constituídos – isso no mundo inteiro. Pelo controle ao acesso ou por instrumentos vergonhosos, como o “projeto” brasileiro de banda larga, que começa pelo reconhecimento de que o serviço será de baixa qualidade. Uma decisão tecnolotica e política antidemocrática e antipopular, equivalente ao que se faz com a educação: impedir que a população tenha acesso pleno à circulação cultural. Parece mesmo, às vezes, que há uma conspiração para impedir que os brasileiros tenham uma educação boa e acesso de qualidade à internet. Essas coisas vão juntas e têm o mesmo efeito, que é o aumento da inteligência social, algo que, pelo jeito, é preciso controlar com muito cuidado.

Você imagina um novo modelo político?

Um amigo que trabalhava no ministério do Meio Ambiente na época de Marina Silva me criticava dizendo que essa minha conversa de ficar longe do Estado era romântica e absurda, que tínhamos que tomar o poder, sim. Eu respondia que, se tínhamos de tomar o poder, era preciso saber manter o poder depois, e era aí que a coisa pegava. Não tenho um desenho político para o Brasil, não tenho a pretensão de saber o que é melhor para o povo brasileiro em geral e como um todo. Só posso externar minhas preocupações e indignações, e palpitar, de verdade, apenas ali onde me sinto seguro. Penso, de qualquer forma, que se deve insistir na ideia de que o Brasil tem – ou, a essa altura, teria – as condições ecológicas, geográficas, culturais de desenvolver um novo estilo de civilização, um que não seja uma cópia empobrecida do modelo americano e norte-europeu. Poderíamos começar a experimentar, timidamente que fosse, algum tipo de alternativa aos paradigmas tecno-econômicos desenvolvidos na Europa moderna. Mas imagino que, se algum país vai acabar fazendo isso no mundo, será a China. Verdade que os chineses têm 5000 anos de historia cultural praticamente continua, e o que nós temos a oferecer são apenas 500 anos de dominação europeia e uma triste historia de etnocídio, deliberado ou não. Mesmo assim, é indesculpável a falta de inventividade da sociedade brasileira, pelo menos das suas elite políticas e intelectuais, que perderam várias ocasiões de se inspirarem nas soluções socioculturais que os povos brasileiros historicamente ofereceram, e de assim articular as condições de uma civilização brasileira minimamente diferente dos comerciais de TV. Temos de mudar completamente, para começar, a relação secularmente predatória da sociedade nacional com a natureza, com a base físico-biológica da própria nacionalidade. E está na hora de iniciarmos uma relação nova com o consumo, menos ansiosa e mais realista diante da situação de crise atual. A felicidade tem muitos caminhos.
http://www.outraspalavras.net/2012/09/20/outros-valores-alem-do-frenesi-de-consumo/.
Compartilhada por Neyla Mendes.