quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O planeta não precisa de mais "pessoas de sucesso"


O planeta precisa desesperadamente de mais pacificadores, curadores, restauradores, contadores de histórias e amantes de todo tipo. 

Precisa de pessoas que vivam bem nos seus lugares. 

Precisa de pessoas com coragem moral dispostas a aderir à luta para tornar o mundo habitável e humano..., 

... e essas qualidades têm pouco a ver com o sucesso tal como a nossa cultura o tem definido." 

Dalai Lama

Por que os 'black blocks' ajudam governos

gilberto dimenstein

29/10/2013 - 08h46  DE SÃO PAULO

Os 'black blocks' justificam sua violência como arma contra governos e os poderosos _ daí atacarem prédios públicos e o que eles presumem ser símbolos do poder econômico.


Na prática, porém, eles se prestam como ajudantes dos poderosos, especialmente dos governantes. Por mais estranho que isso possa soar.

Basta ver a pesquisa Datafolha divulgada no domingo _ e não restará dúvida sobre o efeito involuntário desse grupo.

A pesquisa mostrou como a violência se confunde com as manifestações pacíficas por melhores condições de vida _ e, com as imagens da selvageria, as manifestações perdem apoio. De resto, muita gente deixa de protestar pacificamente para não se meter em confusão.

Quem ganha com isso?


Os poderosos, claro. 

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Opinião: 'Black bloc' visa chamar atenção de um Estado ausente

17/10/2013 - 03h45

ESTHER SOLANO e RAFAEL ALCADIPANI

ESPECIAL PARA A FOLHA

O "black bloc" acontece nas ruas. Esta afirmação aparentemente elementar nos motivou a sair de nossos cômodos ambientes universitários e ir para a rua buscar compreender este complexo fenômeno social que tantos desafios institucionais e tanta estupefação têm ocasionado na sociedade.

Nossa rotina de pesquisa consiste em acompanhar muito de perto as manifestações, observar, perguntar, conversar com pessoas que utilizam a tática "black bloc", policiais e membros da imprensa. Das conversas que tivemos, e das observações que realizamos, ficou claro que para estes jovens a violência simbólica funciona como uma forma de se expressar socialmente, um elemento provocador que tem o intuito de captar a atenção de um Estado percebido como totalmente ausente.

O uso da violência simbólica também serve, na versão deles, para induzir a sociedade a refletir sobre a necessidade de uma mudança sistêmica: "protesto pacifico não adianta nada, só com violência que o governo enxerga nossa revolta", "a intenção é transgredir, incomodar, deixar visibilidade, chamar para um debate".

A ação direta se faz contra símbolos de um sistema político-corporativo que eles reconhecem como perverso.

Os jovens que utilizam a tática "black bloc" dizem usar uma violência teatral que chama a atenção para o que eles caracterizam como o verdadeiro vandalismo. Tal vandalismo seria uma ordem das coisas que engole o cidadão numa tirania continua.

Exemplos de frases que retratam isso são: "a causa do 'black bloc' agir é o descaso público. As pessoas estão sendo torturadas psicologicamente pelo cotidiano", "não somos vândalos, vândalo é o Estado que deixa as pessoas horas esperando na fila do SUS".

SUJEITOS POLÍTICOS

Estes jovens com os quais viemos conversando em São Paulo estão na faixa etária entre 17 e 25 anos.
São de classe média baixa, a maioria trabalha, alguns formados ou se formando em universidades particulares, embora já dialogamos também com alguns alunos da USP. Alguns acumulam leituras teóricas sobre anarquismo. A maioria deles consegue formular, refletir e dialogar fluidamente sobre a precariedade do Estado e da situação atual do Brasil. Pensam-se como sujeitos políticos com uma mensagem de melhoria do país. Todavia, eles não formam uma organização homogênea. Já presenciamos discussões, durante as manifestações, entre aqueles que são a favor de uma violência mais focada, estritamente simbólica, e aqueles que defendem uma ação mais pesada. Notamos divergências entre aqueles que são contra agredir policiais porque, na sua reflexão, o inimigo central é o Estado, e aqueles de cujas falas destila-se uma raiva profunda contra a corporação policial. Uma frase que explica isso foi dita uma vez por um jovem para quem "nem todo o mundo pensa igual embora se vista igual".

FETICHE MIDIÁTICO

Um dos aspectos que surge como central na nossa pesquisa é o papel da mídia neste fenômeno. É muito simbólico ver a enorme quantidade de jornalistas que aparecem nas ruas sempre que a tática é utilizada.
"Black bloc" virou um fetiche, uma construção midiática. Notamos isso ao perceber o quanto os órgãos de imprensa estão falando e escrevendo sobre o "black bloc".

Enquanto isso, pouco se fala a respeito das taxa de homicídios nas periferias ou o número de mortes no trânsito. Tais violências se naturalizaram no cotidiano brasileiro. O "black bloc" desmascarou esta lógica dual de tratar a violência.

Talvez o fenômeno mais preocupante até agora seja a polarização entre a Polícia Militar e os defensores da tática. O Estado, guardião da propriedade pública e privada, guardião da ordem, emprega uma ação policial cada vez mais dura e um aparato legal cada vez mais criminalizador. A consequência pode ser o aumento da presença da tática "black bloc" nas ruas, num efeito de reação. Como eles nos dizem:

"Quanto mais repressão, mais revolta".

Uma parte dos jovens com quem conversamos já foi detida durante as manifestações. Cabe agora saber se eles continuarão saindo às ruas mesmo com a ameaça de voltar para a delegacia, desta vez como reincidentes. E mesmo com a ameaça da lei de associação criminosa. A pergunta essencial que cabe, como sociedade, é por que estes jovens, que desprezam a rigidez hierárquica partidária, que não se sentem representados pelo atual modelo político e econômico, enxergam a violência como única possibilidade de expressão?


ESTHER SOLANO é professora de relações internacionais da Unifesp. RAFAEL ALCADIPANI é professor de estudos organizacionais da FGV-EASP 

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Teste de pragmatismo

Neopopulismo dá espaço a uma opção 'sonhática' mais razoável

12 de outubro de 2013 | 17h 36
Mônica Manir - O Estado de S. Paulo

Indeferida, Marina Silva enganchou sua rede no PSB. E agora estão todos a especular se Eduardo Campos continua no topo da chapa ou se entregará a vaga de presidenciável à nova parceira. Na cabeceira da mesa da sala, Carlos Guilherme Mota sorve o café feito por ele. Diz que parece um café turco, porque consegue ver o pó no fundo. Mas não parece preocupado em ler a sina de uma aliança que chacoalhou o cenário político brasileiro. Está mais ansioso por perfilar os personagens em cena e levantar uniões que pouco contribuíram para modernizar a sociedade brasileira. "Vivemos um clima de barbárie, com as categorias sociais embrulhadas num vazio mental."

No verso de uma folha, o historiador tica o que deseja pontuar: grã-burguesia deseducada, partidos sem ideologia, nacional-desenvolvimentismo precário, crise do regime democrático. Traça setas, liga uma coisa a outra, num raciocínio enciclopédico sapecado de referências. No verso do papel, ele circula um trecho da quarta edição de História do Brasil - Uma Interpretação, que assina com a mulher, Adriana Lopez. A nova versão, atualizada, sai em julho pela Editora 34. Carlos Guilherme quase entrega o unhappy end. Tem a ver com o fim de um ciclo histórico após a visita de Lula a Maluf durante a campanha de Fernando Haddad para a Prefeitura de São Paulo, algo envolvendo "república de coalizões estapafúrdias". Depois daquele encontro, escreve ele, ficaram para trás as esperanças de efetiva e sólida renovação político-social. Já sobre o enlace Marina-Campos, o historiador quer abrir um capítulo. Na entrevista a seguir, feita no seu apartamento na Oscar Freire, "nossa 5ª Avenida com casa grande e senzala", ele arrisca os primeiros parágrafos.

A aliança de Marina Silva com Eduardo Campos foi chamada de ‘golpe de mestre’. O senhor concorda com essa avaliação?

CARLOS GUILHERME MOTA - Marina não me parece ter uma biografia ligada a golpes. Não faz parte do perfil e da trajetória dela. E não estou seguro se caberia na de Eduardo Campos, porque ele tem uma genealogia respeitável. Ninguém é neto de Miguel Arraes impunemente, assim como ninguém é neto de Tancredo Neves impunemente. Então respeite-se a visão avoenga da história. No caso da Marina, ela foi braço direito, cria, amiga e interlocutora de Chico Mendes. Ou seja, descarto essa hipótese do golpe.

Como chamaríamos então essa aproximação surpreendente?

CARLOS GUILHERME MOTA - Vivemos e assistimos à crise de um regime em que as parcerias fazem parte do jogo político. Elas se dão num patamar inesperado, mas são, do ponto de vista histórico, bastante apreciáveis. Marina tem a tradição de movimentar e pensar as classes populares. Campos esboça contornos de projeto nacional - e que não vem dele apenas. Ele está num Estado importante, fala da principal capital do Nordeste, cuja tradição histórica vem de 1817, 1818, 1824, 1848, depois a Revolução de 30, depois todo o movimento das ligas camponesas. Vem de um clima histórico-cultural que, além de Jarbas Vasconcelos, contou com seu avô, mas também com Gregório Bezerra. Enfim, ele sabe que tem história embaixo dele, com a qual não precisa concordar nem a ela aderir. E ele também tem interlocutores, alguns deles pernambucanos de muito valor, como Roberto Freire, afora sua circulação bem razoável no meio empresarial, inclusive em São Paulo.

Mas quem vai encabeçar a chapa para presidente no ano que vem? Um aceitaria o outro encabeçando?

CARLOS GUILHERME MOTA - Falar em rixa nessa altura, uma semana depois do anúncio da aliança, acho que fica um pouco absurdo. Eles estão numa aposta. O que vai acontecer, nenhum dos dois sabe, nem nós. Eu poderia ter imaginado dificuldades no relacionamento entre Collor e Itamar, por exemplo. Ou entre Serra e Índio da Costa. Quando falamos de junções, acho que o Serra fez um programa de índio de fato, e depois fica perguntando por que não deu certo. O Tancredo com o Sarney, outra junção estranha. O Lula procurando o Maluf na casa de Maluf, não o Maluf na casa de Lula. E Fernando Henrique com o Marco Maciel, um professor de direito civil com certa compostura, que não se exporia a ser vaiado em Frankfurt, como o foi o grande poeta Michel Temer. Mas Marco Maciel tinha como contrapeso o ACM. Então, do que estamos falando exatamente? Marina e Campos são pessoas dignas. Do que se pode verificar, não existem manchas nas respectivas biografias. Já o caso do Caiado mostra que há choques anafiláticos, e nós vamos assistir a muitos outros assim. Mas não entre Marina e Campos, possivelmente.

A opção de Marina foi essencialmente pragmática?

CARLOS GUILHERME MOTA - Mais que pragmática: maquiavélica. E como fugir de um maquiavelismo tendo em vista o que tem acontecido com os outros partidos, com exceção do PSOL, daqueles mais à esquerda, inclusive de certos militantes do PT que querem acabar com a política de balcão? Nesse quadro, não estamos falando de política de balcão, nem de uma terceira via. Uma terceira via mais nítida seria ela se juntar ao PPS. Mas seguramente ela fez essa análise com muita mais cuidado do que imaginamos.

Acha que a aparente fragilidade dela, de alguma forma, chama votos?

CARLOS GUILHERME MOTA - O que temo na Marina é sua saúde messiânica, sobretudo quando ela olha para o céu. Ao mesmo tempo, durante a campanha em que obteve 20 milhões de votos, mais de uma vez ela disse que a questão religiosa estava à parte. Marina vai ter de se mostrar pragmática nisso e em outras questões, como as células-tronco, o aborto, porque os marqueteiros do outro lado vão provocá-la.

Se os marqueteiros a provocarem, seus clientes também serão provocados...

CARLOS GUILHERME MOTA - Aí todos estarão no fio da navalha. Esse, de fato, não seria um problema da Marina apenas. De qualquer forma, não seria muito pedir afirmação de laicidade do PSB.

Falando em marqueteiros, João Santana aposta na reeleição de Dilma já no primeiro turno devido à ‘antropofagia dos anões’. O que acha dessa previsão?

CARLOS GUILHERME MOTA - Em primeiro lugar, o João Santana deve entender dos anões porque esteve, ombro a ombro, com os aloprados. Em segundo, não consigo imaginá-lo como estadista à altura para estar no Aeroporto de Congonhas, num dia de crise, com Lula e Dilma pensando a República. Não vejo nele título para falar em nome da República, nem nele nem em nenhum marqueteiro. Numa sociedade em que há manipulação de massas, em que se tira dos documentos a ideia de luta de classes, o que é isso? É conversa de marqueteiro. Ficamos preocupados com a espionagem, e não com essa atuação nociva? Uma cultura que vive dos marqueteiros é uma cultura falida nas instituições principais, que são as escolas, os hospitais, as universidades, a Justiça.

Aécio Neves se apresentou como líder da oposição no Brasil. Ele o é, de fato?

CARLOS GUILHERME MOTA - Para ter uma liderança, precisa ter uma voz nacional bem formada, e ele tem alguma. Mas precisaria ter mais estrada. E precisaria ter um quadro de interlocutores em várias áreas. Não se ouve falar de equipe, senão dele sozinho, um pouco borboleteando por aí. E mesmo o legado da herança de Tancredo não é bem usado.

Ele não tem um bom marketing?

CARLOS GUILHERME MOTA - Seguramente, não tem. Mas acho que não é questão de marketing. Falta um interlocutor. O Juscelino, por exemplo, tinha o Pedro Nava, o Santiago Dantas, o Eduardo Portella, o Darcy Ribeiro, o Celso Furtado, uma constelação para pensar o Brasil. Com quem o Aécio de fato conversa?

Aécio quer a Presidência?

CARLOS GUILHERME MOTA - É uma pergunta tão profunda que só a namorada dele, agora esposa, pode responder. Eu não sei.

A política brasileira, no geral, é mais pragmática que programática?

CARLOS GUILHERME MOTA - Alguns conceitos das revoluções liberais, e mesmo socialistas, não atravessarão o Atlântico, já dizia Raimundo Faoro. Elas não chegarão ao Brasil. O liberalismo sempre foi uma ideia fora do lugar, como mostrou o Roberto Schwarz. Os socialismos que aqui chegaram, chegaram pela via stalinista em algum canto, depois superficialmente no pós-68 e não se adensaram em comunidades. O próprio PT hoje é um partido sem ideologia, como diz o Lincoln Secco, historiador petista muito competente e muito sério, militante inclusive.

O PT perdeu a ideologia ou tem outra hoje?

CARLOS GUILHERME MOTA - É a ideologia do neopopulismo, do nacional-desenvolvimentismo de araque. O projeto nacional-desenvolvimentista implica um plano em que o eixo econômico esteja bem definido. Não me parece que esteja definido, com um projeto histórico-cultural a ele associado e um projeto social que saia das prebendas e do assistencialismo.

E os demais partidos?

CARLOS GUILHERME MOTA - Os partidos já foram mais ideológicos e com melhor nível. Quando se discutia nacionalismo, havia nacionalismo de direita e de esquerda. Ou mesmo o trabalhismo, que não foi essa água de barrela em que se transformou o PT. Mas eu gostaria de colocar isso na moldura maior do esgotamento, da mesmice e do oportunismo de dois partidos: o PT e o PSDB. Eles polarizaram e polarizam para desmobilizar. O PSDB já veio desmobilizado porque conseguiu fazer as jogadas erradas nas horas erradas. E, com isso, o Fernando Henrique ficou falando sozinho. Você pode encontrar um Álvaro Dias no Paraná, mais três ou quatro que preciso fazer um esforço para lembrar, mas o esvaziamento é algo mortal para um partido. De outro lado tem o PT, de um autoritarismo desmobilizador, como diria o Michel Debrun, em cima dessa palavra horrenda que é o carisma. Se Lula sair candidato, Dilma dificilmente aguenta. E talvez o maior baque dessa aliança entre Marina e Campos tenha sido para Lula. Eu posso imaginar, no seu ABC, como deve ter sido descobrir que não era o grão-senhor do jogo.

Há carismas positivos?

CARLOS GUILHERME MOTA - Qualquer carisma é negativo para quem quer montar uma sociedade civil moderna e nova. Inclusive não posso ser simpático ao carisma da Marina, dentro da minha lógica. A sociedade precisa de líderes civis que se imponham pela formação, pela competência, pela capacidade de ver o conjunto, no sentido de aprofundar as relações democráticas. O carisma infantiliza. Pode-se dizer que o Bill Clinton tinha carisma? Não, era uma pessoa muito bem formada. O carisma do Obama tende a zero. É só um homem bem formado, casado com uma mulher bem formada. Merkel apenas sabe o que quer.

Que sociedade civil é a brasileira?

CARLOS GUILHERME MOTA - É uma cidadania machucada, com uma grã-burguesia deseducada. Em outros países, com aqueles financiamentos de universidades, de museus, de hospitais, a alta burguesia dá referência civilizadora. Não fica andando nesses Pajeros de vidro preto jogando latinhas de Coca na rua. Vivemos um clima de barbárie, com as categorias sociais embrulhadas, sem projetos sociais políticos e sociais claros. Não é uma sociedade sem terra, sem teto. É sem história e facilmente paternalizada. Há outra coisa grave nesse quadro: o vazio mental. Ele pode ser preenchido com qualquer coisa. Não por acaso se dá o avanço dos pentecostais. Onde estão as universidades formando quadros para a rede de escolas públicas? Estão no silêncio, no corporativismo, na ascensão da classe C de certa época que virou classe B nos quadros universitários. "Ganhei, subi, acomodei." Há uma nova classe média satisfeita na universidade, apesar dos salários não tão confortáveis. O ganho é em status, um statusinho.

As manifestações de rua estão mais para sonháticas ou para pragmáticas?


CARLOS GUILHERME MOTA - Eu traduziria "sonhar" por construir novas utopias. É preciso procurar novas utopias, porque sem isso nenhuma sociedade anda. Mas as manifestações de rua mostram que nossos conceitos não têm dado conta de explicar o que está acontecendo. Dizer que a água transbordou do leito do rio é precário. Tirando a espuma, o que tem embaixo é saúde, educação, transporte, segurança e ética. Tivemos o desfecho cambaio do mensalão e um propinoduto do PSDB não explicado até agora. Como a opinião pública pode reagir positivamente? Em outros países, em outros momentos, os advogados foram mobilizados para grandes causas. Na Revolução Francesa, nas revoluções inglesas do século 17, eles chegavam para malhar o regime antigo e construir um novo. Na época do Roosevelt, na crise de 29, os advogados criaram uma legislação nova. Aqui os advogados, cada vez que vêm, é para reforçar uma visão de D. João IV no século 17: "Nós devemos aprimorar a arte de protelar". No mundo luso-brasileiro, temos a tradição de nunca resolver a questão. E mais, dizia ele: "Governar é nomear". Enfim, não estamos bem na fotografia. 

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Outros tempos


Nos últimos anos, o exagero numa disputa política bipolar, em que cada lado se considera o bem absoluto na luta contra o mal absoluto, contaminou toda a sociedade brasileira e gerou um ambiente de discórdia no qual a mais simples divergência é julgada e condenada como uma grave traição. O debate político tornou-se estéril, pois todos gritam e ninguém escuta.

Qualquer atitude, decisão ou proposta é imediatamente vista como uma reação emocional, de ataque e defesa. Se alguém tem um projeto, uma ideia, um questionamento, é porque está atacando um dos lados, "rompeu" com o outro, está se vingando.

É grave quando essa bipolaridade penetra em serviços e procedimentos que deveriam ser públicos e isentos e os fazem sucumbir ao antigo preceito antirrepublicano: aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei. Dessa forma, o regime democrático é enfraquecido por dentro.

Mas, como diz o poeta, "amanhã há de ser outro dia". Podemos recuperar a política como atividade idealista, meio de realizar utopias, ambiente de disputas leais na busca de novos consensos capazes de unir (sem ter que fundir) os ideais da nação.

É necessário que cada um, principalmente as forças que se forjaram na bipolaridade, busque um realinhamento interno e uma revisão de seus princípios. Vale o que foi dito, nos últimos dias, por uma importante liderança do PT, o governador Tarso Genro: a disputa não é em torno do passado, mas voltada para o futuro.

É necessário, também, compreender que lutar pela democracia sob uma ditadura é bem diferente de defender a democracia na democracia. Pensemos em pessoas com histórico de luta pela democracia, como a presidente Dilma. Não seria ofensivo pedir-lhe que proceda de modo democrático? A democracia, nesse caso, é pressuposto básico, não temos que agir temendo que ela nos seja negada.
Da mesma forma, talvez seja inútil esperar atitude democrática de quem depende do autoritarismo e das decisões autocráticas, pois só nesse ambiente pode prosperar sua política ou seus negócios. Porém, mesmo a estes deve-se dar o benefício da dúvida e a margem para uma mudança que é sempre possível pois, como temos visto tantas vezes, o tempo e a vida são bons professores.

De todo modo, o Brasil fez nas ruas e faz todos os dias um apelo que precisa ser escutado: recolher as armas. O tempo mudou. De nada adianta soltar os cachorros, comer o fígado e outras expressões de uma política feita com ódio. Quanto a beijar e abraçar, é bom quando é sincero.
Houve um tempo em que vivíamos insultados sob a ditadura. É hora de nos sentirmos respeitados em nossa democracia.


Marina Silva Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na versão impressa da Página A2.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Inspiração de Marina é a ‘política de empates’ de Chico Mendes

By Rede Sustentabilidade, 10 de outubro de 2013

Exatamente 25 anos depois do assassinato do ativista ambiental Chico Mendes, a ex-ministra Marina Silva foi buscar nos ensinamentos do seu antigo líder e inspirador os fundamentos da estratégia que adotou ao se filiar ao PSB e se aliar à candidatura presidencial do governador de Pernambuco, Eduardo Campos. O movimento virou de ponta-cabeça o quadro da corrida presidencial e transformou numa grande incógnita a disputa pelo Palácio do Planalto em 2014. Só que suas bases não têm nada de secretas e foram lançadas por Chico Mendes ainda nos anos 70. Trata-se de uma adaptação para o cenário eleitoral da chamada “política dos empates”, uma estratégia largamente usada por Chico Mendes e por outro importante líder sindical do Acre Wilson Pinheiro.

A “política dos empates” foi a forma encontrada pelo grupo de Chico Mendes para impedir que madeireiros e fazendeiros do Acre praticassem desmatamento ilegal na região. Sem condições de enfrentar a força dos adversários, a estratégia era formar uma corrente humana, com as pessoas de mãos dadas, para impedir a passagem dos tratores. Dessa corrente faziam parte crianças, mulheres, idosos e os homens da comunidade. Chico e Wilson Pinheiro apostavam, com razão, que a perspectiva de uma tragédia impediria o avanço das máquinas. O impasse na situação era conhecido como “empate”. Mas, na verdade, tratava-se de uma vitória do grupo, que, apesar de sua fragilidade, impedia o desmatamento. Da tática ainda fazia parte passar a impressão para a opinião pública de que os ativistas estavam apenas se defendendo dos desmatadores, em vez de mostrar que se tratava de uma ação organizada contra adversários.

Agora, Marina bebeu dessa fonte para montar sua ação organizada. Sem conseguir legalizar a fundação do seu partido, a Rede, a ex-senadora se viu emparedada, mesmo estando em segundo lugar em todas as pesquisas de intenção de voto e depois de conseguir mais de 19 milhões de votos na eleição de 2010. Se aceitasse o convite de outra legenda para concorrer à Presidência, veria cair por terra seu discurso de pregar uma política diferente, sem arranjos de ocasião. Se não se filiasse, arremessaria pela janela um patrimônio eleitoral que dificilmente sobreviveria até a próxima votação.

Marina decidiu adotar o “empate” contra seus adversários. A situação política não lhe permitia ganhar, mas poderia proporcionar uma situação em que também não perderia. Aliada a Eduardo Campos, sem garantir sua candidatura presidencial, preserva o discurso do desprendimento em troca de um jeito novo de fazer política. Junto com o governador pernambucano, cria uma frente de dissidentes do governo petista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, garantindo algum tipo de coerência para se alinhar com o socialista. E se coloca diante da opinião pública como apenas reagindo a uma situação limite. Os tratores adversários passariam por cima de sua política. Marina montou, então, sua corrente de aliados para barrar a passagem dos adversários criando o “empate”.

A ex-senadora pode até ver adiado o sonho de chegar ao Palácio do Planalto, mas garantiu pontos importantes com a manobra. Seu grupo fica instalado dentro do PSB até conseguir as assinaturas necessárias para garantir sua criação formal. Ela também “empresta” seu cacife eleitoral para Eduardo Campos, viabilizando sua candidatura e lhe dando um fôlego que parecia impossível. O gesto lhe garante o papel de principal fiadora da campanha e o espaço que quiser no eventual governo do parceiro, caso ele se eleja. Ameaça diretamente PT e PSDB na tradicional polarização eleitoral das últimas disputas. E, se a candidatura de Campos naufragar, Marina já terá sua Rede montada para a disputa de 2018. Assim, o “empate” foi desenhado com perfeição. Resta saber que resposta o eleitor dará nas urnas para essa estratégia.

Marina já tinha usado o “empate” antes quando integrava o governo Lula. Sabendo que era impossível convencer o presidente a proibir o plantio de transgênicos no País, a então ministra do Meio Ambiente partiu para a resistência, com protestos organizados, pressão política e levantando hipótese de risco para a saúde. Não mudou a cabeça de Lula, mas a pressão serviu para barrar a aprovação do plantio, até hoje liberado a conta-gotas no Brasil. O movimento de agora da ex-senadora acabou surpreendendo governo, oposição e imprensa. Não deveria ser assim. Afinal, Marina joga pelo “empate” há quase trinta anos.


Por Marcelo de Moraes – Estado de S.Paulo

'De repente me vi numa situação parecida com a do Lula'

08 de outubro de 2013 | 19h 50

Daiene Cardoso e Eduardo Bresciani - O Estado de S. Paulo

Em entrevista exclusiva ao Estado, Marina Silva explica as razões para ter se filiado ao PSB e não esconde a mágoa do PT. Ela afirma que sua decisão tem semelhanças com o ousado movimento que Luiz Inácio Lula da Silva fez no final da década de 70, nas greves do ABC, e que culminaram na criação do PT. Confira os principais trechos:

Marina diz que 'coerência' a levou para o PSB


Influências sobre decisão

"O que me levou a essa coligação programática foi a coerência. Eu sempre disse que a Rede Sustentabilidade não estava aí na lógica da eleição pela eleição, que nós desejávamos era discutir propostas e ideias, mas acho que os sinais não eram suficientes. Nós já abdicamos das eleições de 2012. O que me fez pensar essa possibilidade, acompanhada pela maioria da executiva da Rede, foi a coerência com o que nós estamos nos propondo, de que nós queremos muito mais do que eleição. Analisamos o que mantinha coerência com a visão de que o que nos interessa é uma agenda estratégica para o Brasil. Em termos de candidatura posta com a qual podemos fazer um diálogo com alguma possibilidade de prosperar era o PSB. E o PSB foi um partido que entrou com a liminar na Justiça, que quando o ministro Roberto Amaral deu uma declaração bastante dura contra a Rede, o governador Eduardo Campos fez questão como presidente de fazer uma nota dizendo que a Rede tinha direito de se constituir como partido. Então, eu vi ali a disposição para o diálogo."

Sem foco no Planalto

Alguém me perguntou: é vingança? Eu disse: não, é uma sede muito grande de esperança. Geralmente a gente vê nos outros aquilo que está dentro da gente. Alguém que tem 20%, 16% ou 26%, se dispõe a esse gesto. Isso eu acho que tem algo que fala por si mesmo. Eu não preciso dizer que é desprendimento. Acho que é uma grande ambição, de que a política pode ser melhor, de que o Brasil possa ser melhor. É uma ambição saudável e que não vou abrir mão. Foi por ela que eu saí do PT, o que passei até a decisão de conversar com o Eduardo Campos e selarmos a aliança programática não chega nem perto do sofrimento que eu passei na decisão de sair do PT. É porque eu acredito que o sonho não pode parar. A história não para. Alguém tem que continuar. É engraçado que foi muito bom poder ficar recordando esses dias todos. Quando o Lula fez o movimento no ABC e quis transformar aquele movimento em um partido político foi muito incompreendido, pelo PMDB de luta, que dizia que iria dividir as oposições, pelos partidos marxistas leninistas que tentavam rotulá-lo de ser um partido de direita para fazer o jogo da direita e era rotulado pela direita de ser um partido de esquerda que era um perigo para o Brasil. E de uma forma diferente, sem a força do Lula, a estrutura sindical, de repente eu me vi numa situação de alguma forma parecida. Uns querendo rotular a Rede Sustentabilidade como um partido frágil e outros entendendo que de fato é um esforço para criar uma instituição que dialoga com esse novo sujeito político que está surgindo e outros dizendo que não é algo diferente, é como todos os partidos. Não é a mesma coisa. Tem muita gente que discorda do que eu fiz, está me criticando fortemente, mas compreendendo e respeitando, mas dentro da Rede. Nós estamos metabolizando, debatendo. A Rede não está se fundindo com o PSB, está fazendo uma aliança programática.

Desistência da candidatura

Qual é o problema? Não frusta porque as pessoas estavam frustradas com o que o TSE fez. Quem inviabilizou a possibilidade de a Rede ter a sua candidatura foram os cartórios reconhecidos pela Justiça Eleitoral. Não vamos deslocar o que aconteceu anteriormente ao que ocorreu posteriormente. A Rede sabe muito bem disso. A questão é, deveria ter ficado apenas dentro da Rede e não ter nenhuma incidência na conjuntura política do País, ou deveria ir para um partido, e o PPS dizia: façam a mesma filiação transitória e você tem a possibilidade de ser candidata, no meu entendimento, aí sim era dizer o mais importante era a candidatura pela candidatura, mas o mais importante é poder expor a proposta. Eu via que tinha uma torcida muito grande por uma coisa e por outra, ir para um partido para ser candidata ou me resignar na metáfora que eu fiz de ser a Madre Tereza de Calcutá da política. Eu ficaria no meu conforto e neste momento 99,9% das pessoas jovens da direção da Rede Sustentabilidade estariam felizes, teria sido uma atitude de anticandidatura e com certeza estariam dizendo que tudo que foi referenciado na plataforma Brasil que queremos, eu me omiti por vaidade, para preservar meu capital político e junto aos meus e de dar uma contribuição para o país. 
Eu me vi diante de uma situação que o Eduardo Gianetti diz que é de dilema, ou faz isso ou aquilo, ou vai para o recolhimento do conforto ou vai para um partido que mesmo com toda a narrativa nós podemos dizer que ela foi para uma sigla de aluguel. Era um dilema e eu tive que criar um trilema, e aí você elimina as duas possibilidades e cria uma terceira que não estava prevista por ninguém. Foi o que aconteceu. Não está previsível porque a lógica da política é: serei eu e o resto que está por aí, ninguém presta. E eu digo que tem muitas coisas dentro do PT, do PSDB, do PSB, do PPS, do PMDB. As pessoas tem o previsível porque não consideram outra possibilidade. Na conversa com o Eduardo, era muito claro para nós dois, eu não quero destruir ninguém, quero construir. Aí as pessoas dizem, vocês são a costela do Lula e eu até brinquei: a costela é uma coisa melhorada.

Decepção com o PT

Você me perguntou o que me decepciona, eu vou começar pelo que me emociona. O que me emociona no PT foi o PT ter cumprido de fato o que sinalizou na questão da justiça social, tirar 30 milhões de pessoas da extrema pobreza, que era uma promessa que o presidente Lula fazia de um jeito muito simples, no jeito dele, eu quero que as pessoas possam tomar café da manhã, almoçar e jantar, isso me emociona. Mas infelizmente o PT não foi capaz de entender que nós que fomos a força criativa, produtiva e livre que produziu um ato de mudança na década de 80 e chegou até aqui não poderíamos nos conformar com a repetição do sucesso, que é estar no poder. Isso foi aprisionando o poder nessa lógica de não conseguir ver as novas bandeiras, as novas utopias. Eu lutava muito para dizer que a sustentabilidade era a ideia cujo tempo chegou, de que era a atualização da utopia. Mas quando eu dizia isso, as pessoas achavam que eu estava querendo cacifar a minha agenda. Nas campanhas muitas pessoas diziam, você não pode aparecer, se não a gente perde voto, e eu me resignava, porque eu dizia, não quero atrapalhar. Eu me resignava porque eu dizia: não quero atrapalhar, quero que o PT ganhe, que o Lula ganhe. Só que chegou um tempo que eu comecei a ver que jamais eu ia fazer as pessoas se convencerem de que a utopia desse século que todo mundo está correndo atrás é o desenvolvimento sustentável, que é ressignificar as nossas bandeiras, ressignificar nossa utopia. Foi por isso o ato extremo de sair do PT e ir para o PV. Eu estou acreditando profundamente que o Eduardo pode dar uma contribuição para essa atualização. Nesse momento o peso está muito nos ombros dele.

Alianças regionais

As conversas que estavam postas nos Estados elas também vão participar de um processo de reelaboração e ressignificação. Porque se a aliança prospera, ela vai se adensando na direção de um novo caminho e uma nova maneira de caminhar.

Transferência de votos

Não acredito em transferência de voto porque o voto não é meu, o voto é do eleitor. E a gente tem que começar a respeitar o eleitor. Eu acho um desrespeito esse negócio de que você é dono dos votos de cidadãos e cidadãs conscientes. As pessoas votam em quem elas se convencem de votar. O eleitor, o cidadão, não quer ficar nessa posição de mero expectador, ele quer ser protagonista, autor, mobilizador. E isso ficou claro nas manifestações agora de junho. O pessoal entrou em crise, 'mas como é que tem esse bando de gente na rua e não foi um sindicato, não foi um partido, não foi a Marina, não foi o Lula'? Quem chamou foi o próprio cidadão porque ele é um novo sujeito politico, é autor, é mobilizador. É isso que temos que entender e cada vez mais vai ser assim. E vai ter que negociar com ele. Não vamos trata-lo como se ele tivesse uma atitude passiva. Tanto não tem que botou o Congresso para, envergonhadamente, enterrar a PEC 37. Botou o Congresso e o governo para, envergonhadamente, ressuscitar para em seguida matar a reforma política. Quem fez isso foi o cidadão. Ou a gente convence esse cidadão, de que essa proposta é boa para o Brasil, ou ele não vai dar o voto só porque a Marina está dizendo vote no Eduardo, no João, no Francisco ou na Maria. Vamos começar a respeitar o cidadão. Eu digo: não acredito em salvadores da pátria, eu acredito em homens e mulheres que se disponham a construir pátria. Eu não acredito que alguém propõe para um povo um destino, eu acredito em quem propõe um mundo melhor, construído por todos. É por isso que eu fiz esse gesto. E só Deus e o tempo dirão se foi para ajudar a mudar ou se foi para me vingar. E, se eu não tiver mais aqui, com certeza, como historiadora, eu ficarei feliz do mesmo jeito porque foi para construir.

Cabeça de chapa

Esse trabalho não é ele quem vai conseguir, numa aliança a gente tem que conseguir juntos. É um convencimento conjunto. Agora, para convencer os outros, a gente tem que ter o que dizer. E não só o que dizer, a gente tem que mostrar o que está fazendo. E é desse estar fazendo é que vamos mostrar muito mais pelo que fizemos do que pelo que dissermos. Mas a gente está só no começo, vamos começar o diálogo. Não tem nada impositivo. A Rede tem o seu programa, o PSB tem o seu programa, a Rede tem seus militantes, o PSB tem os seus militantes, e vamos nos comportar como um partido político. A história vai provar que o que aconteceu com a Rede Sustentabilidade é o maior paradoxo da política partidária brasileira. Tem partido que se legaliza dentro de uma pasta para tentar ganhar capilaridade social, com apoio inclusive do governo para já ter um ministério. Tem partido que tem capilaridade social, não quer um ministério para aumentar cada vez mais os gastos públicos e mesmo assim não consegue um registro legal. 

Eu não tenho como objetivo de vida ser a presidente da República, eu tenho como objetivo de vida um país melhor. Se para isso necessário for ser presidente da República, serei com a mesma alegria que faço como professora de história. Eu acho que as pessoas não entenderam que o meu gesto porque continuam não acreditando nisso que estou dizendo. Se o Eduardo se comprometer com essa agenda, se o Eduardo fizer um gesto de mudanças significativo que o Brasil precisa, eu não preciso ser vice dele, eu só preciso ser cabo eleitoral. Eu repito aquela história de que sábio são os que aprendem com os acertos dos outros. Estúpidos são aqueles que não aprendem nem com os seus acertos. O PT e o PSDB tem dois grandes acertos para aprender, serão estúpidos se não aprenderem com eles que podem fazer mais e melhor, podem fazer mais com sustentabilidade. Eu não tenho nenhum problema com isso se o Brasil for melhor, não tenho como objetivo de vida ser presidente do Brasil, tenho como objetivo de vida ter um país melhor.  

Marina Silva e Eduardo Campos geram fato novo

Análise
08 outubro, 2013
Sérgio Abranches

Surpresa, ousadia e movimentos que somam, em lugar de dividir, têm alto impacto na política. A maneira como Marina Silva respondeu à impugnação da Rede Sustentabilidade pelo TSE, e Eduardo Campos recebeu sua iniciativa, foi de alto impacto. Transformou-se imediatamente em um fato político com forte repercussão na mídia e na política.

Hoje os jornais estão cheios de reações e declarações de todas as lideranças relevantes, de todos os campos, de Lula e Dilma, de Aécio a Roberto Freire, só para mencionar as mais óbvias. Todos os analistas estão acompanhando com lupa os eventos e as reações, para tentar captar sinais que permitam antecipar os movimentos futuros com impacto político-eleitoral.

A decisão mexeu em todo o tabuleiro político-eleitoral, alterou os cálculos de todos os agentes e remexeu as expectativas em relação às possíveis chapas e coligações na disputa de 2014.

O tema da sustentabilidade entra na agenda eleitoral com esse movimento de Marina e Eduardo Campos, como desafio para eles mesmos e para os demais concorrentes na eleição. A maior novidade não é o gesto de Marina Silva, certamente singular na história política recente do país. A maior novidade é estar em negociação uma coligação programática, baseada em uma carta de princípios e na hospedagem amistosa de uma força política em um partido consolidado. Há precedentes históricos para esse tipo de recepção de uma força política autônoma por um partido político. A negociação programática de uma coligação eleitoral não tem precedentes.

Na segunda república, de 1945-1964, o PTB abrigou várias forças proscritas, sobretudo ligadas ao partido comunista, sem lhes cobrar adesão a seu programa. O MDB, durante a ditadura militar, de 1964 a 1984, abrigou várias forças políticas banidas que, depois da redemocratização, se constituiriam em partidos independentes.

Se as negociações para formação desta coligação derem certo, vai se criar um exemplo muito importante para a dinâmica do presidencialismo de coalizão no Brasil. Criei esse conceito, de presidencialismo de coalizão, para explicar as peculiaridades do presidencialismo brasileiro, no qual o(a) presidente raramente consegue fazer a maioria no Congresso para seu partido, não tem condições de governabilidade ficando em minoria, e precisa negociar uma coalizão multipartidária para governar. Tenho dito que o problema deste modelo específico de governança presidencialista não é depender de uma coalizão. É a maneira pela qual as coalizões são negociadas, na base do toma-lá-cá, que cargos eu levo ou ofereço, quem financia minha campanha.

Uma coligação programática dá outra dimensão à aliança entre forças político-partidárias e reduz consideravelmente a corrupção eleitoral, particularmente se esse mesmo padrão for aplicado, posteriormente, em caso de vitória, na negociação da coalizão de governo. Quem terá a maioria no Congresso, só as eleições dirão. Somente após conhecido o resultado das eleições parlamentares, é possível saber as possibilidades de formação de uma coalizão majoritária para apoiar o governo.
Na Europa, todas as coalizões são programáticas e há várias delas no poder, muitas indo muito bem. No Reino Unido, para poder organizar um governo com maioria no parlamento, o líder conservador, David Cameron, teve que negociar uma agenda programática com Nick Clegg, o líder social-liberal, para formarem uma coalizão de governo. Na Alemanha, Angela Merkel governou em coalizão com o FDP. Seu partido democrata cristão, CDU tem uma aliança programática permanente com o CSU. O FDP não conseguiu representação no parlamento nas últimas eleições por causa da cláusula de barreira, não obteve 5% dos votos. Merkel terá que negociar nova coalizão, com os Verdes, bem mais à esquerda que o CDU/CSU, ou com a social democracia, SDP, o partido mais forte da oposição. Merkel já fez uma “grande coalizão” com o SDP, no início de seu governo. Foram negociados os pontos que a social democracia considerava essenciais para incorporar à agenda do governo que formariam. Agora vai ser a mesma coisa.

Essa forma de negociar coalizões só é estranha à política brasileira, com sua cultura clientelista e fisiológica. Marina Silva e Eduardo Campos estão se comprometendo a mostrar que existe a possibilidade de fazer como na Europa e ter uma negociação essencialmente programática.

A pauta da sustentabilidade passa a ter importância inclusive na mídia, principalmente na cobertura política, desde já, porque há óbvias e notórias diferenças entre o PSB e a Rede Sustentabilidade, que começam agora a negociar uma plataforma programática comum para as eleições de 2014. O processo de acomodação dos pontos principais da agenda da sustentabilidade que a Rede traz para essa discussão e os pontos já cristalizados do programa do PSB, será rico, complicado e vai gerar fatos políticos. O problema principal não é o que o PSB fazia antes da coligação, mas o que ele está disposto a fazer a partir da coalizão. O mesmo é verdade para a Rede, o problema não é sua identidade antes da decisão de Marina Silva, mas sua atitude como parte da coligação. Certamente não será fácil e haverá conflito. Resolver conflitos é a principal tarefa de lideranças políticas fortes. É um teste em várias dimensões, tanto para Marina Silva, quanto para Eduardo Campos: da disposição de formar alianças programáticas e não fisiológicas (pragmáticas todas acabam sendo e isso não é demérito); da capacidade das lideranças das duas forças de resolver conflitos; da habilidade dessas lideranças na negociação de pontos programáticos e não de interesses imediatos; da capacidade de distinguir o que é essencial, do que é acessório nesta negociação.

É uma oportunidade para a Rede pensar soluções que funcionem para promover o ajustamento entre o princípio da sustentabilidade e questões que são importantes na pauta do PSB e estão longe de serem sustentáveis. Uma área óbvia é a do agronegócio, do qual o PSB se aproximou. Há, claramente, um caminho sustentável para o agronegócio e que é bastante vantajoso do ponto de vista econômico e da competitividade. O governo tem um plano para isso, mas não sabe o que fazer com ele.
Essa discussão programática é uma oportunidade ímpar para o PSB modernizar sua agenda e seu programa. É, também, uma ocasião propícia para a Rede Sustentabilidade tratar com realismo e criatividade pontos que não fazem parte de seu programa. Para diversificar sua própria agenda, buscando caminhos que conciliem novos pontos programáticos com o princípio geral da sustentabilidade.

Há, novamente, precedentes na Europa, onde vários partidos socialistas, como o Trabalhista, no Reino Unido, e a Social Democracia Alemã, modernizaram seus programas, incluindo a sustentabilidade como questão central, que articula os outros pontos de seus programas. E partidos verdes, que incorporaram a seus programas temas que não pertenciam tradicionalmente ao ideário ambientalista.
Outra questão a examinar é a consequência eleitoral de uma chapa Eduardo Campos/Marina Silva. Li muitas análises dizendo que a redução do número de candidaturas – quando Marina deixou de se filiar a uma legenda para ser candidata e Serra decidiu ficar no PSDB – aumentaram as chances de vitória governista no primeiro turno. Não há rigorosamente base empírica, política ou lógica para essa conclusão. Só Fernando Henrique Cardoso, em situação muito especial, se elegeu no primeiro turno, na ainda curta, é verdade, história eleitoral da Terceira República: Collor disputou o segundo turno com Lula; Lula disputou o segundo turno, na primeira eleição com Serra e, na reeleição, com Alckmin; Dilma disputou o segundo turno com Serra. Por que agora, com três candidaturas competitivas pelo menos (Dilma, Aécio, Eduardo/Marina) seria diferente? O quadro econômico é instável. O quadro social tem dado seguidas demonstrações de insatisfação em vários campos. As candidaturas prováveis são competitivas. É um ambiente para eleições muito disputadas, não para vitórias em primeiro turno.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

#REDE haverá de vencer


Eu já sabia

04/10/2013 - 03h00

É claro que o título acima é uma brincadeira. Escrevo antes da sessão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que vai julgar o pedido de registro da Rede e não posso antecipar o resultado, embora mantenha viva e forte minha confiança na Justiça.

A Rede é uma realidade e já contribui para a ampliação e o aprofundamento da democracia no Brasil. Em primeiro lugar, porque oferece um espaço de reencantamento com a política para uma vasta parcela da população que se mantinha afastada, profundamente decepcionada com os partidos, discursos e práticas dominantes.

A Rede abre uma porta especialmente para a juventude. Oferece aos jovens uma possibilidade de expressão, ação e elaboração de novos ideais e projetos identificatórios. Isso é de uma importância incalculável, uma estreita ponte para um futuro possível.

Mesmo enfrentando a resistência de quem quer manter o "status quo" a qualquer custo, a Rede cria uma agenda estratégica para o país e inscreve o debate sobre a sustentabilidade em sua página central. Questiona os falsos consensos sobre produção e consumo, energia, infraestrutura e todos os elementos de uma ideia de progresso que herdamos do século passado e que já chegou ao seu limite.

E até nas dificuldades para se institucionalizar, a Rede denuncia os limites do sistema jurídico e político do país e abre a possibilidade de mudanças. Invertendo a prática comum dos partidos, de primeiro se registrarem para depois buscarem representatividade social, a Rede surge como movimento social amplo e profundo e é sintomático que passe apertadíssima nas estreitas aberturas do sistema político hoje existente (em que organizações artificiais, diga-se de passagem, passam com folga).

A Rede, enfim, já nasce cumprindo seu destino: democratizar a democracia.

Mas, para tornar séria a brincadeira do início, disso tudo eu já sabia. E é essa certeza que quero compartilhar: o encontro do Brasil com os limites e fragilidades de sua democracia, sua superação e fortalecimento, é uma hora da verdade que não pode ser evitada. Sem a atualização de todo o seu sistema político, sem sua passagem ao século 21, o Brasil corre o risco de uma entropia que desfaça todos os avanços que obteve desde o fim da ditadura.

De nada adianta criar obstáculos e dificuldades, os organismos vivos de um novo tempo já surgem para substituir as estruturas que se fossilizaram com o tempo. Como dizíamos em nossa juventude, mesmo que matem milhares de flores não poderão impedir a chegada da primavera.

Há quanto tempo sabemos disso, não é mesmo?

Marina Silva Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na versão impressa da Página A2.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Os números de Marina

Janio de Freitas FSP, 3/out/2013

Marina Silva e sua hipótese de partido chegam hoje ao dia crucial envoltos em barafunda ainda maior do que a briga com os números que lhes ocupou os últimos meses. Não bastando a posição da Procuradoria Eleitoral contra o registro ao partido, no Tribunal Superior Eleitoral explicita-se uma tese complicadora para a defesa de Marina Silva, sobre os milhares de apoios eleitorais não autenticados pelos cartórios.

O ministro João Otávio de Noronha antecipou-se ao julgamento de logo mais e negou que os cartórios eleitorais, como afirma a defesa da pretendida Rede Sustentabilidade, precisassem justificar a não autenticação de apoios assinados por eleitores. "Não justificaram", expressão utilizada pela defesa, deu estatura maior do que a conveniente à atitude dos cartórios, enfraquecendo o argumento.

O verbo no seu devido tamanho seria, por exemplo, informar. Informar o motivo da impugnação: a assinatura não confere, o número do título é de outro eleitor, ou não existe, e demais casos. E tais informações os cartórios, como toda repartição pública, devem sim aos cidadãos e às iniciativas que adotem. Ou ficaremos todos à mercê da vontade, do desleixo ou do interesse de funcionários, que assim se tornariam um poder insuperável.

Tanto o cidadão deve explicações ao Poder Público, como o Poder Público as deve aos cidadãos. Do contrário, no primeiro caso é a desordem total e, no segundo, o regime de arbitrariedade em nome do Estado. Até já vivemos esta segunda situação, mas o que nos cabe é recusar qualquer resquício que a imite.

O ministro tem razão ao dizer que as providências de Marina Silva deveriam ocorrer nos cartórios, e em tempo. Ao que conste, houve a tentativa, pelo menos em parte dos cartórios no país afora. É o que sugere o próprio argumento da "falta de justificação". Mas, se não houve a providência, faltou, nem por isso o assunto está encerrado.

O Tribunal Superior Eleitoral é responsável pelo processo eleitoral desde suas preliminares às titulações eletivas. Deve, portanto, o exame do que se passou com tantos dos apoios alegados por Marina Silva, deve uma decisão a respeito e deve uma explicação pública, para que não restem dúvidas fundadas e acusações interesseiras. Se a Rede Sustentabilidade deve ser aprovada ou não, já é outro assunto, a depender só de que o TSE faça convincentemente o que lhe couber.