sexta-feira, 30 de abril de 2010

Cacique Aritana chama Lula de campeão da destruição da Amazônia

Abril 28, 2010 (matéria: Instituto Humanitas Unisinos)

O cacique Aritana Yawalapiti, o mais diplomático de quantas lideranças indígenas há no Brasil, não aguentou o clima de desconsideração aos índios que domina a Funai e a atitude do Presidente Lula e o chamou de maior destruidor da Amazônia.

O texto é de Mércio Pereira Gomes, antropólogo, publicado no seu blog, 28-04-2010.

Aritana é conhecido em todo o Brasil desde que a TV Record fez uma famosa novela, com o seu nome, que acontecia no próprio Parque Nacional do Xingu. Dono de um carisma cativante e gentil, Aritana faz de tudo para não aborrecer as autoridades brasileiras. O Kwaryp, o principal ritual dos povos do Alto Xingu, é ocasião em que muitos não indígenas são convidados para participar, e lá Aritana sempre está como anfitrião. Em 2004, os xinguanos fizeram o kwaryp em homenagem a dois ilustres mortos da tribo Kamayurá, e também a Roberto Marinho, presidente da Rede Globo, que havia falecido um ano antes.

Pois bem, Aritana estourou a paciência e surpreendentemente lançou, com seu irmão Pirakumã, a declaração abaixo, escrita ao indigenista Moacir Melo, para ser divulgada:

____________ __

Meu irmão amigo Moacir.

Por meio deste, venho informar que nós indígena do xingu, estamos muito triste e dolorosos com a história de Belo Monte. E tambem com a história de zoneamento no estado de mato grosso, pois governo do estado aprovou maior número de desmatamentos em torno do parque do xingu. Por motivo, nós indígena do xingu e indígena do pará estamos se unindo para partir ao rumo Belo Monte.

Nós Lideranças do parque do xingu, estamos muito triste com a postura do presidente da República Luiz Icnácio Lula da Silva por ter tomado a descisão de construir a barragem Belo Monte sem consultar povos indígena!! À oito anos de mandato, ele acabou com a Natureza e poluiu todos os rios Brasileiro e principalmente ele é campeão de distruidora da Amazona!!

Mensagem pra você Lula;

Lula, pensavamos que você era gente!!!

Você é o monstro que gosta de acabar nossa floresta, nosso rio e nossa terra!!! Por favor, estamos pedindo para vossa senhoria desistir de construir o Belo Monte! O rio xingu é maior leito do rio que, criador fez para o povos indígena Brasileiro! Por isso, não pode construir nenhuma barragem neste leito.

Na cabeceira do rio xingu já foi construida uma sem consultar nós. Já que governo não tem menor considerações com os indigenas, estamos pronto para invadir barragem paranatinga ll. Esta barragem está nos afetando, nosso transporte fluvial não está mais trafegando no rio devido esse problema.

Lula, o que é que nós indígena fez de mal para deixar você contrariado? Será que depois de que, nós indígena Brasileiro dermos maior voto para vossa senhoria? é isso? Por favor, vamos trabalhar com alegria, paz, carinho e proteção ambiental do Brasil!

SDS

CACIQUE ARITANA
PIRAKUMAN YAWALAPITI
LIDERANÇA INDÍGENA DO ALTO XINGU

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Belo Monte vai custar R$ 44 bi, diz ambientalista

Valor Econômico - 28/04/2010, p. A14

Daniela Chiaretti, de São Paulo


Roberto Smeraldi, 50 anos, diretor da Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, diz que Belo Monte não só não tem viabilidade econômica utilizando-se os critérios convencionais, mas que se forem incorporados custos ambientais e sociais, a energia gerada pela hidrelétrica custaria mais de R$ 200 o megawatt-hora. Ele faz essa conta somando custos de engenharia, isenção fiscal e os serviços básicos para quem vive em Altamira e terá que ser realocado (cerca de 30 mil pessoas) e para os 100 mil migrantes que chegarão. O ambientalista deixa de fora do cálculo as perdas de biodiversidade e as emissões de gases-estufa, bem mais complicadas de estimar, e crava o custo de Belo Monte em R$ 44 bilhões. "O que mais preocupa é que se está colocando lá dinheiro do Tesouro, de FAT e até de FGTS" , observa.

Na visão de Smeraldi, que conhece bem a região do Xingu onde o governo quer erguer a hidrelétrica, ao investir em Belo Monte o país deixa de colocar dinheiro onde deveria - na eficiência energética e na conservação. O Brasil perde na distribuição e na geração 1/4 da energia que produz, lembra. "Está se secando a fonte para fazer investimentos viáveis. É o chamado custo de oportunidade, que é o custo de não fazer outras coisas com aquele mesmo dinheiro", diz. Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) indica que no caso do Brasil, cada R$ 1,00 investido em eficiência energética tem impacto equivalente a mais de R$ 3,00 investidos em geração de eletricidade adicional.

A lógica de Smeraldi é inversa à do presidente Lula: "Belo Monte vai na direção do apagão."

Valor: Qual é a sua posição sobre hidrelétricas?

Roberto Smeraldi: Todas as formas de geração têm uma relação custo-benefício que muda de acordo com os projetos. Não é que hidrelétrica é boa ou é ruim, ou que eólica é boa ou ruim, ou solar, ou bagaço. Todas essas fontes têm impactos e oferecem oportunidades. É preciso fazer esse balanço e ver o saldo. A nossa posição não é ideológica. Temos no Brasil casos de hidrelétricas sensacionais, como Itaipu, que é top da eficiência, um altíssimo custo-benefício em todos o sentidos. Até nas emissões ela é quase nula.

Valor: Não é este o caso de Belo Monte, não é?

Smeraldi: Belo Monte não tem viabilidade econômica, mesmo usando-se apenas os critérios convencionais. Se forem incorporados os custos ambientais e sociais, então, é péssima. Com as externalidades sociais e ambientais, o preço de Belo Monte está na faixa de R$ 200 o MW.

Valor: Como se faz essa conta?

Roberto: Somando os custos de engenharia, a usina vai para R$ 28 bilhões a R$ 29 bilhões; com a isenção fiscal, vai para R$ 36 bilhões. Se calcularmos os serviços básicos para quem vive ali, mais as 100 mil pessoas que vão chegar e as 30 mil que serão realocadas, já estamos em R$ 44 bilhões. Ainda teríamos que calcular as emissões de gases-estufa do desmatamento e a perda da biodiversidade. Se a conta for feita assim, o custo vai muito além da eólica. A energia deveria ser vendida a R$ 200. O que mais preocupa é que se está colocando lá dinheiro do Tesouro, de FAT e até de FGTS e com renúncia fiscal. Além disso, não serão feitos investimentos nas áreas de energia onde seria necessário fazer.

Valor: Por que não?

Smeraldi: Porque todo o dinheiro disponível vai para subsídios e se concentra num grande empreendimento. Está se secando a fonte para fazer investimentos viáveis. É o chamado custo de oportunidade, que é o custo de não fazer outras coisas com aquele mesmo dinheiro. Belo Monte vai na direção do apagão.

Valor: Como assim?

Smeraldi: Tira recursos de investimentos que ajudariam a prevenir o apagão. Perdemos na distribuição e na geração 1/4 daquilo que a gente produz. Estamos gerando menos do que se poderia com a atual capacidade instalada. Com a modernização das usinas (a chamada repotenciação) já instaladas se poderia aumentar em 6% a geração atual. O Banco Interamericano de Desenvolvimento fez em 2008 um grande estudo sobre o setor energético da América Latina, incluindo um ranking de eficiência de cada país. No caso do Brasil, cada R$ 1,00 investido em eficiência energética tem impacto equivalente a mais de R$ 3,00 investidos em geração de eletricidade adicional. O BID avaliou as necessidades de crescimento até 2016 e estima que o país deveria investir US$ 6,8 bilhões em eficiência, ou, para ter o mesmo resultado, US$ 21 bilhões em geração.

Valor: O que pode dizer sobre as perdas na distribuição?

Smeraldi: Não há auditoria que diga quanto se está perdendo de energia nos últimos anos no linhão de Itaipu. Mas não faz nenhum sentido ligar as térmicas a todo vapor, se neste verão todos os reservatórios estavam cheios. É um paradoxo. Além disso, os investimentos para gerar nova energia darão resultados em cinco anos, mas investimentos para evitar o desperdício dão resultado imediato. E o nosso potencial de bagaço significa três Belo Monte.

Valor: Vocês fizeram uma ação para impedir o leilão, certo?

Smeraldi: Foi a ação para a qual foi dada a liminar e que valia enquanto o leilão ocorreu. E é uma das razões pelas quais o leilão pode ter sido realizado ilegalmente.

Valor: Por quê?

Smeraldi: No site do tribunal está registrado que as partes foram notificadas a respeito da liminar às 12h25 e ela foi publicada no site às 13 h. Ou seja, era de domínio público. Mas a Aneel realizou o leilão apesar de uma decisão judicial que o impedia. O leilão ocorreu às 13h24, ocorreu sob embargo. Acho difícil que chegue a ser homologado.

Valor: Qual era o argumento da ação?

Smeraldi: A licença prévia do Ibama estabelece um reservatório de 516 km2. É este também o valor pelo qual a Agência Nacional de Águas (ANA) declarou a reserva de disponibilidade hídrica do rio Xingu. Mas o edital que convocou o leilão mudou este valor para um tamanho de reservatório 29,47% maior do que foi licenciado pelo Ibama.

Valor: O que pode acontecer?

Smeraldi: Três coisas. Nós podemos entrar com recurso contra a cassação da liminar, que foi cassada só na noite do dia 20. A outra é que esta ação terá que ser julgada no mérito também. E a terceira é que o Ministério Público abriu um inquérito para verificar essa questão do leilão ocorrendo sob embargo da Justiça.

Valor: A União diz que vai processar quem entrou com ações.

Smeraldi: Acho preocupante que a União não entenda que é obrigação, tanto do Ministério Público quanto de instituições como a nossa, a tutela de interesses difusos. Somos uma Oscip e para nós não é uma opção agir na tutela dos interesses difusos, da lisura e legalidade dos processos que dizem respeito ao meio ambiente. É uma obrigação.

Valor: O argumento da AGU é que as ações vão na direção contrária aos interesses do Brasil. Dizem que o país precisa crescer e para isso precisa de energia.

Smeraldi: Eles podem achar que é interesse do Brasil jogar dinheiro público em Belo Monte, eu posso achar que é interesse do Brasil não jogar fora a energia que já estamos produzindo. Ambas as posições são legítimas. Mas eles deveriam se pautar pela lei. Mas atacam quem promoveu as ações. Até um juiz disse que era pressionado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Esse tipo de coisa a gente não esperaria depois de 22 anos da Constituição democrática.

Valor: Belo Monte poderia ser menor?

Smeraldi: Belo Monte já foi feita menor. O problema é que sem reservatórios complementares não tem viabilidade econômica, e isso significa alagar grandes áreas. Belo Monte só terá vazão quatro meses ao ano.

Valor: E o argumento de que o Brasil precisa de energia?

Smeraldi: Este deveria ser o foco de uma política energética. Há um grande espaço para o Brasil investir em tecnologia para crescer com menos intensidade de energia por unidade de PIB gerado. Ou seja, aumentar a eficiência. Ao mesmo tempo, investir em setores menos intensivos de energia. Não vejo como o país possa crescer subsidiando a indústria do alumínio. Tem que fazer investimento em indústria no Brasil. A economia florestal, por exemplo, traz um volume de emprego muito alto e não é eletrointensiva.

sábado, 24 de abril de 2010

Qual deles você escolheria?


Um dia um velho avô, nativo da America do Norte, estava conversando com seu neto. Ele disse: "Há dois lobos lutando dentro de todos nós - o lobo do medo e do ódio, e o lobo do amor e da paz."

O neto ouvia. Em seguida olhou para seu avô e perguntou: "Qual deles vai ganhar?"

O avô respondeu:

"Aquele que nós alimentarmos."

I. Candidatura Marina Silva: um manifesto

Nota introdutória,

Eduardo Giannetti, 23-abr-2010

Marina Silva não é a favorita na corrida presidencial. Mas ela é a única candidata portadora de um sonho de civilização brasileira que merece ser sonhado. Ao contrário dos gerentes e tocadores de obra que lideram as pesquisas, ela é a única liderança capaz de inspirar o eleitorado, especialmente os jovens, com uma visão generosa de futuro em que o Brasil não se resigne a continuar sendo mais do mesmo – uma cópia canhestra do modelo norte-americano, na melhor das hipóteses.

Cabe a ela, acima de tudo, reintroduzir um vetor de sonho na vida pública brasileira. Cabe ao movimento que ela representa a construção de um projeto de nação em que a valorização do conhecimento pela educação e pelo estímulo à pesquisa, aliado ao uso inteligente e à preservação do nosso patrimônio ambiental, desloquem o primado quase exclusivo do critério econômico strictu senso nos processos decisórios e se transformem em genuínas prioridades de governo.

Ouso que crer que a própria condição de “azarão” na corrida eleitoral pode se revelar um trunfo, na medida em que propicie a ela uma maior desenvoltura na defesa de ideias e propostas que surpreendam e redefinam a pauta da eleição. Por que não, por exemplo, enaltecer a reconhecida competência gerencial de Serra e Dilma – eles se merecem – e dizer que ambos dariam excelentes ministros, porém de um governo capaz de dar-lhes um norte e uma visão de futuro eticamente orientado? Ótimos ministros, portanto, mas do seu governo!

Pelo seu perfil, postura e situação na campanha, Marina é a única em condições de “pensar o impensável”. A única disposta a mudar o modo de fazer política no Brasil; a única habilitada a disseminar valores que inspirem a cidadania; a única que demonstra estar suficientemente comprometida com os princípios do aprimoramento humano e da sustentabilidade socio-ambiental de modo a garantir que venham a presidir de fato, em seu governo, as iniciativas e políticas do Estado brasileiro.

Nos dois textos apresentados a seguir (baseados na revisão e adaptação de artigos previamente publicados) procurei formular o esboço de uma espécie de manifesto pró-Marina, propondo não um programa articulado de diretrizes, com sugestões e medidas pontuais, mas buscando sustentar a existência e a importância da sua candidatura à luz dos valores e princípios que, a meu juízo, dão a ela absoluta legitimidade e fazem toda a diferença.

II. O lugar do sonho e o pulso da mudança

Eduardo Giannetti, 23-abr-2010

O que esperar do Brasil? Do ponto de vista lógico, existem três formas básicas de se pensar o futuro. A previsão lida com o provável e responde à pergunta: o que será? A delimitação do campo do possível lida com o exequível e responde à pergunta: o que pode ser? E a expressão da vontade lida com o desejável e responde à pergunta: o que sonhamos ser? As relações entre esses modos de conceber o futuro não são triviais. Há duas direções de causalidade relevantes em jogo.

De um lado, é claro, está o princípio de realidade. Se o desejável não respeitar os limites do exequível, ele se torna vazio e quixotesco (quando não trágico). Desde a sua origem no século XVIII, boa parte da missão da economia como disciplina tem sido a árdua tarefa de procurar enquandrar os vôos alheios e submeter o voluntarismo de políticos, reformadores e visionários aos rigores da consistência e da exequibilidade. A aritmética desagradável é um dos ofícios do economista; o balde de água fria, uma de suas especialidades.
Ocorre, porém, que a causalidade corre também na direção contrária: o desejo de mudança modifica o futuro. A realidade objetiva deve ser conhecida e respeitada, mas ela não é toda a realidade. A vida das nações, não menos que a dos indivíduos, é vivida em larga medida na imaginação. A capacidade de sonho e ação de um povo fertiliza o real, expande as fronteiras do possível e reembaralha as cartas do provável. Quando a vontade de mudança e a criação do novo estão em jogo, resignar-se ao provável e ater-se ao exequível é condenar-se ao passado e à repetição medíocre.

Se é verdade, portanto, que o sonho desligado da realidade é vazio, como enfatiza a economia, é preciso ter em mente que o contrário dessa grande verdade não deixa de ser também uma grande verdade: a realidade desprovida do poder transformador do sonho é deserta. O desejo move. No universo das relações humanas, o futuro responde à força e à ousadia do nosso querer.
Com o que sonham e se preocupam os brasileiros? Uma ampla enquete de opinião promovida em 2009 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), por meio da Campanha Brasil Ponto a Ponto, permite tomar o pulso e revelar o norte do desejo de mudança que anima a sociedade brasileira.

Diante de uma mesma pergunta – “O que precisa mudar no Brasil para a sua vida melhorar de verdade?” – cerca de 500 mil brasileiros tiveram a oportunidade de oferecer uma resposta e formular a sua visão. Os principais resultados da pesquisa? Ei-los: 1) A educação – seguida de violência e emprego – é a principal aspiração/problema (“temas substantivos”) da nossa sociedade; 2) Valores morais (como respeito, justiça e paz) e a formação do caráter das pessoas figuram como os mais frequentes “temas transversais” perpassando as respostas e escolhas substantivas.

Duas principais mensagens podem ser depreendidas dos resultados da pesquisa. A primeira é a clara explicitação da força do desejo de mudança no Brasil. Existe uma injustificável distância entre o que efetivamente somos, de um lado, e o que podemos e desejamos ser como nação, de outro. O pulso da mudança bate com força na imaginação dos brasileiros. Há um Brasil potencial querendo despertar e desenvolver-se a partir das promessas e desafios do Brasil real.
A segunda mensagem da pesquisa remete à direção da mudança. A identificação da educação – especialmente na dimensão da formação dos valores e do respeito a normas de convivência – como a principal aspiração dos brasileiros frente ao futuro, confere um conteúdo substantivo à visão de um desenvolvimento eticamente orientado, não como a escalada cega da acumulação e do consumo competitivo – parafuso espanado no vazio, mas como “a expansão da capacidade humana para levar uma vida mais livre e digna de ser vivida”, como propõe o economista indiano Amartya Sen.

O que se demanda não são soluções prontas ou medidas heróicas que melhorem a renda, as condições materiais de vida e o bem-estar mas, isto sim, os meios para a criação de capacitações e a formação de virtudes que ampliem o leque efetivo de liberdades dos cidadãos e permitam à sociedade como um todo afirmar seus valores e viver à altura do seu potencial. Os brasileiros não só reconhecem a extensão hiato que os separa do que almejam como são capazes de identificar, de forma clara e precisa, a principal deficiência que nos distancia da realidade sonhada.
A decorrência prática dessa demanda pode ser resumida recordando o que dizia Eugenio Gudin, há exato meio século, quando a euforia desenvolvimentista contagiava a imaginação dos brasileiros e mais uma vez relegava – como volta a acontecer hoje – o investimento em educação e pesquisa à posição subalterna que sempre ocupou entre nós, não obstante o clamor ritual das temporadas eleitorais: “O problema do desenvolvimento econômico tem sido geralmente encarado no Brasil sob o prisma do curto prazo e do imediatismo, isto é, da execução de determinados melhoramentos materiais de resultados tangíveis em um período governamental. Se há, entretanto, problema que exija planejamento de longo prazo, com expectativa de resultados seguros mas só gradativamente evidenciáveis, este é o da formação de gente, isto é, de uma população sadia, ativa e capaz. É a qualidade da população que constitui o elemento decisivo do desenvolvimento”. Os ventos sopram de novo a nosso favor. Repetiremos outra vez o mesmo equívoco?

De lá para cá, o tamanho do desafio só fez crescer. O Brasil do século XXI ainda carece de lideranças capazes de incendiar a imaginação da sociedade com o valor da educação e do conhecimento – um “JK do capital humano” (menos a inflação). Ninguém melhor que Marina Silva tem hoje condições reais de liderar um movimento ousado e efetivo em resposta a essa gritante lacuna do nosso percurso como nação. “O erro”, diz um poeta, “repete-se sempre na ação, por isso deve-se incansavelmente repetir a verdade em palavras”.

III. Trópicos utópicos: um vislumbre do sonho brasileiro

Eduardo Giannetti, 23-abr-2010

Cada cultura encerra um sonho de felicidade. A superação da pobreza que debilita e restringe a margem de escolha de tantos brasileiros; o combate sem trégua à absoluta falta de oportunidades que tolhe o talento criador e cerceia o horizonte de um enorme contingente de crianças e jovens e a redução consistente da desigualdade por meio de políticas de capacitação e inclusão são imperativos de primeira ordem em qualquer visão de futuro digno de ser sonhado – eles representam a dimensão prática e material de um sonho compartilhado de nação.

Mas é preciso ir além. Desenvolvimento para quê? Em nome do quê? Resolver problemas não é o mesmo que afirmar vocações. O que, afinal, almejamos como nação? Que sonho de grandeza e constelação de valores poderiam nos unir em torno de um projeto de realização e afirmação brasileira no concerto das nações? Existirá uma utopia mobilizadora da alma e das energias dos brasileiros? O que o Brasil teria a dizer ao mundo se pudesse finalmente superar as mazelas do seu atraso em áreas como ensino, saúde, saneamento, transporte e segurança?

“Um país pequeno com horizontes pequenos”, afirmou o rei Leopoldo II sobre a Bélgica. Será esta a vocação brasileira? Ouso crer que não. Prefiro encarar o desafio lançado por Dostoievski em Os possuídos: “Se um grande povo não acreditar que a verdade somente pode ser encontrada nele mesmo; se ele não crer que ele apenas está apto e destinado a se erguer e redimir a todos por meio de sua verdade, ele prontamente se rebaixa à condição de material etnográfico, e não de um grande povo: uma nação que perde esta crença deixa de ser uma nação”. Como atinar com as palavras do romancista russo e não se pôr imediatamente a pensar no Brasil ideal que pulsa e vibra no coração do Brasil real?

Um Brasil que mereça ser sonhado não pode ser mera fabulação da imaginação caprichosa. Ele precisa partir do que efetivamente somos; das virtudes e defeitos que se mesclam em nosso destino de nação. Ele precisa reconhecer os limites e condicionantes herdados do passado para traçar o mapa do que podemos e o norte do que sonhamos ser. É garimpando o cascalho de nossas conquistas e reveses que chegaremos à lapidação de nossos saberes e potencialidades. O segredo da utopia (no bom sentido) reside na arte de desentranhar a luz das trevas. Há um futuro luminoso querendo despertar das ameaças e promessas do presente.

Que país não poderia ser o nosso! Quando penso no Brasil ideal que povoa e anima os meus sonhos não nos vejo metidos a conquistadores, donos da verdade ou fabricantes de impérios. Não nos vejo trocando a alma pelo bezerro de ouro ou abrindo mão de nossa compreensão lúdica e amável da vida na luta por uma pole position na métrica do PIB per capita e do descaso por todos os valores que não se prestam a um cálculo monetário. Quanto vale a nossa biodiversidade?

Quanto custa um dia de sol? Se a civilização da máquina, da competição feroz e do tempo medido a conta-gotas tem alguma razão de ser, então ela existe para libertar os homens da servidão ao monovalor econômico, e não para enredá-los em pérpetua e sempre renovada corrida armamentista do consumo e da acumulação.

Do que nos fala a utopia de um Brasil capaz de nos fazer acreditar que podemos ser mais – muito mais! – que simples material etnográfico para diversão de antropólogos? Ela nos fala de um ideal de vida assentado na tranquilidade de ser o que se é, como no canto e violão de João Gilberto. Ela nos fala da existência natural do que é belo e da busca da perfeição pela depuração de tudo que afasta do essencial. Ela nos fala de um outro Brasil, nem mais verdadeiro nem mais falso que o existente – apenas reconciliado consigo próprio, em paz com a sua esplendorosa natureza.

De um Brasil altivo e aberto ao mundo, enfim curado da doença infantil-colonial do progressismo macaqueador e seu avesso – o nacionalismo tatu. De um Brasil em que a democracia racial deixou de ser mito a encobrir para fazer-se forma de vida a revelar. De um Brasil que trabalha (o suficiente), mas nem por isso deixa de transpirar alegria de viver – o “doce sentimento da existência” pelo qual suspirava Rousseau – por todos os poros. De um Brasil, em suma, capaz de apurar a forma da convivência sem perder o fogo dos afetos. Uma nação que se educa e civiliza, mas preserva a chama da vitalidade iorubá filtrada pela ternura portuguesa. Uma nação que poupa, investe em seu futuro e cuida da previdência, mas nem por isso abre mão da disponibilidade tupi para a alegria e o folguedo.

Faz sentido a idéia de uma civilização brasileira?

Uma resposta afirmativa não precisa implicar qualquer tipo de arroubo xenófobo, rompante nacionalista ou furor colérico. O que ela implica é a identificação dos nossos valores e uma efetiva adesão a eles. O que ela implica é a recusa da crença de que não podemos ser originais, de que devemos nos resignar à condição de imitação modesta ou cópia empobrecida do modelo que nos é oferecido pelo “países ricos” – o chamado Primeiro Mundo. Esse modelo, é inegável, possui grandes méritos, mas o tempo vem revelando os seus graves limites, a começar pelos danos ambientais causados e ameaça ecológica que representa. As nações desenvolvidas, como alerta o poeta e pensador mexicano Octavio Paz, “giram incansavelmente no vazio: não avançam, se repetem [...] o seu hedonismo é a outra face do seu desespero; o seu ceticismo não é uma sabedoria mas uma renúncia; o seu niilismo desemboca no suicídio e em formas degradadas de crença; o seu erotismo é uma técnica, e não uma arte ou uma paixão”.

Sem visão de futuro não há futuro. A construção de uma civilização brasileira é tarefa da imaginação crítica e criadora – de uma antropofagia paciente, criteriosa e seletiva do que o mundo desenvolvido tem a nos oferecer: uma visão capaz do sonho, mas também do senso de realidade e da ponderação. Sob a luz austera do provável e do exequível a curto prazo, a visão de um Brasil que mereça ser sonhado pode parecer remota. Mas ela não é uma abstração vazia. A força do seu apelo anima de esperança o caminho e ilumina desde já o nosso horizonte imaginativo.

Sonhar alto – ousar o novo – é imprescindível. O futuro será o que fizermos dele. A consolidação de Marina Silva como liderança de expressão nacional nas eleições de 2010 representa um passo decisivo – uma ponte vital – no caminho rumo a um futuro que seja, a um só tempo, generoso no sonho e sabiamente construído na ação. A candidatura de Marina incorpora e projeta o ideal de uma civilização brasileira: uma nação redimida não perante o mundo, isso é decorrência, mas perante si mesma. Tupi and not tupi. Um Brasil feliz.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Evo cria ministério para promover 'direitos' do planeta

23 de abril de 2010 | 14h 43

AE-AP - Agência Estado

O presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou hoje a criação do Ministério da Mãe Terra para promover os "direitos" do planeta. Morales também disse desejar que a Bolívia seja sede de um tribunal de Justiça Ambiental proposto pela Cúpula Mundial de Povos sobre a Mudança Climática, realizada em Tiquipaya, no centro do país.

O evento realizado na Bolívia reuniu 7 mil delegados de movimentos sociais, ambientalistas, ativistas e povos indígenas. As conclusões dele foram entregues na quinta-feira aos presidentes Morales e Hugo Chávez, da Venezuela. O boliviano pediu que as Nações Unidas tornem possível um debate internacional sobre os direitos da terra e a adoção de um catálogo para a defesa do planeta da emissão de gases causadores do efeito estufa.

Morales anunciou a nova pasta durante um ato de uma campanha para plantar no próximo ano 10 milhões de árvores, uma para cada habitante do país. Ele começou semeando uma planta ornamental, ao lado do vice-presidente Alvaro García Linera, perto de Cochabamba, cidade localizada no centro da Bolívia.

Os dois líderes pediram que todos se preparem para a "batalha do México", no fim do ano, quando governos de todo mundo devem retomar as discussões da cúpula de Copenhagen, que não conseguiu fechar um acordo abrangente para a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa.

Morales também disse que, caso seja criado uma corte de Justiça climática, ele gostaria que sua sede fosse Cochabamba. O tribunal teria jurisdição para sancionar países que não cumpram acordos para reduzir suas emissões.

Tópicos: Ambiente, Bolívia, Evo Morales, Ministério, Mãe Terra, Internacional, Geral

Economist: Marina, a ‘outra Silva’, tem ‘princípios demais’ para eleições



22 de abril de 2010 | 15h32

Sílvio Guedes Crespo


PERFIL: ‘Nascida e criada verde’, diz ‘Economist’ (foto: André Dusek/AE)

A revista britânica The Economist na edição desta semana traz um breve perfil da pré-candidata à Presidência do Brasil Marina Silva. O texto diz que ela “tem princípios demais” para disputar uma eleição e acrescenta que os 10% que ela tem em pesquisas de intenção de voto “não são ruins, dado que muitos brasileiros, como eleitores de outros países, não consideram a salvação do planeta uma prioridade”.

“Ocasionalmente, desponta um político que parece ter princípios demais para ser atirado em uma luta de cães eleitoral em uma democracia gigante. Marina Silva, a candidata do pequeno Partido Verde nas eleições presidenciais do Brasil em outubro, é esse tipo de candidata. O que lhe falta em termos de máquina partidária ela tenta cobrir com força ética”, diz o início da reportagem.

O texto, intitulado “Uma outra Silva” (“Another Silva”), aborda rapidamente a biografia de Marina, de sua infância pobre na Amazônia, com 11 irmãos dos quais apenas 8 sobreviveram além da infância. A legenda da foto diz: “Nascida e criada verde”.

A revista lembra que ela esteve entre os fundadores do PT, junto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi ministra do Meio Ambiente desde 2003 e saiu do governo em 2008.

Leia a reportagem no site da revista The Economist (em inglês)

O Grande Homem

Dr. Celso Charuri

Mantém seu modo de pensar, independentemente da opinião pública.
É tranqüilo, calmo, paciente; não grita nem desespera.
Pensa com clareza, fala com inteligência… Vive com simplicidade.
É do futuro e não do passado.
Sempre tem tempo.
Não despreza nenhum ser humano.
Causa a impressão dos vastos silêncios da natureza: – O céu.
Não é vaidoso.
Como não anda a cata de aplausos, jamais se ofende.
Possui sempre mais do que julga merecer.
Está sempre disposto a aprender, mesmo das crianças.
Vive dentro do seu próprio isolamento espiritual, aonde não chega nem o louvor e nem a censura.
Não obstante, seu isolamento não é frio: ama, sofre, pensa, compreende.
O que você possui, dinheiro, posição social, nada significam para ele.
Só lhe importa o que você é.
Despreza a opinião própria tão depressa verifica o seu erro.
Não respeita usos estabelecidos e venerados pôr espíritos tacanhos.
Respeita somente a verdade.
Tem a mente de homem e coração de menino.
Conhece-se a si mesmo, tal qual é,
E… Conhece a Deus.

com o comentario " Quisera que todos os nossos politicos tivessem principios fortes. Meu voto é seu Marina.", postado em 23/04/2010 - 10:02 por Luiz em
http://blogs.estadao.com.br/radar-economico/2010/04/22/economist-marina-a-%E2%80%98outra-silva%E2%80%99-e-etica-%E2%80%98demais%E2%80%99-para-eleicoes/comment-page-1/#comment-2503

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Projeto de Belo Monte ganha "finale" digno do regime militar

CLAUDIO ANGELO
editor de Ciência

Há uma dissociação entre a imagem do presidente Lula nos jornais desta terça-feira, afagando uma criança indígena em Roraima, e a ação da Advocacia-Geral da União no mesmo dia para garantir justamente que os índios fossem atropelados e que a usina de Cararaô fosse construída. Aparentemente, o socioambientalismo do governo acaba onde começam o PAC e a eleição de Dilma Rousseff.

O atropelo foi só mais um da série que viabilizou Belo Monte, a começar da licença prévia tratorada sobre o parecer técnico do Ibama contrário à obra. Um projeto do regime militar ganha, assim, um "finale" digno da ditadura, com uma alteração de slogan: na era Lula-Dilma, "sovietes e eletricidade" complementam o "Brasil grande".

A serem concretizados os planos do governo e o seu novo modelo de licenciamento ambiental "top-down", por assim dizer, Belo Monte é só o começo. O governo considera que 70% do potencial hídrico da Amazônia está ainda por aproveitar, e a EPE planeja usinas para virtualmente qualquer rio da região que tenha uma cachoeira aproveitável. Em breve, para alegria de James Cameron, outras tribos da Amazônia poderão se juntar aos caiapós e aos araras da Volta Grande do Xingu na lista dos índios atingidos por barragens.

Quem já está com as penas do cocar arrepiadas são os mundurucus, do rio Tapajós. Nas suas terras e arredores a Eletronorte planeja não uma, mas cinco usinas hidrelétricas. Uma delas, São Luiz do Tapajós, será a terceira maior do país, com 6.133 megawatts de potência instalada e um reservatório de 722 quilômetors quadrados, quase o dobro do de Cararaô/Belo Monte.

A obra já está listada no PAC-2. O inventário dos potenciais elétricos da região dos rios Tapajós e Jamanxim prevê que São Luiz inunde parte de uma terra mundurucu e parte do parque nacional da Amazônia.

Em novembro, os índios mandaram uma carta ao presidente ameaçando guerra caso o plano das usinas vá adiante.

Já a diretora do parque, Maria Lúcia dos Santos, diz que não pode nem autorizar os estudos de impacto ambiental, pois a lei não permite franquear acesso ao parque a atividades que lhe causarão dano. "A não ser que rasguem o Snuc", afirma, referindo-se à lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

Rasgar o governo não rasgou, mas publicou na semana passada um decreto regulamentando estudos do tipo em unidades de conservação, justamente para facilitar o projeto. O presidente do Instituto Chico Mendes, Rômulo Mello, disse à Folha que "as unidades de conservação não são intocáveis".

O atual ministro de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, afirma que as usinas da Amazônia pós-Belo Monte serão baseadas em um novo conceito, o de "usinas-plataforma". A fórmula prevê que os canteiros de obras e as estradas criadas para fazer as hidrelétricas sejam abandonados para que a floresta se regenere. A operação das usinas seria remota.

Por enquanto, o conceito só existe nas propagandas da Eletrobras, que se gabam de que na região do Tapajós a relação entre área preservada e área "sob intervenção" será de 101 km2 para 1 km2. Só se esquecem de dizer que, somados, os reservatórios do Tapajós serão maiores que a cidade de São Paulo.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

VULCÃO EXPLICITA LIMITES DA GLOBALIZAÇÃO

George Monbiot
The Guardian

Estadão, 21 de Abril de 2010
Visão Global (p. A15)


Assim como a crise financeira, o vulcão Eyjafjallajokull mostrou que o mundo precisa de sociedades mais simples. O homem propõe e a natureza dispõe. Dificilmente somos mais vulneráveis do que quando nos sentimos isolados. O milagre da moderna aviação nos protegeu da gravidade, da atmosfera, da cultura, da geografia. Fez com que nos sentíssemos cidadãos de todos os lugares. Mas, quando a natureza se interpõe, nos deparamos com a realidade de uma separação de milhares de quilômetros. E descobrimos que, afinal, não escapamos do mundo físico.

Sociedades complexas e interligadas têm maior capacidade de recuperação do que as mais simples. Durante as secas na África, nos anos 90, as pessoas que tinham menos parceiros comerciais foram as mais atingidas. Quanto mais ampla a área geográfica da qual extraíam seus alimentos, menor foi o impacto da fome.

Após certo ponto, a conectividade se torna um perigo. Quanto mais extensas as linhas de comunicação, mais dependentes somos da produção de empresas de outros países e maior é o potencial de perturbação. Essa é uma lição que aprendemos com a crise dos bancos. Alguns milhares de mutuários que não conseguiram pagar suas hipotecas nos EUA quase quebraram a economia global. Se o vulcão islandês continuar vomitando cinzas, pode produzir o mesmo efeito.

Há vários tipos de vulnerabilidade. A mais catastrófica seria uma tempestade solar, que causa um aumento repentino da corrente direta em nossas redes de eletricidade, queimando os transformadores. Poderia ocorrer em questão de segundos, mas precisaríamos de anos para nos recuperarmos.

Como destaca a revista New Scientist, um evento como esse desmantelaria a maior parte dos sistemas que nos mantêm vivos. Destruiria as estações de tratamento e bombeamento de água. Paralisaria a distribuição de petróleo, reduzindo a oferta de alimentos. Afetaria hospitais e sistemas financeiros.

Os geradores de emergência só funcionariam até o fim das reservas de petróleo. Transformadores queimados não podem ser reparados - devem ser substituídos. As companhias distribuidoras de energia não estão preparadas para esse tipo de catástrofe. A mesma falta de planejamento existe caso a oferta global de petróleo comece a declinar.

O relatório mais recente do governo britânico afirma que "uma crise de energia será inevitável se não houver uma expansão da produção e da capacidade de refino". "Até 2012, o excedente da capacidade de produção de petróleo poderá desaparecer. Em 2015, o déficit poderá chegar a 10 milhões de barris diários", diz o documento.

Os custos da energia e os impactos ambientais já ultrapassaram os benefícios de uma complexidade crescente. Pela terceira vez em dois anos, descobrimos que as viagens aéreas são o elo frágil do nosso sistema. Em 2008, o aumento do custo dos combustíveis tirou do mercado várias linhas aéreas. O vulcão arruinará muitas outras. A indústria da aviação, grande consumidora de energia, depende do clima, que é incontrolável. E quanto maior nossa dependência do avião, mais vulneráveis nos tornamos.

O fornecimento de petróleo, os custos ambientais e sociais do setor e sua vulnerabilidade significam que os atuais níveis dos voos não poderão ser mantidos. Temos uma opção. Podemos começar a desativar o setor enquanto há tempo e encontrar maneiras de viver passando a depender menos dele. Ou podemos ficar sentados esperando que a realidade física simplifique o sistema por meios mais brutais.

Tradução de Anna Capovilla

A INDÚSTRIA BILIONÁRIA DA FABRICAÇÃO DE DOENTES

(Os vendedores de doenças)

As estratégias da indústria farmacêutica para multiplicar lucros espalhando o medo e transformando qualquer problemabanal de saúde numa "síndrome" que exige tratamento

Ray Moynihan, Alan Cassels

(Tradução: Wanda Caldeira Brant, wbrant@globo. com)

Há cerca de trinta anos, o dirigente de uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo fez declarações muito claras. Na época, perto da aposentadoria, o dinâmico diretor da Merck, Henry Gadsden, revelou à revista Fortune seu desespero por ver o mercado potencial de sua empresa confinado somente às doenças. Explicando preferiria ver a Merck transformada numa espécie de Wringley's – fabricante e distribuidor de gomas de mascar –, Gadsden declarou que sonhava, havia muito tempo, produzir medicamentos destinados às... pessoas saudáveis. Porque, assim, a Merck teria a possibilidade de "vender para todo mundo". Três décadas depois, o sonho entusiasta de Gadsden tornou-se realidade.

As estratégias de marketing das maiores empresas farmacêuticas almejam agora, e de maneira agressiva, as pessoas saudáveis. Os altos e baixos da vida diária tornaram-se problemas mentais. Queixas totalmente comuns são transformadas em síndromes de pânico. Pessoas normais são, cada vez mais pessoas, transformadas em doentes. Em meio a campanhas de promoção, a indústria farmacêutica, que movimenta cerca de 500 bilhões dólares por ano, explora os nossos mais profundos medos da morte, da decadência física e da doença – mudando assim literalmente o que significa ser humano. Recompensados com toda razão quando salvam vidas humanas e reduzem os sofrimentos, os gigantes farmacêuticos não se contentam mais em vender para aqueles que precisam. Pela pura e simples razão que, como bem sabe Wall Street, dá muito lucro dizer às pessoas saudáveis que estão doentes.

A fabricação das "síndromes"

A maioria de habitantes dos países desenvolvidos desfruta de vidas mais longas, mais saudáveis e mais dinâmicas que as de seus ancestrais. Mas o rolo compressor das campanhas publicitárias, e das campanhas de sensibilização diretamente conduzidas, transforma as pessoas saudáveis preocupadas com a saúde em doentes preocupados. Problemas menores são descritos como muitas síndromes graves, de tal modo que a timidez torna-se um "problema de ansiedade social", e a tensão pré-menstrual, uma doença mental denominada "problema disfórico pré-menstrual" . O simples fato de ser um sujeito "predisposto" a desenvolver uma patologia torna-se uma doença em si.

O epicentro desse tipo de vendas situa-se nos Estados Unidos, abrigo de inúmeras multinacionais farmacêuticas. Com menos de 5% da população mundial, esse país já representa cerca de 50% do mercado de medicamentos. As despesas com a saúde continuam a subir mais do que em qualquer outro lugar do mundo. Cresceram quase 100% em seis anos – e isso não só porque os preços dos medicamentos registram altas drásticas, mas também porque os médicos começaram a prescrever cada vez mais.

De seu escritório situado no centro de Manhattan, Vince Parry representa o que há de melhor no marketing mundial. Especialista em publicidade, ele se dedica agora à mais sofisticada forma de venda de medicamentos: dedica-se, junto com as empresas farmacêuticas, a criar novas doenças. Em um artigo impressionante intitulado "A arte de catalogar um estado de saúde", Parry revelou recentemente os artifícios utilizados por essas empresas para "favorecer a criação" dos problemas médicos [1]. Às vezes, trata-se de um estado de saúde pouco conhecido que ganha uma atenção renovada; às vezes, redefine-se uma doença conhecida há muito tempo, dando-lhe um novo nome; e outras vezes cria-se, do nada, uma nova "disfunção". Entre as preferidas de Parry encontram-se a disfunção erétil, o problema da falta de atenção entre os adultos e a síndrome disfórica pré-menstrual – uma síndrome tão controvertida, que os pesquisadores avaliam que nem existe.

Médicos orientados por marqueteiros

Com uma rara franqueza, Perry explica a maneira como as empresas farmacêuticas não só catalogam e definem seus produtos com sucesso, tais como o Prozac ou o Viagra, mas definem e catalogam também as condições que criam o mercado para esses medicamentos.

Sob a liderança de marqueteiros da indústria farmacêutica, médicos especialistas e gurus como Perry sentam-se em volta de uma mesa para "criar novas idéias sobre doenças e estados de saúde". O objetivo, diz ele, é fazer com que os clientes das empresas disponham, no mundo inteiro, "de uma nova maneira de pensar nessas coisas". O objetivo é, sempre, estabelecer uma ligação entre o estado de saúde e o medicamento, de maneira a otimizar as vendas.

Para muitos, a idéia segundo a qual as multinacionais do setor ajudam a criar novas doenças parecerá estranha, mas ela é moeda corrente no meio da indústria. Destinado a seus diretores, um relatório recente de Business Insight mostrou que a capacidade de "criar mercados de novas doenças" traduz-se em vendas que chegam a bilhões de dólares. Uma das estratégias de melhor resultado, segundo esse relatório, consiste em mudar a maneira como as pessoas vêem suas disfunções sem gravidade. Elas devem ser "convencidas" de que "problemas até hoje aceitos no máximo como uma indisposição" são "dignos de uma intervenção médica". Comemorando o sucesso do desenvolvimento de mercados lucrativos ligados a novos problemas da saúde, o relatório revelou grande otimismo em relação ao futuro financeiro da indústria farmacêutica: "Os próximos anos evidenciarão, de maneira privilegiada, a criação de doenças patrocinadas pela empresa".

Dado o grande leque de disfunções possíveis, certamente é difícil traçar uma linha claramente definida entre as pessoas saudáveis e as doentes. As fronteiras que separam o "normal" do "anormal" são freqüentemente muito elásticas; elas podem variar drasticamente de um país para outro e evoluir ao longo do tempo. Mas o que se vê nitidamente é que, quanto mais se amplia o campo da definição de uma patologia, mais essa última atinge doentes em potencial, e mais vasto é o mercado para os fabricantes de pílulas e de cápsulas.

Em certas circunstâncias, os especialistas que dão as receitas são retribuídos pela indústria farmacêutica, cujo enriquecimento está ligado à forma como as prescrições de tratamentos forem feitas. Segundo esses especialistas, 90% dos norte-americanos idosos sofrem de um problema denominado "hipertensão arterial"; praticamente quase metade das norte-americanas são afetadas por uma disfunção sexual batizada FSD (disfunção sexual feminina); e mais de 40 milhões de norte-americanos deveriam ser acompanhados devido à sua taxa de colesterol alta. Com a ajuda dos meios de comunicação em busca de grandes manchetes, a última disfunção é constantemente anunciada como presente em grande parte da população: grave, mas sobretudo tratável, graças aos medicamentos. As vias alternativas para compreender e tratar dos problemas de saúde, ou para reduzir o número estimado de doentes, são sempre relegadas ao último plano, para satisfazer uma promoção frenética de medicamentos.

Quanto mais alienados, mais consumistas

A remuneração dos especialistas pela indústria não significa necessariamente tráfico de influências. Mas, aos olhos de um grande número de observadores, médicos e indústria farmacêutica mantêm laços extremamente estreitos.

As definições das doenças são ampliadas, mas as causas dessas pretensas disfunções são, ao contrário, descritas da forma mais sumária possível. No universo desse tipo de marketing, um problema maior de saúde, tal como as doenças cardiovasculares, pode ser considerado pelo foco estreito da taxa de colesterol ou da tensão arterial de uma pessoa. A prevenção das fraturas da bacia em idosos confunde-se com a obsessão pela densidade óssea das mulheres de meia-idade com boa saúde. A tristeza pessoal resulta de um desequilíbrio químico da serotonina no celebro.

O fato de se concentrar em uma parte faz perder de vista as questões mais importantes, às vezes em prejuízo dos indivíduos e da comunidade. Por exemplo: se o objetivo é a melhora da saúde, alguns dos milhões investidos em caros medicamentos para baixar o colesterol em pessoas saudáveis, podem ser utilizados, de modo mais eficaz, em campanhas contra o tabagismo, ou para promover a atividade física e melhorar o equilíbrio alimentar.

A venda de doenças é feita de acordo com várias técnicas de marketing, mas a mais difundida é a do medo. Para vender às mulheres o hormônio de reposição no período da menopausa, brande-se o medo da crise cardíaca. Para vender aos pais a idéia segundo a qual a menor depressão requer um tratamento pesado, alardeia-se o suicídio de jovens. Para vender os medicamentos para baixar o colesterol, fala-se da morte prematura. E, no entanto, ironicamente, os próprios medicamentos que são objeto de publicidade exacerbada às vezes causam os problemas que deveriam evitar.

O tratamento de reposição hormonal (THS) aumenta o risco de crise cardíaca entre as mulheres; os antidepressivos aparentemente aumentam o risco de pensamento suicida entre os jovens. Pelo menos, um dos famosos medicamentos para baixar o colesterol foi retirado do mercado porque havia causado a morte de "pacientes". Em um dos casos mais graves, o medicamento considerado bom para tratar problemas intestinais banais causou tamanha constipação que os pacientes morreram. No entanto, neste e em outros casos, as autoridades nacionais de regulação parecem mais interessadas em proteger os lucros das empresas farmacêuticas do que a saúde pública.

A "medicalização" interesseira da vida

A flexibilização da regulação da publicidade no final dos anos 1990, nos Estados Unidos, traduziu-se em um avanço sem precedentes do marketing farmacêutico dirigido a "toda e qualquer pessoa do mundo". O público foi submetido, a partir de então, a uma média de dez ou mais mensagens publicitárias por dia. O lobby farmacêutico gostaria de impor o mesmo tipo de desregulamentaçã o em outros lugares.

Há mais de trinta anos, um livre pensador de nome Ivan Illich deu o sinal de alerta, afirmando que a expansão do establishment médico estava prestes a "medicalizar" a própria vida, minando a capacidade das pessoas enfrentarem a realidade do sofrimento e da morte, e transformando um enorme número de cidadãos comuns em doentes. Ele criticava o sistema médico, "que pretende ter autoridade sobre as pessoas que ainda não estão doentes, sobre as pessoas de quem não se pode racionalmente esperar a cura, sobre as pessoas para quem os remédios receitados pelos médicos se revelam no mínimo tão eficazes quanto os oferecidos pelos tios e tias [2] ".

Mais recentemente, Lynn Payer, uma redatora médica, descreveu um processo que denominou "a venda de doenças": ou seja, o modo como os médicos e as empresas farmacêuticas ampliam sem necessidade as definições das doenças, de modo a receber mais pacientes e comercializar mais medicamentos [3]. Esses textos tornaram-se cada vez mais pertinentes, à medida que aumenta o rugido do marketing e que se consolidas as garras das multinacionais sobre o sistema de saúde.


Bibliografia complementar:

* A revista médica PLoS Medecine traz, em seu número de abril de 2006, um importante dossiê sobre "A produção de doenças" – http://medicine.plosjournals.org

* Na França, as revistas Pratiques (dirigida ao grande público) e Prescrire (destinada aos médicos) avaliam os medicamentos e trazem um olhar crítico sobre a definição das doenças.

*Jörg Blech, Les inventeurs de maladies. Manœuvres et manipulations de l'industrie pharmaceutique, Arles, Actes Sud, 2005.

* Philippe Pignarre, Comment la dépression est devenue une épidémie, Paris, Hachette-Litté rature, col. Pluriel, 2003.

Este Artigo vem ao encontro com o que já nos foi declarado por PAUL ZANE PILZER em sua pesquisa de 6 milhões de dólares, onde denuncia a INDÚSTRIA DA DOENÇA nos EUA, em sua palestra na Extravaganza Brasil 2005. (NT)

Fonte: Le Monde Diplomatique (edição maio 2006) http://diplo.uol.com.br 2006-05,a1302

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Obesidade mental

[ALERTA: Tanto o tal professor Andrew Oitke, quanto o livro Mental Obesity parecem nao passarem de ficcao, nao sao encontraveis na internet, a nao ser em blogs que repetiram este texto. Mantenho o texto ficcional por seu interesse e valor real neste topico. Se alguem souber do autor, agradeco informar]

"O prof. Andrew Oitke, catedrático de Antropologia em Harvard, publicou em 2001 o seu polêmico livro “Mental Obesity”, que revolucionou os campos da educação, jornalismo e relações sociais em geral. Nessa obra introduziu o conceito em epígrafe para descrever o que considerava o pior problema da sociedade moderna.


Há apenas algumas décadas, a Humanidade tomou consciência dos perigos do excesso de gordura física decorrente de uma alimentação desregrada. É hora de refletir sobre os nossos abusos no campo da informação e do conhecimento, que parecem estar dando origem a problemas tão ou mais sérios do que a barriga proeminente. "

Segundo o autor, "a nossa sociedade está mais sobrecarregada de preconceitos do que de proteínas; e mais intoxicada de lugares-comuns do que de hidratos de carbono.

As pessoas se viciaram em estereótipos, em juízos apressados, em ensinamentos tacanhos e em condenações precipitadas.

Todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada. "

"Os 'cozinheiros' desta magna “fast food” intelectual são os jornalistas, os articulistas, os editorialistas, os romancistas, os falsos filósofos, os autores de telenovelas e mais uma infinidade de outros chamados 'profissionais da informação'".

"Os telejornais e telenovelas estão se transformando nos hamburgers do espírito. As revistas de variedades e os livros de venda fácil são os “donuts” da imaginação. Os filmes se transformaram na pizza da sensatez."

"O problema central está na família e na escola. "

"Qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se abusarem dos doces e chocolates. Não se entende, então, como aceitam que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, por videojogos que se aperfeiçoam em estimular a violência e por telenovelas que exploram, desmesuradamente, a sexualidade, estimulando, cada vez com maior ênfase, a desagregação familiar, o homossexualismo, a permissividade e, não raro, a promiscuidade.

Com uma 'alimentação intelectual' tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção, é possível supor que esses jovens jamais conseguirão viver uma vida saudável e regular".

Um dos capítulos mais polêmicos e contundentes da obra, intitulado "Os abutres", afirma:

"O jornalista alimenta-se, hoje, quase que exclusivamente de cadáveres de reputações, de detritos de escândalos, e de restos mortais das realizações humanas. A imprensa deixou há muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular."

O texto descreve como os "jornalistas e comunicadores em geral se desinteressam da realidade fervilhante, para se centrarem apenas no lado polêmico e chocante".

"Só a parte morta e apodrecida ou distorcida da realidade é que chega aos jornais."

"O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades.

Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy.

Todos dizem que a Capela Sistina tem teto, mas ninguém suspeita para quê ela serve.

Todos acham mais cômodo acreditar que Saddam é o mau e Mandella é o bom, mas ninguém se preocupa em questionar o que lhes é empurrado goela abaixo como "informação".

Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um “cateto.”

Prossegue o autor:

"Não admira que, no meio da prosperidade e da abundância, as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência.

A família é contestada, a tradição esquecida, a religião abandonada, a cultura banalizou-se e o folclore virou "mico". A arte é fútil, paradoxal ou doentia.

Floresce, entretanto, a pornografia, o cabotinismo (aquele que se elogia), a imitação, a sensaboria (sem sabor) e o egoísmo.

Não se trata nem de uma era em decadência, nem de uma 'idade das trevas' e nem do fim da civilização, como tantos apregoam. "

"Trata- se, na realidade, de uma questão de obesidade que vem sendo induzida, sutilmente, no espírito e na mente humana. O homem moderno está adiposo no raciocínio, nos gostos e nos sentimentos.

O mundo não precisa de reformas, desenvolvimento, progressos. Precisa sobretudo de dieta mental."



Por Prof. João César das Neves

Fonte: Diário de Noticias em 22/03/2004 (Portugal)

http://www.umaoutravisao.com.br/artigos/mental/obesidment.html

domingo, 4 de abril de 2010

Alimentos contaminados


por Silvio Caccia Bava

O Brasil é o maior mercado de agrotóxicos do mundo e representa 16% da sua venda mundial. Em 2009, foram vendidas aqui 780 mil toneladas, com um faturamento estimado da ordem de 8 bilhões de dólares. Ao longo dos últimos 10 anos, na esteira do crescimento do agronegócio, esse mercado cresceu 176%, quase quatro vezes mais que a média mundial, e as importações brasileiras desses produtos aumentaram 236% entre 2000 e 2007. As 10 maiores empresas do setor de agrotóxicos do mundo concentram mais de 80% das vendas no país.

Esses produtores viram ameaçadas suas novas metas de faturamento com o anúncio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de que se propõe a reavaliar o uso de 13 produtos agrotóxicos, vários deles já proibidos há anos nos EUA, na União Europeia, e em países como Argentina, Nigéria, Senegal, Mauritânia, entre outros, como o acefato e o endossulfam. Os motivos dessa proibição são evidentes, a contaminação de alimentos, de trabalhadores rurais, e do meio ambiente, causando, literalmente, o envenenamento dos consumidores, a morte de trabalhadores rurais e a destruição da vida animal e vegetal.

Em solicitação ao Ministério Público para a proibição de um desses agrotóxicos – o Tamaron – os então deputados federais Fernando Dantas Ferro, Adão Preto e Miguel Rosseto denunciam que 5 mil trabalhadores rurais morrem, a cada ano, intoxicados por venenos agrícolas, sendo que muitos mais são afetados de maneira grave pela ingestão dos componentes químicos desses produtos.

Frente à disposição da Anvisa de reavaliar produtos como Gramoxone, Paraquat, Tamaron, Mancozeb, Monocrotfos, Folidol, Malation e Decis, o Sindag – Sindicato das Indústrias de Defensivos Agrícolas – recorreu ao Judiciário, solicitando que não sejam publicados os resultados das reavaliações. Houve mesmo iniciativas no Judiciário que pretendiam proibir os estudos da Anvisa que verificavam a segurança das substâncias de 99 agrotóxicos.

O fato é que o setor ruralista, com o Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes à frente, a bancada ruralista e os fabricantes de agrotóxicos se puseram a campo contra a iniciativa da Anvisa, e mesmo contra a própria Anvisa e o seu papel fiscalizador. Segundo documento obtido pela ABRANDH – Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos, o Ministério da Agricultura quer ser o responsável pela avaliação e registro dos produtos agrotóxicos.

Para Rosany Bochner, especialista em toxicologia da Fiocruz, instituição parceira da Anvisa no trabalho de reavaliação dos agrotóxicos, “o Brasil está virando um grande depósito de porcarias. Os agrotóxicos que as empresas não conseguem vender lá fora, que têm indicativo de problemas, são empurrados para a gente”.1

Em 2002, com o início do funcionamento do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, coordenado pela Anvisa, surgiram informações preocupantes. Das 1.198 amostras recolhidas em nível nacional, 17,28% apresentavam índices de contaminação acima do permitido para se preservar a saúde. O tomate, o morango e a alface são os mais contaminados. Se você come amendoim, batata, brócolis, citros, couve, couve-flor, feijão, melão, pimentão, repolho, entre outros alimentos, cuidado! Eles contêm acefato, um agrotóxico que pode causar danos ao cérebro e ao sistema nervoso e provocar câncer no longo prazo. O acefato é proibido em toda a União Europeia.

Segundo o IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor, “o consumidor brasileiro está exposto a um risco sanitário inaceitável, que exige medidas rigorosas dos órgãos governamentais responsáveis, inclusive com a punição dos infratores”.

Essa denúncia decorre do levantamento e análise da Anvisa, feito de junho de 2001 a junho de 2002, onde nada menos que 81,2% das amostras analisadas (1051 casos) exibiam resíduos de agrotóxicos e 22,17% apresentavam índices que ultrapassavam os limites máximos permitidos.

Atualmente os agrotóxicos estão em reavaliação tanto pela Anvisa, quanto pelos Ministérios da Saúde e Meio Ambiente. E espera-se que até o final do ano seja divulgada uma nova lista dos agrotóxicos que podem continuar sendo vendidos e os que serão banidos do território brasileiro.

Ainda não existe uma ação integrada desses organismos públicos responsáveis por essa tarefa de fiscalização, mas segundo Agenor Álvares, diretor da Anvisa, a integração é algo indispensável, até para enfrentar a proposta do setor ruralista, que é inaceitável.

Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.

_

Le Monde Diplomatique Brasil, edição 33 - abril 2010; pág. 3.